Zafir Youseef Xarif
Ela estava tagarelando enquanto eu dirigia para casa. Os quilômetros passavam lentamente, embora eu apertasse fundo o acelerador. Eu permaneci em silêncio enquanto Jamile comentava da festa que acabamos de sair, de final de ano, que dei para meu Staff. Ela então se irritou quando me perguntou algo e eu não lhe dei uma resposta.
Eu estava lento, cansado, compareci a essa festa movido pela obrigação. Jamile furiosa virou o rosto para a janela. Recusei-me a deixá-la me afetar pelo seu temperamento.
Ela não enxergava que eu andava um caco?
Que eu mais queria era dormir?
Eu andava ultimamente esgotado. Ela não via minhas olheiras? Como eu estava mais magro?
Meu Deus, minha mente estava entretida em outros assuntos. Daqui a dois dias era meu casamento. Amanhã cedo eu viajaria para o Marrocos, eu só pensava em chegar na nossa casa e dormir, apagar. Esvaziar minha mente, tirar a tensão dos meus ombros.
Estava tudo certo. Segundo meu pai, a moça Khadija Zahrah Abdala, já viajara para lá.
Allah! Como ela seria?
Eu ia gostar dela?
Não sei. Eu só a conheceria no dia do casamento.
Relanceei os olhos para Jamile e percebi que ela me observava.
—Você está arrependido de ter aceitado esse casamento, não está?
Eu suspirei entediado e não respondi.
— Você vai ficar em silêncio o resto da viagem ou vamos conversar? Você pode me dizer a verdade e olhar nos meus olhos?
— Eu posso falar e dirigir ao mesmo tempo. Não preciso olhar nos teus olhos para dizer que não sou um adolescente para me arrepender dos meus atos. Estou me casando pensando no futuro da família. Consciente da necessidade de eu deixar uma herança para a posteridade. Lembre-se que essa situação, você que criou quando não quis a inseminação artificial.
—Você sabia que às vezes acho que se arrependeu de se casar comigo?
Minha boca se fechou para não falar coisas que eu prometi a mim mesmo que nunca diria.
— Jamile, seja boazinha e me dá um tempo.
—Ou você fará o quê?
Eu bati no teto do meu Porsche com raiva. O golpe sacudiu o interior, Jamile ameaçou chorar.
—kaf! (Basta!) Não vê que estou cansado? Final de ano nunca é fácil para mim. Se já não bastasse isso, amanhã terei que ir para o Marrocos.
Ela piscou com os olhos cheios de lágrimas.
—Eu gostaria de viajar com você e participar do seu casamento.
Eu respirei fundo tentando me acalmar.
—Isso está fora de questão.
— Meu Deus! Por que eu não posso ir? Eu não atrapalharia em nada vocês dois. Estaria com algum parente seu.
—Isso já está resolvido. Não é um assunto para ser discutido. — O CEO em mim gritou mais alto.
Ela virou o rosto para a janela, talvez achando minha atitude arrogante.
Ela poderia pensar o que quisesse! Eu estava usando de sensibilidade com minha futura segunda esposa.
Não imporia a figura da minha primeira esposa na festa de casamento ou na nossa breve lua-de-mel, mesmo que Khadija soubesse da existência dela, era um absurdo a presença de Jamile como se fosse minha sombra.
Cheguei a nossa casa me sentindo revoltado com o mundo inteiro. Entrei na sala espaçosa e redecorada com o gosto de Jamile, cores que eu detestava como o azul.
Eu já tive grandes planos para este lugar, usar outras cores como o tom pastel e dourado que eu gostava muito, mas quando Jamile me pediu para redecorar a sala, eu cedi para não arrumar confusão.
Se eu contasse como eu levava meu casamento em banho-maria, eu ganharia um prêmio Puzzle de Paciência.
Meus pensamentos saltaram para o meu passado de liberdade, que para mim era sinônimo de felicidade. Desde que me casei, eu não sabia mais o que era isso. Perdi a pouca fé, que um dia tive, que um novo casamento pudesse me acrescentar algo de bom.
