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O Jantar Desastroso

Os dias passaram rápido, o ponto auge do meu domingo foi acordar ao lado de Bernardo e passar o resto do dia com ele. Na segunda-feira trabalhei pela manhã e durante a tarde troquei mensagens com meu mais novo namorado enquanto fazia os trabalhos da faculdade, anoite aula e mais mensagens, terça e quarta-feira tudo se repetiu, mas ao invés da aula o tal jantar. Pedi para Bernardo passar em minha casa um pouco mais cedo para conhecer meus pais antes de ir ao restaurante, ele chegou com um blazer preto, camisa branca de botões e uma calça caqui, nas mãos mais um girassol, eu poderia me acostumar com isso.

Foi impressionante como eles se deram bem, ele e meu pai pareciam amigos de longa data e me senti satisfeita com minha mãe dizendo o quanto ele era “bonitão”. Fomos para o restaurante de um hotel 5 estrelas que possui salas reservadas para reuniões como essa, meus pais em um carro e eu com Bernardo, nos sentamos e aguardamos os demais convidados ainda com meu pai puxando assunto com o Be toda hora. A cara de surpresa do Yago foi impagável ao ver que a cadeira ao meu lado era ocupada por aquele cara que ele chamou de merdinha.

O jantar se estendeu pela noite, já estávamos tomando whisky havia um tempo – minha mãe na champanhe – e a conversa era alta, mas o olhar de Yago era firme em mim mesmo quando o colega de trabalho dele tentava incluí-lo no assunto. De repente ele tomou a palavra interrompendo o senhor ao seu lado se dirigindo diretamente a Bernardo, eu pude sentir o veneno em suas palavras.

– Como vai o seu pai, Bernardo? – seu olhar era fuzilante.

Vi meu namorado perder a cor. Ele nunca falava do pai dele, em todo esse tempo que nos conhecíamos nunca o mencionou a não ser quando me levou naquele sítio, eu também não havia perguntado, eu sabia que eram só Be, a mãe e um irmão mais novo que moravam em uma cidadezinha menor nas redondezas, eu cogitava que o pai tinha morrido não muito recente ou que os pais se separaram há um tempo, mas aparentemente não era isso e Yago sabia. Como não teve resposta, Yago continuou, dessa vez falando para meu pai.

– Sabe, sr. Teixeira, o pai do Bernardo aqui tinha negócios muito prósperos na fronteira.

Até o sorriso simpático da minha mãe havia sumido, de tão ásperas as palavras do Yago ficava claro que não era algo bom. Bernardo continuava mudo, a boca entreaberta como se tentasse se lembrar de como falar, isso apenas incentivou um sorriso maldoso nos lábios do babaca que falava.

– Você também não deve conhecer o ramo de atuação do teu sogro não é Camilinha? – ele me provocou sabendo o quanto eu odiava ser chamada assim.

– Do que você ta falando? – rebati.

– Teu namoradinho não contou a história dele? – ele fingiu uma cara de surpresa que fez meu rosto queimar de raiva – sabe que até alguns anos atrás nosso amigo aqui era pobre. – ele recostou na cadeira apreciando o momento.

– Ora, isso não é problema – meu pai tentou falar – eu também comecei de baixo...

– Não, não. O problema é como ele deixou de ser pobre pra estar com camionete, sítio, gado, apartamento...

– Você não sabe o que tá falando, cara. – Bernardo resmungou entre dentes.

– Não sei? Será que eu não sei que há dois anos o teu pai foi preso por tráfico de menores? Que ele ganhou rios de dinheiro vendendo crianças para a adoção?

– Cala a sua boca. – Bernardo ameaçou.

– Não foi assim que você arrumou toda essa grana que você ostenta?

– Eu mandei você calar a boca! – Bernardo se levantou derrubando a cadeira.

