Heitor
Eu deveria apenas seguir meu caminho e voltar a procurar por Catarina, que tinha bebido um tanto quanto além do que o recomendável quando eu a vi pela última vez e por quem eu tenho responsabilidade. Eu pretendia fazer isso, mas ao caminhar apenas alguns poucos metros, notei que alguns homens visivelmente embriagados caminhavam na direção da garota insuportável e aquilo foi suficiente para me deixar apreensivo de uma maneira desconcertante.
Eu não tenho que me preocupar com aquela garota, mas foi impossível continuar a andar sem ter certeza de que aqueles indivíduos iriam seguir o seu caminho sem incomodá-la. Acabei diminuindo completamente a velocidade dos meus passos apenas para confirmar que eles realmente não iriam notar a presença da garota solitária sentada à beira mar.
— Olha o que temos diante de nós, meus amigos — um deles falou alto o suficiente para que eu conseguisse ouvir — Uma gata dessas sozinha aqui. Deve estar perdida…
— Ou está apenas esperando que alguém a encontre — Um outro sugeriu — Acho que hoje é o seu dia de sorte, gata.
Não precisei ver o que estava acontecendo para entender claramente aonde aquilo iria chegar e eu tinha certeza de que nada de bom resultaria daquela situação. Decidi voltar e ir até a garota, antes que algo de ruim acontecesse a ela.
— O gato comeu sua língua, bebê? Estamos falando com você!
— Não tenho nada para falar com nenhum de vocês! — a garota falou de maneira bastante corajosa — Será que uma garota não pode ter seu momento sozinha, que logo aparece um monte de… ah! Esquece!
A essa altura, eu já estava caminhando até onde estavam a garota e os idiotas que a cercavam, constatando que realmente a cena não era das mais animadoras. Ela tinha optado mais uma vez por ficar de pé e depois de gritar com eles e olhar para os quatro homens com nítido desprezo, sem mais demora ela saiu caminhando.
A sua afronta me fez suspirar de alívio, afinal, não tinha acontecido nada de mais grave, até que vejo um deles se aproximando dela mais uma vez e a impedindo de seguir em frente ao segurá-la grosseiramente pelo braço.
— Larga ela agora! — falei com autoridade, ao chegar próximo ao grupo.
Todos olharam na minha direção e estava claro que os homens não tinham gostado nenhum pouco de eu ter interrompido o momento, seja lá o que eles pretendiam fazer com a garota.
— E por que eu iria te atender ? — O homem que estava segurando a garota perguntou com afronta.
— É, porque o meu brother iria te atender? — O outro se intromete.
— Eu, no lugar de vocês, iria embora agora, antes que eu chame a polícia e vocês acabem esse réveillon atrás das grades.
O homem não tinha largado o braço da garota e ela agora parecia estar aterrorizada, o que é totalmente compreensível diante das circunstâncias. Mas vê-la tão assustada daquela forma me deixou bastante irritado. Esperava não ter que levar aquilo até às últimas consequências, porém eu jamais poderia deixar a garota à sua própria sorte agora.
— E por que iríamos temer a polícia? Não estamos fazendo nada de errado.
Eles eram quatro e eu não poderia lutar com todos eles e sair ileso. Só poderia colocar em risco a minha integridade e talvez a da garota. Sendo assim, apanhei o meu celular no bolso e fingi que estava discando um número no aparelho e logo em seguida, falei claro o suficiente para que eles entendessem que eu não estava blefando.
— Olá, eu tenho uma denuncia a fazer e antes de qualquer coisa, quero dizer que eu e minha namorada estamos neste momento sendo ameaçados por quarto indivíduos e correndo risco de morte — falei rápido e com clareza — Precisamos urgentemente de ajuda.
As minhas palavras parecem ter causado o impacto desejado, pois o idiota que estava prendendo o braço da garota a soltou de imediato.
— Está ficando louco!? — Ao menos dois deles falaram ao mesmo tempo.
— Em momento algum ameaçamos ninguém aqui!
Eu dei a entender que estava sendo questionado pelo policial sobre a nossa localização, olhei em torno e vi um ótimo ponto de referência.
— Estamos nas proximidades do hotel Season Summer, descendo para a praia — comecei a explicar.
— Vamos logo embora daqui! Esse cara tá louco! — Disse um deles, aquele que esteve o tempo todo apenas acompanhando o que acontecia, mas sem se envolver realmente.
Antes mesmo que eu pudesse descrever melhor o local para a suposta pessoa do outro lado da ligação e como se tivessem combinado, os quatro homens começaram a caminhar apressados e logo estavam correndo em direção a parte da orla onde estavam concentradas a maioria das pessoas, diferente daquela área deserta.
Mesmo a distância foi possível ver que eles se misturavam às outras pessoas, provavelmente na tentativa de passar despercebidos e não serem facilmente encontrados, caso a polícia realmente viesse.
— Você está bem? — perguntei para a garota à minha frente.
