Lizandra
Após ver o Samuel e a Juliana juntos perante todos os moradores da cidade em pleno Ano Novo, foi impossível continuar firme e fingir que nada estava acontecendo quando eu estava sangrando por dentro.
Acabei aceitando um copo de uma bebida qualquer que o Luciano me ofereceu e tomando todo o conteúdo da taça de um único gole, o que me deixou imediatamente tonta e com uma sensação de euforia totalmente estranha diante do que eu estava vivendo naquele momento ao ver os dois traidores sorrindo felizes logo após me fazer de palhaça.
Apesar de me sentir zonza e com vontade de rir da minha própria desgraça, eu tentei me controlar a todo custo e consegui me esquivar do Luciano na primeira oportunidade que tive. A bebida não tinha me dominado completamente e eu apenas andei sem rumo pela orla da praia, molhando os pés nas ondas, enquanto desejava a todo custo que aquelas sensações esquisitas sumissem, o que não estava acontecendo realmente.
Sem nem mesmo perceber o que estava fazendo, sentei na areia e admirei o mar e as ondas quebrando cada vez mais próximo de onde eu estava, como se estivesse enfeitiçada pela visão. Aos poucos a realidade foi se abatendo sobre mim e as lágrimas não demoraram a cair aos borbulhões.
— Acredito que não tenha percebido, mas o mar está avançando cada vez mais… — Uma voz grave e muito masculina falou próximo a mim.
Ao ouvir as palavras de aviso tive um sobressalto, pois não estava realmente ciente das pessoas que passavam próximo a mim. Tudo o que eu conseguia pensar era na Juliana e no Samuel juntos e no que as pessoas deveriam estar comentando sobre isso.
— Eu não tenho medo de água, moço — Respondi sem nenhum interesse em conhecer o dono da bonita voz.
— Talvez não tenha medo de água, mas acredito que também não tem intenção de se afogar — revidou ele em um tom carregado de ironia.
— Talvez eu tenha intenção de me afogar — disse sem pensar realmente nas minhas palavras.
De maneira bastante imprópria, o homem se aproximou ainda mais de onde eu estava e senti que agora estava logo atrás de mim, pois a sombra de seu corpo me cobriu e pelo que pude perceber, ele era um homem grande, o que combinava perfeitamente com a sua voz.
— Tenho a impressão de que você é velha demais para ser uma adolescente rebelde e também jovem demais para carregar um fardo assim tão pesado em suas costas.
Mais uma vez as palavras do homem me incomodaram, assim como a sua presença indesejada. Ao mesmo tempo e de maneira bastante louca, ele não despertou nenhum tipo de temor, mesmo que estivéssemos apenas nós dois no meio de uma praia praticamente deserta em plena madrugada do primeiro dia do novo ano.
— Vai embora! — falei alto e de maneira impulsiva.
Até eu mesma me surpreendi com o minha própria atitude e constatei mais uma vez que eu estava fora de mim.
— Algo me diz que eu não devo te deixar aqui sozinha… — o homem disse de maneira tranquila, mas seu tom continha bastante ironia.
Levantei do chão e resolvi olhar para aquele homem totalmente inoportuno. Pretendia mandar ele ir embora, mas agora olhando diretamente nos seus olhos. Logo que encarei o estranho, um certo descompasso em meu coração me fez questionar se eu tinha feito a coisa certa.
Ele é alto, acredito que mais de um metro e oitenta e cinco de altura e sua aparência mistura rebeldia com seriedade de uma maneira bastante complexa. Ele tem uma expressão que indica um homem que quase nunca sorri e até o corte social do seu cabelo indica uma personalidade mais fechada.
Seus olhos e cabelos são negros como a noite e em seu rosto não há nenhum sinal de barba, o que deixava entrever um furinho no queixo que faria algumas mulheres suspirar. Seu corpo atlético é aparentemente bem definido, pois ele está usando uma camisa social com as mangas dobradas nos cotovelos onde não se percebe nenhum sinal de barriga saliente.
Totalmente fora de lugar tem algo que me fez questionar aquela personalidade pretensiosa. O homem traz um brinco em sua orelha esquerda e aquilo realmente se destaca de maneira marcante. Uma esgar de sua boca bem feita no rosto másculo me fez perceber que eu estava o encarando há mais tempo do que o socialmente permitido e isso me trouxe de volta a realidade.
— Eu só quero ficar sozinha — falei novamente de maneira grosseira — Se você não for embora, eu mesma vou mudar de lugar.
— Não sei o que aconteceu com você, mas isso não te dá o dinheiro de ser grossa comigo.