Naquele instante estávamos todos em choque, eu, meus pais e o outro homem na mesa conosco, exceto Yago que parecia muito satisfeito com a situação e o próprio Bernardo com uma cara que eu não sabia dizer se era assombro, raiva ou o quê. Ele olhou para mim por alguns segundos com lágrimas visíveis no canto dos olhos, as minhas já lavavam meu rosto borrando a maquiagem, antes que eu pudesse falar algo Bernardo saiu da sala me deixando completamente atônita. Eu não entendia nada do que se passou e nem o que acontecia ao meu redor, eu pude perceber que minha mãe falava comigo, mas o som era turvo e longínquo bem como seu rosto. Quando caí em mim, levantei me desvencilhando de seu abraço e disse:

– Eu vou atrás dele. – minha voz saiu rouca e eu já estava me levantando.

– Camilla, – Yago segurou meu braço – fiz isso pro teu bem. – me soltei sem nem olhar para ele.

Atravessei o salão do restaurante completamente cega pelas lágrimas, eu nem sabia explicar pelo que eu chorava. Não sei se Yago estava falando a verdade sobre o pai de Bernardo e se tivesse eu gostaria que ele me contasse? Isso não é o tipo de coisa que se conta assim para alguém. A única certeza que eu tinha era de que Bernardo não merecia ser exposto daquela maneira e a última coisa que Yago almejava era o meu bem. Eu precisava ver como Be estava, independente da história ser verdadeira ou não ele merecia ao menos a chance de falar com as próprias palavras.

Já na calçada senti uma mão gentil em meu ombro, era Débora, ela trabalhava naquele restaurante.

– Cami, o que aconteceu? – ela perguntou preocupada.

– O Bernardo, você viu pra onde ele foi?

– Ele entrou no carro e saiu. Tá tudo bem? Vocês brigaram?

– Não, não foi isso. Eu preciso ir atrás dele.

– Olha, meu turno já acabou e eu to de carro, eu posso levar você lá.

Concordei e entramos no carro dela que não estava longe, ela saiu na direção em que viu ele ir enquanto eu tentava ligar para ele, só então me lembrei que ele havia se mudado e que eu não tinha o novo endereço. Bernardo não atendia o telefone, eu não tinha como localiza-lo.

– Faz o seguinte, eu vou levar você para a minha casa, você se acalma e tenta falar com ele, quando conseguir eu te levo onde ele estiver. – Débora sugeriu.

– Pode ser. – respondi ouvindo mais uma vez a ligação cair na caixa postal – Obrigada Débora.

Chegamos à casa dela e eu já havia mandado algumas mensagens para Bernardo pedindo para ele me ligar além de deixar recados na sua caixa postal, Débora me levou para a cozinha e me ofereceu um chá que aceitei de imediato. Ela colocou a água para ferver e ouviu paciente o acontecido, sem que eu notasse ela também mandou mensagem para o Jonas que não demorou pra chegar na casa dela e ficou horrorizado com o que Yago fez, garantindo que tiraria satisfação com ele. Eu me sentia muito grata aos dois.

Jonas me encarava com seus olhos azuis enquanto eu tomava um longo gole do chá de erva doce, só então reparei como seus cabelos castanhos estavam completamente bagunçados e ele vestia apenas o calção que ele usava de pijama, ele com certeza estava pronto para dormir quando Débora o chamou, como o ótimo amigo que era não hesitou em vir me apoiar. Ele era incrível e por um momento esqueci a situação para agradecer por Débora estar na vida dele, ela parecia uma boa pessoa e eu realmente torcia para que dessem certo. E a realidade me puxou de volta quando meu telefone tocou com o nome de Bernardo piscando na tela.

– Be onde você ta? – atendi.

– Oi – a voz dele era baixa e era perceptível que havia chorado. – Me desculpa ter saído daquele jeito.

– Me diz onde você tá, eu vou te encontrar.

– Eu acho melhor não, eu preciso ficar sozinho agora. – e rapidamente acrescentou – Eu prometo que a gente conversa amanhã e eu te conto tudo o que quiser saber.

– Eu só quero saber se você tá bem – falei com a voz embargada de choro.

– Eu to em casa, eu vou dormir e amanhã estará tudo bem. Eu prometo que conversaremos amanhã – ele repetiu – se você quiser, é claro.

