Falsas Acusações

Lizandra

Toda a adrenalina pelos últimos acontecimentos deve ter interferido em meu emocional e mesmo ciente de que eu estava chorando copiosamente na frente de um completo estranho, eu não consegui evitar.

Ao ouvir a sua oferta, no entanto, decidi pôr um basta na minha fraqueza e sequei o meu rosto, ou ao menos tentei fazer isso de alguma forma, mas sabia que deveria estar totalmente descabelada, mas isso realmente não tem importância alguma para mim. Aquela noite estava sendo longa demais e eu cheguei ao meu limite. Então, quando aquele estranho se ofereceu para me acompanhar até um local mais seguro, eu simplesmente aceitei. 

O fato  dele não ter dito que iria me acompanhar até em casa me fez sentir mais tranquila, mesmo que pudesse ser uma grande idiotice da minha parte, pois sei que não deveria confiar em alguém que acabei de encontrar na praia e que com toda certeza é um turista, alguém que está apenas de passagem por Gostoso e pode muito bem se aproveitar da situação, afinal, neste momento eu sou uma presa muito fácil.

Caminhamos então em silêncio pela orla da praia e apesar de a aglomeração de pessoas ser visível de onde estávamos, isso não quer dizer que não seja distante. No mínimo dez minutos de caminhada rápida.

— Eu não sei o que aconteceu com você hoje — o estranho começou a dizer — mas digo com total convicção que não é o fim do mundo e amanhã, quando você acordar, tudo vai estar diferente.

Eu entendi que o homem tinha boas intenções e eu até mesmo concordei com ele. Ainda assim, permaneci em silêncio, caminhando ao seu lado, mas sem olhar em momento algum em sua direção. 

Quando chegamos próximo ao local onde começava a aglomeração de pessoas visivelmente animadas e felizes, comemorando a virada do ano, eu decidi que a partir daquele ponto eu poderia ir sozinha. Eu não gostava de estar no meio das pessoas naquele momento, mas estava claro que a minha segurança dependia do fluxo de pessoas de quem eu estava próxima. 

— Obrigada por me acompanhar — falei para o estranha ao parar ao seu lado — Espero que encontre a sua namorada e que fiquem bem. 

— Em outras palavras, que ela não esteja me traindo com o meu primo… ou talvez o meu melhor amigo? — sugeriu com nítida ironia, em referência ao que eu havia dito anteriormente.

— Isso mesmo — confirmei com um sorriso constrangido — Espero que ela não esteja te traindo com ninguém.

— Feliz Ano Novo… — ele disse um sorriso cínico.

— Feliz Ano Novo.

Ainda sorrindo cinicamente, ele fez um gesto de despedida e seguiu o seu caminho. Foi impossível evitar de acompanhá-lo por todo o tempo até perdê-lo de vista, o coração disparado no peito de uma maneira bastante incômoda, tendo em vista que aquele homem é apenas um estranho e que tudo indica que nunca mais irei vê-lo. Na verdade, talvez seja exatamente isso o que mais está me incomodando, o fato de que eu não irei vê-lo novamente.

Olhei em torno e fiz uma breve oração para que não aconteça mais nada desagradável naquela noite e comecei a caminhada para casa pelo caminho mais movimentado, onde eu tinha certeza de que encontraria com várias pessoas por todo o percurso, mesmo querendo evitar a maioria delas e agradeci quando entrei no meu quarto em segurança e sem mais percalços.

Já passava das duas horas da manhã quando deitei na minha cama e de uma maneira louca e absurda, o que tirou o sono não foi a traição do Samuel ou o fato dele está desfilando pela cidade com Juliana, a minha prima e melhor amiga. O que não me deixou dormir direito e invadiu até mesmo os meus sonhos foi um par de olhos negros como a noite e um sorriso cínico.

Quando acordei na manhã seguinte, apesar de ser feriado, eu me vesti para trabalhar como em qualquer outro dia, pois aquele costumava ser um dia bastante movimentado na pousada e a minha tia contava com a minha ajuda. Ela tinha deixado isso bastante claro todos esses anos.

Tomei café da manhã sozinha, minha tia e a Juliana deveriam estar dormindo, mas agradeci por isso, afinal, não estava ainda preparada para encontrar a minha prima depois do que aconteceu na noite anterior. Faria o meu trabalho como sempre fiz.

Durante a manhã de trabalho árduo e intenso, fiquei sabendo pelos outros funcionários da pousada que a minha tia tinha tirado o dia de folga para aproveitar o feriado e estava hospedada no hotel mais luxuoso de Gostoso e que além de Juliana, também estava com ela o noivo da sua filha, o Samuel.  

