Heitor
Depois de muita insistência da Heloísa eu tinha aceitado acompanhá-la para passar o Réveillon em São Miguel do Gostoso e agora eu me questionava porque eu sempre acabava cedendo aos caprichos da minha irmã chata e impulsiva. Logo eu respondia a mim mesmo: Eu a amo, apesar de tudo.
— Você deveria tentar se divertir, Heitor! — Heloisa repete a mesma frase pela enésima vez só naquela noite — É sempre tão certinho.
— Sou um cara responsável, foi isso que você quis dizer, não? — sugeri de maneira irônica.
— Um chato! Foi isso que a Heloisa quis dizer — Bernardo diz, se intrometendo no assunto.
— Não lembro de ninguém aqui ter pedido a sua opinião, Bernardo — falei de maneira rude.
— Gente, vamos apenas aproveitar o réveillon? — Heloísa tenta mais uma vez — É possível ou não?
— A Heloísa tem razão — Catarina diz de maneira cordata — O que acham de descer e nos juntar ao restante dos hóspedes e assistir a queima de fogos?
Todos concordaram em seguir a sugestão de Catarina e pedimos a conta dos drinques que tomamos no bar do hotel e fomos nos reunir a maioria dos outros hóspedes, que estavam na área de festa próxima a piscina e onde estavam espalhadas várias mesas com buffet completo e atrativo, com muitas comidas tradicionais do Réveillon e também por comidas típicas da região Nordeste.
Enquanto experimentava algumas das iguarias, olhava em torno do ambiente, reconhecendo alguns rostos e torcendo para que Heloísa e Bernardo logo encontrassem companhias interessantes e esquecessem da Catarina e de mim. Logo que isso aconteça, eu pretendo voltar à minha suíte e dormir. Estava entediado, essa era a única palavra que poderia me definir naquele momento. Tenho certeza de que a minha namorada não se importaria de perder o restante da “festa”.
Catarina e eu namoramos há dois anos e pretendo pedi-la em casamento no dia do aniversário do meu avô Vicente que vai acontecer dentro de um mês e este será o meu presente para o patriarca da família Alves de Bragança, tendo em vista que o seu maior desejo no momento é que seus netos casem e tenham filhos, pois ele não vê a hora de ter crianças correndo pelos jardins da sua mansão.
Apesar dos planos de casamento para muito em breve, não posso dizer que amo a minha namorada, pois não acredito no amor nem acho que possa um dia me apaixonar. O único motivo pelo qual a escolhi para ser a minha esposa é pelo vínculo existente entre nossas famílias e o fato de conhecer Catarina há anos e termos bastante afinidade um com o outro.
Não vejo problema algum em termos uma relação tranquila, ou como Bernardo sempre faz questão de dizer, um namoro morno e sem graça. Mas a opinião do meu melhor amigo e maior mulherengo que eu conheço realmente não vem ao caso.
— O que acha de voltar para a nossa suíte? — perguntei discretamente a Catarina logo após a meia noite e depois que perdi Heloísa e Bernardo de vista.
— Vamos ficar só mais um pouco… — Catarina pediu em um estranho tom de voz.
Olhei atentamente para a minha namorada quando ela pegou mais uma taça de champanhe da bandeja do garçom que estava passando e tenho certeza que aquela deveria ser pelo menos a quarta vez em que eu a via fazer isso.
— Você não acha que já bebeu muito por uma noite? — perguntei sem disfarçar a reprovação em minha voz.
Catarina pareceu estar muito atenta a algo do outro lado da enorme piscina e nem mesmo se importou em prestar atenção ao que eu estava falando, o que me incomodou bastante.
— Catarina? — tentei.
— Sim? – apesar da resposta, eu realmente não tinha a sua atenção, e percebi em seu rosto uma expressão clara de desagrado.
Olhei mais uma vez na mesma direção em que Catarina tanto prestava atenção, mas não entendi realmente o que ela estava vendo. Mas logo constatei que o Bernardo já estava aos beijos com uma garota qualquer, algo bastante comum para o meu amigo e que não deveria ser surpresa alguma para nenhum de nós.
— Qual o problema? — perguntei já irritado com a atitude estranha de Catarina.
— Não há problema algum — respondeu com aborrecimento também — Somos todos livres para fazer o que bem entender, não é mesmo?
Aquela pergunta me deixou espantado e parecia mais ser uma retórica, pois ela nem mesmo esperou que eu respondesse qualquer coisa e já estava virando a taça e tomando todo o conteúdo em um único e longo gole.
— O que está te incomodando? Não estou entendendo.
Catarina não me respondeu e de maneira bastante inapropriada e surpreendente, virou as costas e saiu caminhando entre as pessoas sem nem mesmo olhar para trás, me deixando sem entender nada do que tinha acabado de acontecer.
Decidi esperar algum tempo antes de voltar para a nossa suíte, local para onde eu acreditava que a Catarina estivesse, mas quando cheguei ao quarto não havia nenhum sinal de sua passagem pelos aposentos requintados do hotel de luxo no qual estávamos hospedados.
— Onde ela pode estar?
