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Brigadeiro e Mojito

Bernardo me apresentou sua família em um jantar íntimo em seu apartamento, seus pais foram adoráveis comigo e me senti acolhida com o jeito fraterno de serem. Guilhermina era uma mãe coruja, tratava os filhos com muito amor e estendeu esse carinho para mim ao fazer questão de preparar meu prato favorito – nhoque de batatas à bolonhesa – para aquela noite. Já Osvaldo evidenciava os dias de sofrimento na prisão e o cansaço dominava seu semblante, ainda assim aproveitou todo o tempo possível ao lado dos filhos, Bernardo e Fernando também se dedicaram a matar a saudade do pai.

Já faziam 3 semanas desde então e finalmente conseguiram um lugar seguro para Osvaldo se abrigar, eu não tinha detalhes desse lugar, todas as informações ficaram restritas a Bernardo e o pai. Eles viajaram juntos durante a madrugada de sexta-feira e no domingo de manhã eu busquei meu namorado no aeroporto já que o carro que usaram ficou com seu pai. Como de costume, Bernardo me aguardava com um buquê de girassóis nas mãos, mesmo que quem tivesse acabado de chegar fosse ele.

Ele foi comigo até minha casa, almoçamos com meus pais e como eles tinham um coquetel de negócios, ficamos sozinhos a tarde quase toda. Resolvemos maratonar os filmes de Harry Potter ou pelo menos começar, deitamos no sofá e colocamos o primeiro para assistir, ao fim do quarto filme resolvi fazer algo para comermos e Be me acompanhou até a cozinha, eu fiquei encarregada da pipoca enquanto ele fazia um brigadeiro.

– Meu brigadeiro é uma porcaria, sempre fica com bolinhas – comentei fazendo beicinho.

– Você tem que ficar mexendo sem parar e no fogo baixo – ele ensinou.

– Ah, mas no fogo baixo demora muito – sentei no balcão com o balde de pipocas – Eu não tenho paciência para isso.

– Mas com o fogo alto ele vai queimando as bordas e por isso cria essas bolinhas!

– Então ainda bem que eu tenho você para fazer brigadeiro para mim – falei colocando um punhado de pipoca na boca.

– Que abusada você é.

– É justo, eu faço o melhor mojito que você já tomou e você me retribui fazendo brigadeiro.

– Você é boa em fazer qualquer drink porque é quase uma alcóolatra – brincou.

– E por acaso você é quase uma formiga? Porque também é muito bom com doces.

– Pronto – disse desligando o fogo – Viu só? Nem demorou tanto assim.

– O que você não pode esquecer – puxei ele para perto – é que me conheceu em um bar, então não deveria ser surpresa o quanto eu bebo.

– Isso é verdade.

– Certo, então pare de reclamar.

– Não é uma reclamação, é apenas uma constatação. Você ficou boa em fazer as bebidas experimentando muitas delas.

– Não nego – falei rindo.

– E talvez, só talvez – ele disse bem próximo de mim – seu mojito seja um dos diversos motivos que eu tenho para amar você.

– Você me ama? – engoli em seco.

– Eu amo você, Cami.

Finalmente aquelas quatro palavras que eu tanto quis que ele repetisse. Meu coração parecia dar cambalhotas e eu abri o maior sorriso que meus lábios alcançaram, mesmo que eu quisesse não conseguiria disfarçar o quanto ouvir aquilo me deixava feliz. Bernardo era com toda a certeza o homem que eu amava, eu estava pronta para dizer isso a ele, mas ouvimos a porta da sala se abrindo e meus pais anunciando que haviam voltado.

Desci do balcão pegando o balde de pipoca ao tempo que Bernardo se afastava e gritava para meu pais que estávamos na cozinha, meu pai apareceu no nosso campo de visão dizendo que sentiu o cheiro de brigadeiro e que após tomar banho viria comer com a gente. Eu e Bernardo voltamos para a sala deixando o doce na geladeira para esfriar, minha mãe também sentou para assistir ao filme e logo meu pai se juntou a nós.

Começamos o quinto filme da saga – meu favorito – e eu mal consegui prestar atenção por ficar pensando que eu perdi o momento perfeito de falar para Bernardo que eu o amo. E se agora ele achar que não falei porque não o amo? E se ele estiver pensado que não é correspondido por mim? E se ele duvidar do que eu sinto por ele? Só que eu simplesmente não achava uma brecha para falar sobre isso novamente.

Quando o filme acabou Bernardo disse que ia embora para que eu pudesse estudar para minhas provas, ele se despediu dos meus pais e eu o acompanhei até o portão, ainda atolada em minhas paranoias me despedi dele com um beijo ridiculamente xoxo. Com um meio sorriso ele me desejou boa sorte nas avaliações e entrou no carro me deixando com a culpa.