Como se não bastasse o que tinha acontecido ontem e para a minha humilhação ser ainda maior, todos estavam comentando sobre isso e o fato de que eu estava presente não foi impedimento para tal atitude dos outros funcionários da minha tia, algo que eu realmente não esperava deles. Era mais uma decepção para a conta do novo ano.

Tinha acabado de encerrar o meu expediente, passava das nove horas da noite,  quando ouvi uma voz dizer de maneira animada:

— Boa noite, Lily!

Revirei os olhos de descontentamento ao ouvir a voz do Luciano Monteiro logo atrás de mim e foi com bastante força de vontade eu levantei a cabeça e olhei em sua direção, que agora já caminhava ao meu lado.

— Boa noite, senhor Monteiro.

— Eu não a vi hoje — ele comentou com interesse — Imagino que estava de folga.

Talvez eu estivesse evitando algumas pessoas, eu

respondi em pensamento, mas em voz alta disse algo totalmente distinto.

— Eu passei o dia bastante ocupada.

— Se divertindo? — ele insistiu em colher mais informações.

— Um pouco — menti.

— A minha proposta de te levar para o Rio de Janeiro e investir em sua carreira de modelo ainda está de pé — Voltou ao assunto de sempre — Eu posso te mostrar o meu portfólio como agente de algumas modelos renomadas e garanto que você iria gostar muito da vida em uma grande capital.

— Imagino que sim.

Eu continuei a caminhar em direção a casa de minha tia e Luciano, que é um homem bastante persistente, continuou com o seu discurso sobre as facilidades e benefícios de aceitar a sua proposta durante todo o caminho até a pousada e quando paramos em frente ao local, eu cheguei a suspirar de tamanho contentamento por poder finalmente me livrar daquele homem chato e insistente.

— Eu preciso ir — falei rapidamente — Até amanhã, senhor.

—  Não esquece da minha proposta — repetiu — Deveria pensar nisso com carinho.

— Sim, claro. 

Caminhei apressada para a casa da minha tia e agradeci aos céus por ela não estar na sala de estar vendo TV, como costumava fazer todas as noites. Tampouco encontrei com Juliana, o que me deixou mais leve.

Segui pelo corredor até o meu quarto e entrei de maneira intempestiva no cômodo, imaginando que estaria sozinha naquele ambiente, mas logo me deparo com a minha tia mexendo em algo por baixo do meu colchão.

— O que a senhora está fazendo? — praticamente gritei horrorizada.

Lucrécia apenas me olhou de relance e terminou seja lá o que ela estivesse fazendo para só então se virar de frente para mim, segurando uma bolsa pequena e conhecida.

— Aham! Aqui está! — falou de maneira vitoriosa — A Juliana tinha razão.

— O que a senhora quer com a minha bolsa? — perguntei sem entender.

Ela não se importou em responder a minha pergunta,, parece nem mesmo ter ouvido o que falei, tão concentrada Lucrécia estava em abrir o zíper da bolsa e retirar de dentro um várias cédulas de cem reais.

— Não tem vergonha de roubar a sua própria tia, Lily? A mulher que te criou como uma mãe por todos esses anos?

— O que a senhora está dizendo? Esse dinheiro é meu, tia — eu perguntei mais uma vez, agora realmente preocupada com o que ela estava fazendo.

— Seu? Como pode ter tanto dinheiro assim? — Lucrécia perguntou com fúria na voz — Juliana me contou tudo, não adianta tentar me enganar Lizandra.

— Juliana contou? Mas… eu não estou entendendo nada do que está dizendo — apontei atordoada — Só preciso que me devolva o dinheiro, tia. É meu, eu consegui com o meu trabalho.

— Mentirosa! Esse dinheiro você vem roubando da pousada há meses — Lucrécia acusou com o dedo em riste, praticamente tocando em meu nariz — Juliana contou que viu você retirando dinheiro do caixa várias vezes.

— Eu não fiz isso! Eu juro!

— Eu não acredito em você. Esse dinheiro é da pousada e está voltando agora mesmo para as mãos de quem realmente pertence.

De maneira incrédula e indignada vi a minha tia sair do quarto levando consigo todas as minhas economias e ainda alegando que pertencia a ela. Eu deveria lutar mais, brigar e espernear, mas eu não consegui nem mesmo conter o fluxo de lágrimas que desciam pelos meus olhos como uma forte correnteza que ninguém conseguiria impedir de fluir.

— O dinheiro é meu! Meu! — Gritei histérica — Consegui com suor e lágrimas! 

Mas Lucrécia não deveria estar ouvindo nada mais do que eu estava dizendo e eu apenas me conformei com mais uma traição naquela noite. Parece que não há nada ruim que não possa piorar e eu estava sendo testemunha de que isso é totalmente verdade.

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