Agora eu estava verdadeiramente preocupado com a minha namorada, afinal, ela não estava em seu estado normal e isso aliado ao fato de estar sozinha por aí poderia ser muito perigoso.
Catarina é uma negra linda de cabelos lisos, cortados na altura do ombro e tem um corpo magro e delicado, com pernas longas extremamente elegantes e tudo isso forma um quadro bastante chamativo e que pode despertar a atenção de algum bastardo mal intencionado, o que é bastante preocupante.
Pensar nisso fez com que eu voltasse ao local onde estava acontecendo as comemoração e que estava ainda mais lotado agora que tinha começado a tocar um cantor de bastante sucesso. Ainda assim, andei por toda a área, atento a qualquer sinal da Catarina ou de quem quer que pudesse dar alguma informação sobre ela.
Por sorte eu encontrei a minha irmã, que como eu já imaginava, estava abraçada a um homem com quem parecia estar se divertindo muito e eu me senti bastante incomodado em interromper o seu momento.
— Não sei onde a Catarina está — falei logo de uma vez.
Heloísa ficou tão preocupada quanto eu e nós combinamos de seguir em direções diferentes e comunicar um ao outro em caso de encontrar a minha namorada.
Decidi procurar também na orla da praia e caminhei atento a todos que por ali estavam, até que uma garota solitária sentada à beira mar me chamou atenção, mesmo que eu tivesse certeza de que não se tratava da Catarina, algo me fez parar e ficar observando as suas ações.
O mar parecia estar se aproximando cada vez mais de onde a garota estava, pois a cada vez que iam e vinham as ondas, mais elas quebravam próximo a garota e ela não parecia se importar por estar se molhando cada vez mais. Cheguei a pensar que ela talvez tivesse adormecido, mas seus ombros pareciam tremer fortemente e entendi que na verdade ela estava chorando copiosamente.
Outro fato preocupante era que naquela parte da orla a praia estava quase deserta, com poucas pessoas caminhando em direção a parte mais movimentada e tudo indicava que iria ficar ainda mais vazia no decorrer do tempo. Mas a garota não deve estar se dando conta disso ou até mesmo deseja estar completamente sozinha para chorar o seu pranto aparentemente tão sofrido.
Por algum motivo, eu não consegui ir embora e fingir que não vi aquela cena nitidamente triste e até mesmo… deprimente de uma garota chorando sozinha em pleno Ano Novo, enquanto as ondas da praia a molhavam mais e mais.
LizandraApós ver o Samuel e a Juliana juntos perante todos os moradores da cidade em pleno Ano Novo, foi impossível continuar firme e fingir que nada estava acontecendo quando eu estava sangrando por dentro.Acabei aceitando um copo de uma bebida qualquer que o Luciano me ofereceu e tomando todo o conteúdo da taça de um único gole, o que me deixou imediatamente tonta e com uma sensação de euforia totalmente estranha diante do que eu estava vivendo naquele momento ao ver os dois traidores sorrindo felizes logo após me fazer de palhaça.Apesar de me sentir zonza e com vontade de rir da minha própria desgraça, eu tentei me controlar a todo custo e consegui me esquivar do Luciano na primeira oportunidade que tive. A bebida não tinha me dominado completamente e eu apenas andei sem rumo pela orla da praia, molhando os pés nas ondas, enquanto desejava a todo custo que aquelas sensações esquisitas sumissem, o que não estava acontecendo realmente.Sem nem mesmo perceber o que estava fazendo,
Heitor Eu deveria apenas seguir meu caminho e voltar a procurar por Catarina, que tinha bebido um tanto quanto além do que o recomendável quando eu a vi pela última vez e por quem eu tenho responsabilidade. Eu pretendia fazer isso, mas ao caminhar apenas alguns poucos metros, notei que alguns homens visivelmente embriagados caminhavam na direção da garota insuportável e aquilo foi suficiente para me deixar apreensivo de uma maneira desconcertante.Eu não tenho que me preocupar com aquela garota, mas foi impossível continuar a andar sem ter certeza de que aqueles indivíduos iriam seguir o seu caminho sem incomodá-la. Acabei diminuindo completamente a velocidade dos meus passos apenas para confirmar que eles realmente não iriam notar a presença da garota solitária sentada à beira mar.— Olha o que temos diante de nós, meus amigos — um deles falou alto o suficiente para que eu conseguisse ouvir — Uma gata dessas sozinha aqui. Deve estar perdida…— Ou está apenas esperando que alguém a e
LizandraToda a adrenalina pelos últimos acontecimentos deve ter interferido em meu emocional e mesmo ciente de que eu estava chorando copiosamente na frente de um completo estranho, eu não consegui evitar.Ao ouvir a sua oferta, no entanto, decidi pôr um basta na minha fraqueza e sequei o meu rosto, ou ao menos tentei fazer isso de alguma forma, mas sabia que deveria estar totalmente descabelada, mas isso realmente não tem importância alguma para mim. Aquela noite estava sendo longa demais e eu cheguei ao meu limite. Então, quando aquele estranho se ofereceu para me acompanhar até um local mais seguro, eu simplesmente aceitei. O fato dele não ter dito que iria me acompanhar até em casa me fez sentir mais tranquila, mesmo que pudesse ser uma grande idiotice da minha parte, pois sei que não deveria confiar em alguém que acabei de encontrar na praia e que com toda certeza é um turista, alguém que está apenas de passagem por Gostoso e pode muito bem se aproveitar da situação, afinal, n
