Segredos

O relógio marcava 9h15 quando despertei de um sono turbulento e cheio de pesadelos, caminhei até o banheiro, olhei para o espelho analisando minhas olheiras e os olhos inchados do choro da noite anterior, tentei cobrir com alguma maquiagem e quando decidi que estava satisfeita com o resultado desci para tomar café da manhã. Eu havia recebido uma mensagem de bom dia de Bernardo dizendo que estava no trabalho e pedindo para avisar quando acordasse, respondi enquanto descia as escadas. Já na cozinha, encontrei Glorinha guardando as compras que haviam acabado de entregar, ela abriu um sorriso acolhedor ao me ver.

– Soube que tua noite foi difícil, preparei teu café da manhã favorito.

– Glorinha, você é a melhor pessoa do mundo.

Ela mostrou na mesa um bolo de fubá com goiabada que ainda estava morno e um copo térmico contendo cappuccino. Me sentei e comecei a comer, ela definitivamente sabia me animar! Ao fim da refeição voltei para o meu quarto com o pretexto de estudar, abri um livro qualquer, mas sabia que não conseguiria focar em nenhuma leitura, então apenas peguei meu caderno de desenho para fazer alguns croquis. Depois de um tempo meu celular vibrou, desbloqueei a tela para ler:

Bernardo: Estou liberado do trabalho em algumas horas, quer almoçar comigo?

Eu: Quero, onde te encontro?

B: No meu apartamento, eu mando a localização assim que eu chegar lá

Eu: Ok. O que vamos comer?

B: Que tal eu fazer aquele carbonara que eu to te devendo?

Eu: Perfeito! Quer que eu leve a sobremesa?

B: Você é a sobremesa

Aquela mensagem fez todo o meu corpo queimar, até larguei o desenho pela metade, eu queria encontrá-lo naquele segundo. Respirei fundo e percebi que ele já tinha mandado outra mensagem.

B: É brincadeira, pode trazer sorvete...

Eu: Tarde demais, agora já criei expectativa

B: Que bom porque eu também

Faltavam 10 minutos para o meio dia quando Bernardo me mandou a localização, eu já estava pronta. Ao passar pela cozinha pedi para Glorinha avisar meus pais que eu almoçaria com Bernardo, peguei a chave do meu carro e segui para o endereço que ele havia me passado. Era um prédio alto e recém construído num bairro nobre, me identifiquei para o porteiro, entrei no elevador e subi até o décimo quarto andar. Parei em frente a uma porta branca com o número 1403 e toquei a campainha.

Quando Bernardo abriu a porta o cheiro de bacon invadiu minhas narinas e seu sorriso lindo invadiu meus olhos, sorri automaticamente. Ele me convidou para entrar e correu até a cozinha para interromper o cozimento de alguma coisa. Andei pelo hall de entrada, o apartamento era lindo e tinha uma visão privilegiada de boa parte da cidade, incluindo um parque que ficava ali perto. Voltando em direção a cozinha notei que o balcão estava arrumado para a refeição, dois pratos sobre o jogo americano e duas taças. Ele realmente sabe preparar um ambiente.

– Vinho? – ele ofereceu – A massa tá quase pronta.

– O que temos aqui? – peguei a garrafa e girei para ler o rótulo – Malbec… sabe que eu não entendo nada de vinhos e harmonização?

– Eu também não, perguntei na adega o que eu podia servir com carbonara e me deram esse aí. Espero que seja bom – ele riu.

Servi as taças e estendi uma para ele, com uma das mãos ele segurou a taça que eu oferecia e com a outra puxou minha cintura em sua direção parando com o rosto a centímetros do meu. Fechei meus olhos e dei um suspiro longo, ouvi ele dar um pequeno risinho, ele sabia o efeito que causava em mim.

Bernardo tirou as duas taças das minhas mãos colocando-as no balcão, então me colocou sentada em uma das banquetas altas ficando entre minhas pernas, seus olhos negros eram aquele abismo novamente e eu queria me lançar no escuro, ele tocou minha bochecha com a ponta dos dedos e me deu beijo tão lento quanto intenso.

– É uma pena que não se deva comer a sobremesa antes do almoço. – ele disse com o rosto ainda colado ao meu.