Era visível que ela estava nervosa e provavelmente ainda um pouco chocada com a situação em que acabou se envolvendo naquela noite. Agora a encarando com total atenção, constatei mais uma vez o quanto ela é linda e que, por algum estranho motivo, ela estava me deixando balançado, algo completamente sem sentido.
— Eu… — começou a dizer, passando a língua sobre os lábios e fazendo o meu coração acelerar de maneira idiota — … te devo um pedido de desculpas.
— Você não me deve nada — falei, desejando ir embora o mais rápido possível — Fiz apenas o que qualquer homem decente faria. Agora, sugiro que volte para onde estão as outras pessoas, pois já entendeu que é perigoso ficar aqui sozinha.
Imaginei que ao ouvir o que eu falei, a garota iria dizer apenas concordar e ir embora, mas para o meu total espanto, ela começou a chorar de maneira copiosa, seu corpo todo tremendo convulsivamente. Bem, se antes de me aproximar dela eu já tinha acreditado que ela estava chorando, agora eu tive certeza absoluta de que eu estava certo sobre a minha suposição.
Eu já estava me sentindo estranho diante daquela garota e agora eu me senti completamente abalado pelo sofrimento evidente em seu pranto.
— Não precisa ficar assim — tentei dizer algo coerente — Nada de ruim aconteceu e aqueles idiotas já foram embora.
— Eu sinto muito… pela forma… como te tratei — disse ela entre um soluço e outro — Você… não mereceu.
— Vamos esquecer isso, OK!? — sugeri, colocando as mãos para o alto em rendição — Eu não vou guardar nenhuma mágoa. Tá bom assim?
Ela balançou a cabeça como se estivesse concordando com as minhas palavras, mas continuou a derramar o seu pranto extremamente doloroso e aquilo estava acabando comigo. Eu precisava ir embora. Mas não poderia deixá-la ali de maneira alguma.
— Onde estão os seus acompanhantes?
A minha pergunta parece ter aberto alguma comporta, pois o pranto se tornou ainda maior e era visível que ela estava sofrendo.
— Eu estou sozinha…
A maneira como ela disse isso me desarmou por completo e me fez desejar abraçá-la e confortar o seu sofrimento, mas aquilo seria totalmente inapropriado.
Ela estava usando um vestido simples e em seu rosto não havia nenhum tipo de maquiagem, o que me fez pensar que aquilo poderia indicar duas coisas: ou que ela é alguém sem muita vaidade, ou não é uma turista, assim como eu sou. Mas caso ela tivesse vindo para Gostoso apenas para o Réveillon, com certeza ela deveria ter vindo acompanhada, pela família, amigos ou talvez… um namorado?
Pensar nessa possibilidade não foi nada agradável e eu tentei espantar mais um pensamento inoportuno.
— Vamos, eu te acompanho até um local menos deserto e mais seguro.
LizandraToda a adrenalina pelos últimos acontecimentos deve ter interferido em meu emocional e mesmo ciente de que eu estava chorando copiosamente na frente de um completo estranho, eu não consegui evitar.Ao ouvir a sua oferta, no entanto, decidi pôr um basta na minha fraqueza e sequei o meu rosto, ou ao menos tentei fazer isso de alguma forma, mas sabia que deveria estar totalmente descabelada, mas isso realmente não tem importância alguma para mim. Aquela noite estava sendo longa demais e eu cheguei ao meu limite. Então, quando aquele estranho se ofereceu para me acompanhar até um local mais seguro, eu simplesmente aceitei. O fato dele não ter dito que iria me acompanhar até em casa me fez sentir mais tranquila, mesmo que pudesse ser uma grande idiotice da minha parte, pois sei que não deveria confiar em alguém que acabei de encontrar na praia e que com toda certeza é um turista, alguém que está apenas de passagem por Gostoso e pode muito bem se aproveitar da situação, afinal, n
HeitorDepois que deixei a garota em um local bastante movimentado, voltei apressado para o hotel, que ficava a apenas alguns minutos de distância. Estava me sentindo culpado pelo tempo que acabei perdendo por estar com a garota na praia. Para o meu alívio, logo cheguei já encontrei com a Heloísa, que veio ao meu encontro de maneira afobada.— Onde você estava? — perguntou ansiosa — Eu já estava ficando preocupada.— Você conseguiu encontrar Catarina? — perguntei, fugindo da pergunta comprometedora.— Catarina está bem, não se preocupe — contou — Bernardo a encontrou na praia.Algo naquela informação me deixou um pouco incomodado e isso com certeza tem haver com aquilo que a garota insinuou na durante nosso estranho encontro.— E como Bernardo soube que estávamos à procura de Catarina? Ele não estava aqui quando saí… — Eu liguei para o Bernardo e pedi a sua ajuda para localizar a Catarina — Heloísa explicou — Ela parecia bem normal, para falar a verdade. Ainda assim, eu a acompanhei