Suspirei.
Agora, novamente, me sacrificaria a favor da família. Antes de optar por esse segundo casamento, eu e Jamile vimos à possibilidade de inseminação artificial, mas quando ela soube que a possibilidade de ter gêmeos era muito grande, se recusou.
Por que eu não me admirei por isso? Ironizei no meu íntimo.
Jamile caminhou para o quarto enquanto eu fui na cozinha e enchi um copo com vodca. Eu não costumava beber, tanto que não bebi na festa. Mas agora eu precisava de uma dose. Precisava anestesiar meu corpo para relaxar e dormir.
Com o copo nas mãos fui até a sala e dei um tempo lá. Eu não estava a fim de conversa, de sexo, de nada. Quando terminei a bebida, caminhei resoluto até o quarto de hóspedes e coloquei meu celular ao lado da cama que já estava programado para me despertar. Me joguei na cama com roupa e tudo.
Agora era dormir até amanhã....
KhadijaO suor frio escorreu na minha testa. Minhas pernas tremiam tanto que eu tive medo que elas não me sustentariam quando eu me levantasse daquele sofá. Titia estava ao meu lado, segurando a minha mão. O contrato estava sendo lido agora em uma sala cheias de testemunhas. Ela traduzia, mas eu não conseguia ouvir nada, pois tudo no meu corpo parecia doer, as lágrimas borravam minha visão e minhas costas estavam tensas.Cansada e desgastada era assim que me eu me sentia. Exausta. Nadando contra a maré, mas precisava seguir em frente. Respirei fundo! Penso enxugando as lágrimas. A maquiagem era à prova d'água, acho que estava mais para à prova de noiva amargurada.Eu era um descendente árabe que no máximo que eu falava e entendia da língua eram algumas expressões. Minha mãe inglesa teve uma grande influência sobre m
KhadijaCaminhei me sentindo dentro de um ritual de abate, onde o cordeiro seria sacrificado, no caso "eu".Meu destino?Unir-me a um homem que nunca vi na vida.Eu não o conheço.Estremeci pensando nisso. Minhas pernas quase falharam na breve caminhada até a porta em formato de arco, que foi logo aberta por uma das mulheres. Eu caminhei até ela como uma condenada, meus pés pesados como se estivessem presos em correntes, carregando duas bolas de chumbo.No momento que pisei na sala, eu o avistei. Ele era alto. Os cabelos grossos como carvão. Passei meus olhos pela sua calça social preta que envolvia suas pernas e acentuava sua estreita cintura. A camisa branca não era apertada, mas realçava seu corpo. O casaco preto e a gravata preta completavam o visual e emanava poder e sexo. Ele estava de perfil,
KhadijaO jardim estava banhado de sol naquele fim de tarde. Sereno, verde e dourado. Me afastei da janela e sentei na minha cama.Uma coisa eu tinha que reconhecer, nosso povo era muito amistoso. As mulheres, mesmo que não falassem minha língua, não sabiam o que fazer para eu me sentir feliz e confortável.Titia nem se deu ao trabalho de ficar comigo, estava aproveitando as despesas pagas pelo meu noivo, agora marido, e batendo perna na Medina.A porta se abriu e minha tia entrou no meu quarto, sorriu quando me viu. Tirando o lenço preto que usava na cabeça suspirou:—Allah! Aqui é tudo tão lindo. Essa casa, então, maravilhosa.—Gostei muito da tia de Zafir. Uma pessoa simples e prestativa. Tem uma casa tão grande e nem parece dona dela.Zilá se aproximou de mim com uma sacola na mão.—E dele? Vo