– Eu não contaria para ninguém – provoquei.

Aquela foi a deixa que ele precisava, me puxou da banqueta e me guiou pelo braço até seu quarto que agora possuía uma cama à qual fui arremessada. Seu peso sobre mim e o perfume que ele exalava era tudo o que eu podia sentir. Beijos calorosos, respiração ofegante, mãos inquietas, gemidos e sussurros, tudo acontecendo ao mesmo tempo enquanto o quarto girava. Mesmo em cima dele eu sentia que ele tinha o controle sobre mim, não só porque suas mãos em meus quadris ditavam o ritmo, mas porque a paixão me colocava à disposição de suas vontades.

Eu quis dizer isso a ele só que apenas consegui olhar em seus olhos, aquelas pérolas negras me encaravam de volta e confessavam estarem sob meu poder também, cada centímetro dos nossos corpos revelavam que pertencíamos um ao outro. Já deitada ao seu lado completamente sem folego, fechei os olhos por alguns segundos, senti ele se mexer na cama e virei para encará-lo. Bernardo tinha um olhar apreensivo quando falou:

– Eu fui um idiota ontem te deixando lá no restaurante, me desculpa?

– O idiota é o Yago, não você. Mas a gente precisa conversar sobre ontem.

– Vem, eu vou terminar o almoço enquanto conversamos.

Caminhou até o guarda-roupa e vestiu uma samba-canção já se encaminhando até a cozinha, vesti minha roupa e o acompanhei. Voltei a me sentar em uma das banquetas sob o balcão, me lembrei do vinho e tomei um gole assistindo Bernardo retomar a preparação do prato. Ele voltou a ficar nervoso como no dia do nosso encontro, as mãos tremiam enquanto ralava o queijo em uma tigela.

– Eu não sei bem por onde começar – ele disse.

– Teu pai – sugeri mais ríspida do que gostaria.

– É, meu pai é um bom começo – ele me olhou e eu estendi a outra taça para ele. – Bom, ele realmente está preso… – tomou um gole do vinho – ainda não consegui provar a inocência dele.

Me ajeitei desconfortável no assento e ele continuou.

– Meu pai tinha uns investimentos no mercado de ações, então quando ele vendeu conseguiu uma boa grana. Foi onde começamos a comprar os bens que o Yago falou: terras, algumas com gado outras com lavoura, carros, a minha camionete… – ele deu uma pausa enquanto transferia o macarrão de uma panela para outra. – Foi nesse tempo também que eu comecei a minha faculdade aqui e me mudei para aquela quitinete, tudo correu numa boa por um tempo, até que meu pai começou a receber ameaças

“Eu não sabia que eram ameaças no início, eram apenas ligações em horários estranhos, ele saía de perto da gente para atender. Em uma dessas vezes eu o segui pra dentro do escritório e quando encerrou a chamada eu quis saber o que era. Foi então que ele me contou sobre um grupo que queria algumas das terras que ele havia comprado, aparentemente atrapalhava um esquema criminoso dos grandes.

“Meu pai não sabia bem o que fazer, já tinha semanas que eles ligavam e o ameaçavam, mas não explicavam sobre o que e quando finalmente revelaram que se tratava das terras ele tentou negociar com a facção. Sem sucesso. Não dava pra saber o que eles queriam exatamente, se simplesmente a posse das terras ou se pretendiam matar meu pai ou sei lá o que. Por isso ele me fez prometer que não contaria para minha mãe e meu irmão.

“Eu comecei uma investigação por conta pra tentar livrar ele dessa situação enquanto ele continuava negociando com quem contatava ele. Cada chamada era de um telefone diferente e quando a polícia começou a rastear soubemos que eram celulares pré-pago sem condições de descobrir quem estava do outro lado da linha, mesmo assim eu não desisti e sem meu pai saber eu usava o arquivo da emissora para tentar conseguir qualquer informação. ”

– Meu Deus, Be. – eu o interrompi na tentativa de processar tudo o que disse. – É muito sério isso que você tá me contando.