Mas que cara idiota!
— Você está sendo inoportuno e eu sou grosseira!? Ah, faça-me o favor!
O homem me encarou atentamente por mais alguns segundos antes de dizer de maneira tranquila, mas ainda assim bastante pedante.
— Estou procurando a minha namorada e pensei estar ajudando-a, mas vejo que me enganei.
Ele me virou as costas e começou a caminhar de volta a parte da praia que estava mais movimentada e antes que eu conseguisse controlar a minha amargura e acidez, acabei falando alto para que ele ouvisse:
— Talvez ela esteja por aí com um primo seu…
As minhas palavras o fizeram parar e olhar em minha direção, o que me fez concluir com cinismo.
— Não tem primo? Então deve ser o seu melhor amigo, ou sei lá! Deve tá te traindo com alguém em pleno Réveillon.
É, eu estava amargurada e sendo cruel com um estranho no primeiro dia do ano. Bem, eu realmente não me importo.
— Só estou tentando ajudar, mas vejo que você é uma garota bastante venenosa — O estranho apontou com desprezo — Deve ser por isso que está aqui sozinha, à espera que a água te cubra logo de uma vez.
As palavras duras - resposta compreensível diante do que eu falei - me deixaram perplexa e sem fala, e o homem voltou a caminhar na mesma direção de antes, sem dizer mais nada. Não era necessário, ele tinha sido tão cruel quanto eu mesma e eu não poderia acusá-lo de ter exagerado. Eu fui a única culpada da cena que se desenrolou na casa e fui eu a que mais exagerei naquela noite.
Heitor Eu deveria apenas seguir meu caminho e voltar a procurar por Catarina, que tinha bebido um tanto quanto além do que o recomendável quando eu a vi pela última vez e por quem eu tenho responsabilidade. Eu pretendia fazer isso, mas ao caminhar apenas alguns poucos metros, notei que alguns homens visivelmente embriagados caminhavam na direção da garota insuportável e aquilo foi suficiente para me deixar apreensivo de uma maneira desconcertante.Eu não tenho que me preocupar com aquela garota, mas foi impossível continuar a andar sem ter certeza de que aqueles indivíduos iriam seguir o seu caminho sem incomodá-la. Acabei diminuindo completamente a velocidade dos meus passos apenas para confirmar que eles realmente não iriam notar a presença da garota solitária sentada à beira mar.— Olha o que temos diante de nós, meus amigos — um deles falou alto o suficiente para que eu conseguisse ouvir — Uma gata dessas sozinha aqui. Deve estar perdida…— Ou está apenas esperando que alguém a e
LizandraToda a adrenalina pelos últimos acontecimentos deve ter interferido em meu emocional e mesmo ciente de que eu estava chorando copiosamente na frente de um completo estranho, eu não consegui evitar.Ao ouvir a sua oferta, no entanto, decidi pôr um basta na minha fraqueza e sequei o meu rosto, ou ao menos tentei fazer isso de alguma forma, mas sabia que deveria estar totalmente descabelada, mas isso realmente não tem importância alguma para mim. Aquela noite estava sendo longa demais e eu cheguei ao meu limite. Então, quando aquele estranho se ofereceu para me acompanhar até um local mais seguro, eu simplesmente aceitei. O fato dele não ter dito que iria me acompanhar até em casa me fez sentir mais tranquila, mesmo que pudesse ser uma grande idiotice da minha parte, pois sei que não deveria confiar em alguém que acabei de encontrar na praia e que com toda certeza é um turista, alguém que está apenas de passagem por Gostoso e pode muito bem se aproveitar da situação, afinal, n
HeitorDepois que deixei a garota em um local bastante movimentado, voltei apressado para o hotel, que ficava a apenas alguns minutos de distância. Estava me sentindo culpado pelo tempo que acabei perdendo por estar com a garota na praia. Para o meu alívio, logo cheguei já encontrei com a Heloísa, que veio ao meu encontro de maneira afobada.— Onde você estava? — perguntou ansiosa — Eu já estava ficando preocupada.— Você conseguiu encontrar Catarina? — perguntei, fugindo da pergunta comprometedora.— Catarina está bem, não se preocupe — contou — Bernardo a encontrou na praia.Algo naquela informação me deixou um pouco incomodado e isso com certeza tem haver com aquilo que a garota insinuou na durante nosso estranho encontro.— E como Bernardo soube que estávamos à procura de Catarina? Ele não estava aqui quando saí… — Eu liguei para o Bernardo e pedi a sua ajuda para localizar a Catarina — Heloísa explicou — Ela parecia bem normal, para falar a verdade. Ainda assim, eu a acompanhei