LizandraEu mal consegui pregar os olhos a noite toda e não poderia realmente dizer que acordei. Em consequência da péssima noite rolando na cama e derramando rios de lágrimas, na manhã seguinte eu me senti horrível. Parecia que um trator tinha passado por cima do meu corpo, me deixando totalmente dolorida. E ainda sem falar na cara inchada e nos olhos vermelhos.Levantei sem ânimo, pensando como faria para enfrentar mais um dia de trabalho na pousada da minha tia depois de tudo o que aconteceu ontem. Não havia outra opção, ao menos não no momento. Mas eu pretendia conversar com Lucrécia logo que as coisas acalmassem e tentar provar a minha inocência e que o dinheiro que estava guardado debaixo do meu colchão é fruto das minhas economias de anos. Depois de tomar um banho demorado e chorar mais um pouco no banheiro, eu decidi ser forte e enfrentar tudo o que aconteceu de cabeça erguida. Chega de chorar! Nada se resolve com lágrimas e eu já tinha derramado muitas desde a hora que entre
LizandraChegamos ao Rio de Janeiro naquele mesmo dia à noite, algo que me deixou realmente surpresa com a facilidade encontrada pelo dinheiro e o apartamento do Luciano dizia que ele realmente possuía uma condição financeira privilegiada, pois apenas em ver o edifício extremamente luxuoso já ficou claro para mim que ao menos em relação a esse assunto ele tinha falado a verdade.— Eu pensei em te hospedar no meu apartamento, pois imagino que você não tenha condições de se manter até que comece a trabalhar — ele disse ao entrarmos na sala de estar decorada em tons de marrom — E espero que se sinta em casa aqui.Dizer para eu me sentir em casa era no mínimo gentil da parte dele, mas completamente impossível para mim, quando eu estava temerosa até mesmo de tocar em qualquer coisa e por um descuido qualquer acabar derrubando algum daqueles objetos valiosos.— Obrigada, Luciano. Não soube nada mais para dizer em agradecimento a tudo o que o Luciano estava fazendo e já tinha repetido aquel
LizandraForam necessários alguns segundos para que eu conseguisse me reconhecer na garota completamente nua e olhando para a tela com expressão de extremo cansaço. E esse foi o pior momento de toda a minha vida. Pior que a traição da minha prima e a acusação falsa de roubo que tia Lucrécia, a mulher que me criou durante anos, fez contra mim.— Mas… — comecei a falar com dificuldade, sentindo um grande bolo na garganta que engoli com grande dificuldade, para só então gritar horrorizada — O que é isso!? Eu estava gritando como nunca antes eu tinha feito, pois aquilo é completamente invasivo e indigno e eu jamais poderia aceitar tamanha falta de caráter do responsável por aquele… crime. — Não é o que você está pensando, minha querida — O outro homem começou a dizer, tentando me segurar pelo braço e me tirar do quarto.Percebi que enquanto ele me puxava para fora, Luciano desligava o aparelho de TV de maneira desajeitada, e só então eu entendi a gravidade da situação em que me coloquei
HeitorDesliguei o telefone com uma sensação estranha e incomum de ansiedade e acredito que o meu semblante tenha me denunciado, pois o motorista olhou para mim com ar inquisitivo através do espelho retrovisor. Provavelmente percebeu que eu estava falando com o meu avô e suas palavras confirmaram que eu estava certo.— Algum problema com o senhor Vicente? — perguntou em tom preocupado.Respirei profundamente.— Infelizmente, sim — concordei sem pensar, e logo expliquei melhor a situação ao ver a expressão aflita do Lúcio — Na verdade, o vovô está envolvido, mas não aconteceu nada com ele em si.A expressão do Lúcio m
LizandraEu realmente não estou conseguindo entender como as coisas poderiam ter desandado daquela maneira em tão pouco tempo e agora eu estava hospitalizada em um lugar que eu não tenho a menor ideia de como vou fazer para pagar, sem dinheiro, sem mala, sem família e claro, não posso esquecer que sem namorado. É incrível como a traição do Samuel se tornou o menor dos meus problemas.Eu já estava prevendo o meu destino, que pelo andar da carruagem eu seria em breve mais uma moradora de rua, sem ter a quem recorrer. Talvez, se eu entrar em contato com a tia Lucrécia ela já esteja mais calma e até mesmo tenha entendido que eu jamais seria capaz de roubá-la e até me peça perdão pelas acusações injustas. Ou talvez não.
HeitorContive um bocejo inoportuno e tentei me concentrar na peça teatral a qual assistia naquele momento, que eu nem mesmo poderia afirmar do que se tratava realmente, visto que não consegui prestar atenção a nada do que estava acontecendo no palco.Ao meu lado estava Catarina totalmente absorta nos atores e parecendo realmente satisfeita com o desenrolar das cenas diante dos seus olhos, algo que não me surpreende de maneira alguma.Nós namoramos já há dois anos e eu já sabia do amor que ela sente pelo teatro e como ela realmente gosta daquele tipo de entretenimento e apenas por esse motivo eu a acompanhava sempre, afinal, somos parceiros e em algum momento precisamos abdicar do nosso próprio gosto em detrimento do outro. Ela também não go