Ele serviu os pratos e sentou do outro lado do balcão de frente para mim, percebi que os olhos dele estavam marejados então achei melhor dar um tempo para ele se recuperar antes de continuar a história, apesar de ter diversas dúvidas eu resolvi ouvir tudo o que ele tinha para contar antes de perguntar.

Peguei uma garfada da massa e experimentei, ele era bom cozinheiro pelo que estava vendo então elogiei sinceramente, ele sorriu agradecendo e também comeu. Ficamos assim comendo em silêncio e quando terminamos ele retirou a louça me convidando para sentar no sofá, trouxe a garrafa de vinho consigo deixando-a na mesa de centro.

– Cami, as coisas que vou contar a partir de agora são ainda mais complicadas – ele disse receoso – tem muita coisa que você não sabe sobre a minha família e eu não queria estar contando nessas condições, eu nem sei como eu contaria. Só que é imprescindível que você saiba para entender que não é bem o que o Yago disse, ele simplesmente jogou no ar informações distorcidas.

– Tudo bem, Be. Eu vim aqui para ouvir o que você tem a dizer, seja lá o que resolva me contar. Eu também lamento que seja nessas circunstancias. – ele assentiu cabisbaixo.

– Eu tinha mais um irmão, Cami. O nome dele era Pedro, quando eu ainda era um bebê meu pai saiu pra passear com nós dois em uma pracinha perto de casa. Em um determinado momento eu estava brincando e caí, enquanto meu pai me socorria o meu irmão sumiu, eu tinha um ano e o Pedro pouco mais de 2 anos. Algumas pessoas viram um homem entrar em um carro preto com uma criança chorando, é a única pista que tínhamos.

“Era uma quadrilha de tráfico de crianças, raptavam bebês para vender para adoção, nós nunca o localizamos e meu pai nunca se perdoou. Ele acredita que é culpa dele meu irmão ter sido sequestrado e confesso que eu também me culpo às vezes. Sei lá, se eu não tivesse caído e distraído meu pai...”

– Bernardo você era só um bebê, meu amor. Não foi culpa tua... e nem do teu pai. – acrescentei.

– Aí é que tá, – ele limpou uma lágrima – aos poucos surgiram boatos de que meu pai tivesse negociado o filho, que ele tivesse vendido meu irmão para essa quadrilha.

– Que coisa horrível!

– Pois é, por causa disso nos mudamos para onde minha mãe mora agora com o Fernando, meu irmão mais novo que já nasceu nessa cidade. O tempo foi passando e meu pai investia nessas ações e comprou as terras que ele tem hoje, mas usaram essa história pra atingir ele.

“Meu pai e eu estávamos no escritório de casa quando a polícia chegou procurando por ele, a acusação: ter negociado meu irmão Pedro com uma quadrilha de tráfico de menores. Minha mãe nem acreditava que aquele pesadelo estava acontecendo de novo, ela entrou em uma depressão profunda quando ele foi condenado à prisão, eu prometi pra ele que encontraria um jeito de provar a inocência dele, mas não é fácil. As pessoas que incriminaram meu pai são muito poderosas, além disso, o dinheiro que ele usou para investir nas ações não tem registro, foi uma herança que meu avô deixou em um baú e nunca declarou então a justiça entendeu que era o pagamento da quadrilha.”

– E você realmente acredita na inocência do teu pai?

– A outra alternativa é aceitar que ele passou minha vida inteira mentindo que meu irmão foi sequestrado quando na verdade ele mesmo vendeu...

– Be, eu sinto muito por tudo isso. Eu espero que tudo se resolva o quanto antes. – disse abraçando-o.

– Obrigado... você entende agora porque eu nunca mencionei nada disso?

– É claro, mas como é que o Yago soube da história do teu pai?

– O pai do Yago foi advogado do meu pai, mas eu acabei pedindo a troca e passei para um outro advogado com experiência nesse tipo de caso. Eu sei lá, parecia que o processo não andava. – ele deitou no meu colo e eu afaguei o topo de sua cabeça.

– Eu posso passar a tarde aqui com você, se quiser – ofereci. – A gente assiste um filme até – ele sorriu limpando as últimas lágrimas

– E quem foi que disse que eu ia te deixar sair, Camilla Borges? Eu quero passar o máximo de tempo possível com você depois dessa noite horrível.

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