LizandraEu mal consegui pregar os olhos a noite toda e não poderia realmente dizer que acordei. Em consequência da péssima noite rolando na cama e derramando rios de lágrimas, na manhã seguinte eu me senti horrível. Parecia que um trator tinha passado por cima do meu corpo, me deixando totalmente dolorida. E ainda sem falar na cara inchada e nos olhos vermelhos.Levantei sem ânimo, pensando como faria para enfrentar mais um dia de trabalho na pousada da minha tia depois de tudo o que aconteceu ontem. Não havia outra opção, ao menos não no momento. Mas eu pretendia conversar com Lucrécia logo que as coisas acalmassem e tentar provar a minha inocência e que o dinheiro que estava guardado debaixo do meu colchão é fruto das minhas economias de anos. Depois de tomar um banho demorado e chorar mais um pouco no banheiro, eu decidi ser forte e enfrentar tudo o que aconteceu de cabeça erguida. Chega de chorar! Nada se resolve com lágrimas e eu já tinha derramado muitas desde a hora que entre
LizandraChegamos ao Rio de Janeiro naquele mesmo dia à noite, algo que me deixou realmente surpresa com a facilidade encontrada pelo dinheiro e o apartamento do Luciano dizia que ele realmente possuía uma condição financeira privilegiada, pois apenas em ver o edifício extremamente luxuoso já ficou claro para mim que ao menos em relação a esse assunto ele tinha falado a verdade.— Eu pensei em te hospedar no meu apartamento, pois imagino que você não tenha condições de se manter até que comece a trabalhar — ele disse ao entrarmos na sala de estar decorada em tons de marrom — E espero que se sinta em casa aqui.Dizer para eu me sentir em casa era no mínimo gentil da parte dele, mas completamente impossível para mim, quando eu estava temerosa até mesmo de tocar em qualquer coisa e por um descuido qualquer acabar derrubando algum daqueles objetos valiosos.— Obrigada, Luciano. Não soube nada mais para dizer em agradecimento a tudo o que o Luciano estava fazendo e já tinha repetido aquel
LizandraForam necessários alguns segundos para que eu conseguisse me reconhecer na garota completamente nua e olhando para a tela com expressão de extremo cansaço. E esse foi o pior momento de toda a minha vida. Pior que a traição da minha prima e a acusação falsa de roubo que tia Lucrécia, a mulher que me criou durante anos, fez contra mim.— Mas… — comecei a falar com dificuldade, sentindo um grande bolo na garganta que engoli com grande dificuldade, para só então gritar horrorizada — O que é isso!? Eu estava gritando como nunca antes eu tinha feito, pois aquilo é completamente invasivo e indigno e eu jamais poderia aceitar tamanha falta de caráter do responsável por aquele… crime. — Não é o que você está pensando, minha querida — O outro homem começou a dizer, tentando me segurar pelo braço e me tirar do quarto.Percebi que enquanto ele me puxava para fora, Luciano desligava o aparelho de TV de maneira desajeitada, e só então eu entendi a gravidade da situação em que me coloquei
HeitorDesliguei o telefone com uma sensação estranha e incomum de ansiedade e acredito que o meu semblante tenha me denunciado, pois o motorista olhou para mim com ar inquisitivo através do espelho retrovisor. Provavelmente percebeu que eu estava falando com o meu avô e suas palavras confirmaram que eu estava certo.— Algum problema com o senhor Vicente? — perguntou em tom preocupado.Respirei profundamente.— Infelizmente, sim — concordei sem pensar, e logo expliquei melhor a situação ao ver a expressão aflita do Lúcio — Na verdade, o vovô está envolvido, mas não aconteceu nada com ele em si.A expressão do Lúcio m
LizandraEu realmente não estou conseguindo entender como as coisas poderiam ter desandado daquela maneira em tão pouco tempo e agora eu estava hospitalizada em um lugar que eu não tenho a menor ideia de como vou fazer para pagar, sem dinheiro, sem mala, sem família e claro, não posso esquecer que sem namorado. É incrível como a traição do Samuel se tornou o menor dos meus problemas.Eu já estava prevendo o meu destino, que pelo andar da carruagem eu seria em breve mais uma moradora de rua, sem ter a quem recorrer. Talvez, se eu entrar em contato com a tia Lucrécia ela já esteja mais calma e até mesmo tenha entendido que eu jamais seria capaz de roubá-la e até me peça perdão pelas acusações injustas. Ou talvez não.