HeitorDepois que deixei a garota em um local bastante movimentado, voltei apressado para o hotel, que ficava a apenas alguns minutos de distância. Estava me sentindo culpado pelo tempo que acabei perdendo por estar com a garota na praia. Para o meu alívio, logo cheguei já encontrei com a Heloísa, que veio ao meu encontro de maneira afobada.— Onde você estava? — perguntou ansiosa — Eu já estava ficando preocupada.— Você conseguiu encontrar Catarina? — perguntei, fugindo da pergunta comprometedora.— Catarina está bem, não se preocupe — contou — Bernardo a encontrou na praia.Algo naquela informação me deixou um pouco incomodado e isso com certeza tem haver com aquilo que a garota insinuou na durante nosso estranho encontro.— E como Bernardo soube que estávamos à procura de Catarina? Ele não estava aqui quando saí… — Eu liguei para o Bernardo e pedi a sua ajuda para localizar a Catarina — Heloísa explicou — Ela parecia bem normal, para falar a verdade. Ainda assim, eu a acompanhei
LizandraEu mal consegui pregar os olhos a noite toda e não poderia realmente dizer que acordei. Em consequência da péssima noite rolando na cama e derramando rios de lágrimas, na manhã seguinte eu me senti horrível. Parecia que um trator tinha passado por cima do meu corpo, me deixando totalmente dolorida. E ainda sem falar na cara inchada e nos olhos vermelhos.Levantei sem ânimo, pensando como faria para enfrentar mais um dia de trabalho na pousada da minha tia depois de tudo o que aconteceu ontem. Não havia outra opção, ao menos não no momento. Mas eu pretendia conversar com Lucrécia logo que as coisas acalmassem e tentar provar a minha inocência e que o dinheiro que estava guardado debaixo do meu colchão é fruto das minhas economias de anos. Depois de tomar um banho demorado e chorar mais um pouco no banheiro, eu decidi ser forte e enfrentar tudo o que aconteceu de cabeça erguida. Chega de chorar! Nada se resolve com lágrimas e eu já tinha derramado muitas desde a hora que entre
LizandraChegamos ao Rio de Janeiro naquele mesmo dia à noite, algo que me deixou realmente surpresa com a facilidade encontrada pelo dinheiro e o apartamento do Luciano dizia que ele realmente possuía uma condição financeira privilegiada, pois apenas em ver o edifício extremamente luxuoso já ficou claro para mim que ao menos em relação a esse assunto ele tinha falado a verdade.— Eu pensei em te hospedar no meu apartamento, pois imagino que você não tenha condições de se manter até que comece a trabalhar — ele disse ao entrarmos na sala de estar decorada em tons de marrom — E espero que se sinta em casa aqui.Dizer para eu me sentir em casa era no mínimo gentil da parte dele, mas completamente impossível para mim, quando eu estava temerosa até mesmo de tocar em qualquer coisa e por um descuido qualquer acabar derrubando algum daqueles objetos valiosos.— Obrigada, Luciano. Não soube nada mais para dizer em agradecimento a tudo o que o Luciano estava fazendo e já tinha repetido aquel
LizandraForam necessários alguns segundos para que eu conseguisse me reconhecer na garota completamente nua e olhando para a tela com expressão de extremo cansaço. E esse foi o pior momento de toda a minha vida. Pior que a traição da minha prima e a acusação falsa de roubo que tia Lucrécia, a mulher que me criou durante anos, fez contra mim.— Mas… — comecei a falar com dificuldade, sentindo um grande bolo na garganta que engoli com grande dificuldade, para só então gritar horrorizada — O que é isso!? Eu estava gritando como nunca antes eu tinha feito, pois aquilo é completamente invasivo e indigno e eu jamais poderia aceitar tamanha falta de caráter do responsável por aquele… crime. — Não é o que você está pensando, minha querida — O outro homem começou a dizer, tentando me segurar pelo braço e me tirar do quarto.Percebi que enquanto ele me puxava para fora, Luciano desligava o aparelho de TV de maneira desajeitada, e só então eu entendi a gravidade da situação em que me coloquei
HeitorDesliguei o telefone com uma sensação estranha e incomum de ansiedade e acredito que o meu semblante tenha me denunciado, pois o motorista olhou para mim com ar inquisitivo através do espelho retrovisor. Provavelmente percebeu que eu estava falando com o meu avô e suas palavras confirmaram que eu estava certo.— Algum problema com o senhor Vicente? — perguntou em tom preocupado.Respirei profundamente.— Infelizmente, sim — concordei sem pensar, e logo expliquei melhor a situação ao ver a expressão aflita do Lúcio — Na verdade, o vovô está envolvido, mas não aconteceu nada com ele em si.A expressão do Lúcio m