××

A semana passou de forma atropelada, ou melhor, eu fui atropelada por ela, testes todos os dias quando não mais de um. Passava as manhãs na emissora trabalhando, as tardes fazendo resumos e revisando anotações para que anoite pudesse fazer as provas e voltar para casa para estudar mais antes de dormir. Me peguei pensando o que eu fiz durante todo o semestre para ter acumulado matéria daquele jeito, me lembrei das idas ao bar, dos finais de semana curtindo ou acampando ou vendo filmes com meu namorado… e mentalmente passei pano para mim mesma alegando que a gente não pode deixar de viver para estudar.

No sábado eu precisava terminar um projeto que entregaria na segunda-feira, ele estava quase pronto e faltavam só alguns ajustes ou acabamentos em uma costura ou outra, mas meu perfeccionismo exigia que eu continuasse presa àquilo cobrando algo inatingível. Eu queria apresentar algo fantástico, algo que faria parte da minha grife quando lançada, então não poderia me contentar com menos do que o melhor.

Já anoitecia e eu estava tão concentrada que me assustei com meu celular tocando, era Jonas:

– Oi – atendi.

– Para isso aí que você tá fazendo e vem aqui em casa.

– Porque? Aconteceu alguma coisa?

– Não, mas vai acontecer: você vai enlouquecer se não der uma pausa. Tua mãe disse que você não saiu do quarto nem para almoçar.

– Eu estou bem ocupada com um projeto – tentei justificar lembrando que eu realmente não comi nada desde manhã.

– Não estou nem aí, vem logo. To fazendo o Sanduiche Especial do Jonas – ao ouvir isso meu estomago protestou pela fome. – Eu ouvi teu estômago roncar daqui Camilla, e nem foi pelo telefone. Você tem 5 minutos para passar pelo meu portão.

– Exagerado. To indo.

Saí em direção a casa de Jonas passando por minha mãe no jardim, ouvi ela dizer um “bendito Jonas” enquanto eu fechava o meu portão. Atravessei a rua e já fui entrando na casa, chegando na cozinha Jonas encarava o relógio de pulso.

– Bem no horário – disse orgulhoso.

– O Sanduíche Especial do Jonas é irrecusável – falei me sentando à mesa.

– Certo, então lá vai. Temos o frango desfiado, cheddar cremoso, presunto cozido, alface, tomate e picles – apontou os ingredientes à minha frente. – O que falta?

– Muito queijo – me virei para a geladeira e peguei um pacote com fatias de mozzarella.

– Perfeito! Vamos montar… – ele iniciou.

– É quem diria que essa mistureba daria em algo bom.

– Não tem erro, Cami. Só produto de qualidade.

Jonas colocava cada ingrediente no pão aberto cuidadosamente como se montasse um castelo de cartas. Esse sanduíche havia surgido na nossa adolescência quando ficamos um dia inteiro sem nossos pais e não sabíamos o que comer, Jonas resolveu juntar tudo o que tinha nas nossas geladeiras que coubessem dentro de um pão ciabatta, desde então ele monta esse sanduiche exatamente igual: a base do pão com bastante cheddar cremoso, o frango desfiado, presunto, mozzarella, põe no forno para tostar o pão e derreter o queijo, coloca tomate, alface e o picles, mais cheddar na outra metade do pão.

– Me diz que tem Sprite para acompanhar – falei já sabendo a resposta.

– Garota, é o Sanduiche Especial do Jonas. É obvio que tem Sprite – ele piscou teatralmente. – Qual é o teu problema?

Voltei para a geladeira e procurei a garrafa de refrigerante, peguei dois copos limpos no armário e me sentei já alcançando o pão ainda quente, mordi um pedaço saboreando o gosto de boas memórias que aquilo tinha.

– To com tanta fome quanto no dia que comemos isso pela primeira vez – falei com a boca cheia.

– É isso que deixa ele gostoso de verdade.

– Tem razão. Sabe, eu sempre achei que faltava um bacon aqui no meio.

– Blasfêmia! O Sanduiche Especial do Jonas é perfeito exatamente como ele é – ele mastigou um pouco pensativo – mas se um dia fizer colocar bacon me chama.

– Com certeza – garanti.

Passei um tempo conversando com Jonas na cozinha dele até que o convenci de que precisava voltar para o meu projeto, ele me acompanhou até o portão como sempre.

– Tenta voltar aqui mais tarde, os meninos vem aqui. Nós vamos trocar uma ideia e talvez beber alguma coisa

– Pode ser – falei. – Se eu tiver algum ânimo daqui pro fim da noite.

Enquanto eu falava, Yago estacionava em frente a casa de Jonas e saía do carro já falando com a gente.

– Boa noite galera!

– E aí, cara. – Jonas respondeu enquanto eu apenas dei um sorriso.