ZafirKhadija se afastou de mim e se enfiou no banheiro com algumas roupas nas mãos. Eu tirei a minha também e só coloquei uma calça de pijama. Logo minha mente me avisou para ter cautela, por isso coloquei também uma camiseta, cobrindo completamente meu corpo.Caminhei até a janela e pela vidraça pude ver a lua cheia. Uma coisa eu tinha, paciência. Casado há três anos com Jamile, eu adquiri convivendo com ela. Ouvi muitas palavras atravessadas em seus dias de mau humor por causa da maldita TPM, suas negativas ferozes quando eu a convidava a um jantar de negócios. Ela só queria sair para festas da alta sociedade. Minhas reuniões, ela não se interessava. Dizia que só haveria “conversas chatas".Eu sabia que meu casamento era um fracasso total, mas eu me acomodei e ela nunca cometeu um grave delito para que eu pudesse repudi&a
KhadijaDizem que ninguém se esquece da primeira vez que pisa em Paris. Eu seria uma delas....Encanto, espanto, surpresa, deslumbramento, alegria e prazer. Tudo isso ao lado de um homem maravilhoso....Às dez horas da noite descemos no Aeroporto Charles de Gaulle. Fomos até área de desembarque e pegamos nossas malas; uma minha, só com poucas roupas. Duas grandes de Zafir.Quando nos viramos, um senhor de meia idade, se aproximou dele.— Seigneur. Avez-vous fait un bon voyage?— Oui, merci. Charles. C'est ma femme, Kajira.Eu fitei a cena confusa. Quem era esse senhor?—Bienvenue, mademoiselle. —Ele se inclinou para mim.Eu sorri. Quando ele pegou nosso carrinho e se dirigiu para a saída, Zafir colocou sua mão na minha cintura.—Quem é esse senhor? Por que ele está levando nossas malas? —Eu
ZafirEu me inclinei e beijei suavemente ao longo de sua mandíbula e logo abaixo da orelha.Ela cheirava tão bem, um perfume doce, como jasmim e rosas. Tão diferente... khara! (Merda!) Não quero pensar em Jamile agora.Voltei a beijar-lhe suavementea concha de sua orelha.—Eu não vou pressioná-la para qualquer coisa. —Sussurrei em seu ouvido, sentindo como ela estava nervosa. Então eu a encarei com as pupilas dilatadas de desejo. Torcendo para ela se entregar de coração e alma. —Não quero que faça amor comigo por obrigação ou gratidão.Ela me olhava afogueada, sua respiração agitada soprando em meu rosto.—Não, eu te desejo. Eu quero isso.Eu sorri de satisfação, retornei com beijos leves por todo seu pescoço antes de chegar a sua boca. Be
KhadijaAqui em Paris, gula não é pecado nem algo imperdoável. Aliás, era um rito indispensável que nos leva ao paraíso.Saímos para almoçar fora. Fomos na Brasserie Balzar (49 Rue des Ecoles 75005. Os mâitres e garçons foram muito atenciosos e alegres, prontos a sugerir o prato do dia. O cardápio foi maravilhoso a experiência de comeraile de raie française façon grenobloise, pommes vapeur,que eraarraia com muita manteiga e alcaparras acompanhada com batatas cozidas. Delicioso, como um manjar dos deuses. Eu sei que muito tinha a ver com o lugar que estávamos, segundo Zafir, era o prato predileto do Johnny Depp.Aqui em Paris, os turistas compravam desenfreadamente. Os franceses olhavam tudo com certo desdém para as imensas sacolas que todos carregavam. E eu e Zafir éramos um desses
KhadijaAqui em Paris, andar de bicicleta não era mais comum do que pegar um carro. Crianças, jovens e mulheres de meia-idade, com suas bicicletinhas com cestinhas na frente, todos andavam. Conclui que por isso as francesas eram tão magrinhas.Estar com Zafir, descobri que podia fazer coisas diferentes. Me reinventar.Eu e ele pedalamos muito. Mesmo num friozinho de dez graus, não ficamos morgando em casa. Pode parecer uma coisa banal andar de bicicleta. Mas foi uma experiência maravilhosa. Eu aprendi a pedalar, na época que meus pais eram vivos, e viver essa experiência novamente e com ele, era algo extraordinário, libertador, e muito, mas muito gratificante.A Cidade Luz era maravilhosa. Não estava aconchegante, porque o vento provoca um frio de rachar, mas eu me sentia viva. Zafir então, parecia um menino. Lindo, jovial naquela calça de veludo marrom