Vários dias se passaram, minha escrivaninha estava cheia de girassóis dados por Bernardo a cada vez que nos encontrávamos, inclusive naquele sábado que meu pai o havia convidado para jantar. Eu resolvi deixá-los secar e ir guardando em uma caixinha, depois poderia colá-los em um livro em branco ou algo assim, ainda estava decidindo essa parte, mas queria guardar de forma especial.
– Você esqueceu de um. – Bernardo estava parado na soleira da porta do meu quarto.
Ele vestia uma regata cinza, uma calça de tactel na cor preta e um tênis de trilha, em uma das mãos o girassol da vez. Hoje era o dia do acampamento, Bernardo tinha aceitado ir mesmo sabendo que Yago estaria lá, afinal não perderíamos qualquer diversão com meus amigos por causa de ninguém. Ele caminhou até a cama, sentou ao meu lado entregando a flor e eu a coloquei com as outras logo após lhe dar um beijo.
– Pronta para ir?
– Eu estou, minha mochila está ali no canto. Só falta ver se o Jonas e o Heitor também estão prontos.
– Quando eu cheguei eles estavam ali na cozinha falando com a Glorinha, já abri a camionete para guardarem as coisas deles.
– Então decidimos ir todos no teu carro mesmo?
– É, não tem necessidade de irmos em dois carros.
– Ótimo, então acho que podemos ir.
– Não antes de você me dar mais alguns beijinhos. – disse me puxando para perto.
Era sábado de manhã, feriado prolongado na segunda-feira, haviam muitos carros na rodovia e isso fez com que o trajeto que deveria durar pouco mais de 1h durasse quase 3h, mas Bernardo, Jonas, Heitor e eu não estávamos com pressa, o som estava no último e cantávamos desafinados todas as músicas da playlist do Spotify que escolhemos para a viagem. O fim de semana estava começando muito bem e é assim que deve terminar.
Chegamos ao camping que reservamos, o lugar era no alto de uma colina, várias árvores em volta e o topo era um grande plano gramado com espaço para as barracas e fogueiras. Os carros ficavam no meio do caminho e precisamos subir o restante da colina a pé com nossas mochilas, o restante da galera chegou junto com a gente, subimos juntos e escolhemos um lugar para montar a barraca, virado para o leste, pois queríamos ver o sol nascer.
Alguns meninos foram buscar lenha para a fogueira e os outros ficaram para ajudar a montar as barracas, em pouco tempo o acampamento estava pronto e nos sentamos para almoçar. Com dois fogareiros a gás aquecemos água e todos comemos cupnoodles. A tarde entramos na trilha para conhecer as várias cachoeiras da propriedade.
Descemos do lado oposto ao que estacionamos os carros, em meio às árvores havia um caminho demarcado com placas indicativas, cordas de apoio nos trechos críticos e uma vista de tirar o folego. Saindo um pouco da trilha e olhando entre as árvores se estendia um céu azul e um lindo vale, um rio de águas calmas cortava o meio e nem parecia ser alimentado pelas águas violentas das cachoeiras que visitamos.
Aproveitei para tirar muitas fotos com a galera e, claro, algumas fotos fofas com Bernardo. Em uma das cachoeiras passamos um pouco mais de tempo aproveitando a água e o sol, o dia estava bem quente e todo o esforço para percorrer a mata exigiam um descanso. A água gelada foi bem vinda quando mergulhamos na lagoa que se formava aos pés do paredão de pedra que sustentava a queda d’agua, depois de uma boa diversão voltamos subindo a mesma trilha.
Retornamos ao fim da tarde e o camping já estava mais cheio, com uma certa distância outros grupos de barracas estavam de pé e pessoas se preparavam para acender suas fogueiras, nós também nos organizamos para acender a nossa. Nos revezamos entre iniciar os preparativos para o jantar e tomar banho no banheiro compartilhado do camping que ficava ao lado de uma pequena lanchonete.
Com o cair da noite uma brisa gelada corria pelo acampamento, me sentei ao redor do fogo após um banho rápido, os bancos eram nada mais que troncos de árvores deitados em volta da fogueira, fechei os meus olhos sentindo o calor das chamas, ouvindo os sons dos animais noturnos e sentindo o cheiro de mato, senti uma paz aconchegante. Fiquei assim por alguns segundos curtindo o momento até que senti alguém se aproximar, abri os olhos e vi Yago parado em pé ao meu lado.
– Será que eu posso me sentar? – ele perguntou.
– Tem outros 3 troncos desse ao redor da fogueira, precisa ser do meu lado? – respondi em tom áspero.
– Eu queria me desculpar, na verdade – ele disse colocando as mãos nos bolsos.
– Uau, isso é novo – falei enquanto indicava para ele se sentar ao meu lado.
– Vou ser rápido enquanto seu namorado não volta do banho. Pode ser que ele não curta ver a gente conversando... e com razão.
– Pois é – concordei ainda grosseira.
– Cami, eu sei que eu fui um babaca. – ele começou – Não só com o Bernardo, mas com você. O Jonas falou comigo essa semana e mostrou o quão desnecessário eu fui com vocês dois. A gente se conhece há um tempo e eu gostaria de manter uma relação saudável entre nós, principalmente agora que eu e a Nat estamos tendo um lance legal...