– Sim, a gente conversa amanhã. – confirmei.

– Dorme bem, meu amor.

-Você também... – dei um sorriso fraco e desliguei.

Olhei para Debora e Jonas que estavam esperando pelo desfecho.

– Ele tá em casa, quer ficar sozinho e conversar amanhã.

– Você faz bem em respeitar isso. – Débora falou – Não dá pra saber o que passa pela cabeça dele agora, deixa ele ter o tempo dele.

Eu assenti. Sabia que ela estava certa.

– Vem, eu te levo pra casa. – Jonas disse.

– Vamos. – fui até Debora e a abracei – Muito obrigada por me acolher e por chamar o Jonas. Eu não tenho como te agradecer.

– Fica tranquila, você faria o mesmo por mim.

Caminhei até o carro de Jonas e aguardei no banco do carona enquanto eles se despediam, vi eles darem um beijo fofo e ele lançar um olhar apaixonado para a menina. Ele caminhou até a porta e lançou um beijo no ar antes de entrar. Quando ele ligou o carro e saímos eu comentei:

– Vocês combinam.

– Eu também acho. – ele sorriu tímido.

– Gosto dela, e ela parece gostar de você.

– Eu também gosto dela, de verdade Cami. E o Bernardo, você gosta dele?

Balancei a cabeça afirmando e segurando uma nova onda de lágrimas.

– Relaxa, vai ficar tudo bem amanhã, ta bom?

– Tá. – sorri fraco limpando os olhos.

– Quer que eu entre com você? – ele ofereceu parando em frente de casa.

– Quero, por favor.

Abri o portão e entramos juntos pela porta da sala, meus pais aguardavam preocupados, ela no sofá aflita com as mãos entrelaçadas e ele em pé caminhando de um lado para o outro, ambos expressaram alívio ao me ver.

– E então filha, conseguiu falar com ele?

– Mais ou menos, mãe. – falei abraçando-a – Ele não quis me ver, nos falamos apenas por telefone.

– Aquele rapaz, o Yago. O que ele estava fazendo? Porque ele falou tudo aquilo? – meu pai perguntou.

– O Yago é meio estranho – foi a vez de Jonas falar – tem horas que eu não entendo qual é a dele.

– E o que ele falou é verdade? – minha mãe tinha a mesma dúvida que eu.

– Ainda não sei. – respondi cabisbaixa ao lado dela no sofá.

– Amanhã a Cami fala com ele e esclarece tudo. – Jonas ajudou. – Bom, eu vou pra casa dormir. Boa noite tio Carlos, tia Sarah...

– Boa noite, filho. – meu pai o acompanhou até a porta. – Obrigado por trazer a Cami e agradeça também a sua namorada.

– Pode deixar. Tchau Cami.

– Tchau.

– Vamos dormir – minha mãe falou – A noite foi agitada, você precisa descansar. Todos nós, aliás.

– A noite foi horrível, na verdade. Mas você tem razão, mãe. Eu to exausta.

– Não precisa ir para a emissora amanhã, filha. Fica em casa e deixa que eu aviso teu departamento. – meu pai me deu um beijo de boa noite antes de eu entrar pro quarto.

Entrei já fechando a porta e tirando minha sandália, tirei também meu vestido de paetê, entrei no banheiro para uma ducha rápida onde limpei o que restou da maquiagem borrada e deixei a água escorrer morna pelos meus ombros. Vesti um pijama confortável de cetim, me deitei na cama e fiquei encarando a foto que tirei com Bernardo no festival de sábado, ele insistiu que eu a usasse de plano de fundo o que eu concordei prontamente ao ver que aquele sorriso lindo ficaria estampado em meu celular. Impressionante como em menos de uma semana eu tinha iniciado um namoro e já estava com medo de perdê-lo de forma tão confusa e injusta, mas no fundo eu sabia que ele cumpriria a promessa de conversarmos amanhã aumentando as chances de resolvermos tudo. Respirei fundo desejando que aquela noite chegasse ao fim, não demorou até que eu adormeci.

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