– E aí Cami, soube que o pai do Bernardo foi solto ontem. Boas notícias, hem – eu quase me esqueci desse detalhe.

– Sério? Que bom – Jonas disse me olhando esperando que eu confirmasse.

– Pois é, por isso Bernardo não está aqui – menti. Na verdade ele estava trabalhando – Mas como você soube, Yago?

– Pelo meu pai.

– Ele não é mais o advogado do caso – estranhei.

– Bom, ainda assim estavam comentando a respeito no escritório hoje a tarde – ele justificou.

– Que seja – dei de ombros. – Bom, então eu já vou.

– Não vai ficar com a gente? – Yago perguntou – Pensei que talvez a Nat viesse também, mal consegui falar com ela depois do acampamento.

– Sabe como é final de semestre, estamos na correria – falei lembrando do que ela disse sobre Yago.

– Eu acho que a Débora vem depois do trabalho, vem fazer companhia para ela. – Jonas pediu.

– Vou pensar com carinho – prometi.

– Ah, antes de você ir – Yago voltou a falar – na segunda-feira você tem aula?

– Tenho um projeto pra entregar, que inclusive estou voltando para ele – indiquei com a mão em direção a minha casa. – Porque?

– Nada específico, só pensei de irmos no bar de novo… todos nós, sabe?

– Pra mim não dá. É um desfile, tenho que chegar cedo para arrumar a modelo e provavelmente ficar até tarde para organizar o local. Isso vale a minha nota do semestre todo em duas matérias.

– Você topa, Jonas?

– To dentro, minha aula vai ser a tarde, acaba às 17h. Já vou direto.

– Bom role para vocês hoje e segunda, meninos. – falei já atravessando a rua. – Tchau.

××

Aquele projeto dominou todo o meu fim de semana e como Bernardo estava ocupado com o trabalho nós mal nos falamos. Na segunda-feira fui para a faculdade um pouco mais cedo encontrar minha modelo voluntária que era uma caloura, a participação dela valeria horas complementares, todos saem ganhando.

O evento correu perfeitamente bem, todos da minha turma se dedicaram muito nos looks e o desfile estava lindo. Ao final peguei minhas peças com a modelo e fiquei um tempo conversando com meus colegas de classe, incluindo minhas amigas Nat e Sofia.

– O Heitor me chamou para ir no bar hoje, mas a essa hora já deve ter fechado e todo mundo foi embora, não é? – Sofia comentou.

– Uh o Heitor te chamou? – Nat e eu provocamos.

– Não assim, gente – ela corou – Vocês sabem, todo mundo tava lá, vocês também foram convidadas.

– É, mas eu e a Nat não fomos convidadas pelo cara com quem a gente dividiu a barraca no acampamento…

– Na verdade eu fui, miga – Nat me corrigiu. – O Yago me mandou mensagens o fim de semana inteiro e eu dei graças a Deus por ter o evento hoje – ela riu. – Mesmo assim, é diferente Sofia. Conta pra gente esse teu lance com o Heitor.

– Isso Sof – concordei terminando de recolher minhas coisas – em que pé está isso aí?

– Gente, não tá rolando nada demais! – ela soltou um ganido fino – Sei lá, a gente só se pega de vez em quando. A última vez foi no acampamento.

– E poderia ter sido hoje de novo… – Nat disse enquanto andávamos pelo corredor.

– Quem sabe ainda dá tempo – completei. – Eu estou indo para a casa do Be agora, o endereço do Heitor você já tem.

– Ah calem a boca vocês duas – Sofia parecia um pimentão de tão vermelha.

Me despedi das minhas amigas ainda rindo e caminhei até o lugar onde havia estacionado, não havia mais ninguém no campus devido ao horário e como cheguei durante as aulas da tarde acabei estacionando bem longe do anfiteatro onde aconteceu o desfile. Enquanto andava mandei mensagem para Bernardo avisando que estava saindo da faculdade.

Eu: “Oi amor, o desfile foi um sucesso! To saindo agora”

Bernardo: “To orgulhoso e com saudade! Chega logo pra gente passar a noite grudadinhos”

Eu: “Pode deixar, vou correndo”

B: “Dirija com cuidado. Quero te ver logo, mas te quero inteira”

Eu: “Ok, vou correndo com prudência haha”

B: “Melhor assim. Te amo”

Parei ao lado do meu carro com o celular na mão, aquela era a minha chance! Me preparei para digitar “Eu também te amo”, antes que eu terminasse de escrever a frase percebi alguém se aproximando atrás de mim. Por instinto tentei me virar, mas fui imobilizada e arremessada ao chão, o celular escapando da minha mão e caindo um pouco a frente. Tentei alcança-lo ainda lendo a mensagem de Bernardo na tela agora trincada, é a última coisa da qual me lembro antes de sentir uma dor lancinante em minha cabeça e apagar completamente.

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