– Você foi um escroto no jantar. Eu já sabia que o Jonas ia falar com você.
– É a cara dele fazer isso – deu um meio sorriso – enfim, desculpa implicar com teu namorado. Eu ainda não gosto dele, mas não quero que isso fique no meio da nossa amizade. – dei uma risada seca quando ele disse a palavra amizade.
– Ok Yago, eu te desculpo, pelo menos você viu o quão ridículo estava sendo.
– Será que eu posso te dar um abraço? – ele pediu.
– Como é?
– Ah, você sabe... igual no Jardim de Infância, o abraço das desculpas.
Estranhei o pedido, mas ainda assim concordei. Yago se aproximou de mim respeitosamente com suas mãos no meio das minhas costas sem nada de mais, o abraço durou poucos segundos e ele finalizou com um beijo rápido em minha bochecha, fechei a cara em desaprovação ao beijo, porém antes que eu pudesse protestar o garoto já havia se levantado e andava contente em direção a minha amiga que voltava da lanchonete, ele deu um beijo em Natália e entrou na barraca com ela.
Não demorou muito para Bernardo voltar do banheiro, ao invés de se sentar ao meu lado foi para a nossa barraca e fechou o zíper. Apesar de achar estranho, não fui até lá e como Sofia se sentou ao meu lado comecei a conversar com ela sobre assuntos aleatórios, Heitor que preparava um peixe nas chamas da fogueira logo começou a interagir conosco e assim me entretive na conversa.
Logo o jantar estava pronto, Heitor tirou com cuidado da brasa uma panela de barro com uma moqueca bem cheirosa e colorida, Jonas anunciou alto para todos se servirem. Peguei um prato e servi uma porção de peixe com o arroz que estava em outra panela, senti uma mão em minha cintura e quando me virei vi Bernardo sorrindo para mim, ele deu um beijo em minha testa e foi se servir também, nos sentamos lado a lado nos bancos improvisados.
Após comermos, um dos meninos pegou um violão e começamos a cantar aquelas músicas que todo mundo conhece e não pode faltar no final de festa, apesar de a nossa estar apenas começando. Alternamos as músicas à histórias e piadas, também levamos marshmallows para assar na fogueira, mas ninguém realmente pensou como fazer e estávamos completamente satisfeitos com o jantar então acabamos deixando para amanhã. Todos se divertiam, mas notei que Bernardo estava mais quieto que o normal, apesar de saber qual o problema eu perguntei:
– Tudo bem, amor? – falei baixo só para ele ouvir.
– Tudo.
– Tem certeza? – insisti.
– Ta tudo bem, Cami – ele falou gentil e tentou sorrir.
– Cami? Não seria “amor" também? – ele baixou a cabeça quando questionei. – Me diz o que é?
– Eu não quero ser o namorado tóxico. – ele disse ainda cabisbaixo.
– E porque você seria tóxico?
– Por me incomodar com um abraço – ele finalmente olhou pra mim. – Acontece que o abraço foi no Yago, então não consigo fingir que tá tudo bem.
– Eu entendo você, imaginei que tinha visto quando foi direto pra barraca depois do banho.
– Eu estava na porta do banheiro esperando o Jonas pegar minha toalha que esqueci lá dentro quando vi ele sentar do teu lado. Ele parecia bem acomodado falando com você.
– Ele veio me pedir desculpas por ter sido babaca, o abraço não foi nada de mais – expliquei.
– E teve o beijo também.
– É, teve o beijo também – concordei. – Na bochecha.
– Cami, eu sinto ciúmes de você. Sinto medo de perder você. Não quero ser um cara tóxico impedindo você de demonstrar afeto aos teus amigos, mas o Yago? Poxa… Depois daquele jantar não dá pra ficar de boa vendo ele abraçar e beijar minha namorada, mesmo que no rosto.
– Ele tá com a Nat agora, inclusive por isso quis se desculpar.
– Ta certo, talvez eu esteja exagerando. Me desculpa.
– Tudo bem, Be. Vamos só deixar isso pra lá, ok? – ele assentiu.
– Vamos voltar a aproveitar o final de semana. – ele passou o braço na lateral do meu corpo nos aproximando.
As chamas eram apenas brasas quando resolvemos dormir, cada um se encaminhou para sua barraca, Yago dormiu com Natália na barraca dele como era de se esperar, geralmente eu e ela dividimos a barraca com Sofia que dessa vez estaria sozinha, Jonas acabou cedendo espaço para Heitor e os outros quatro meninos se dividiram em duplas nas barracas restantes. Bernardo e eu entramos na que ele levou e programamos o despertador para 6h para podermos ver o sol nascer com a galera, eu o abracei e adormeci deitada em seu ombro, quando estava quase pegando no sono pude ouvi-lo sussurrar:
– Eu amo você, Cami.
O céu ainda tava escuro quando saímos da barraca, Jonas estava passando um café que exalava um cheiro maravilhoso, nos aproximamos dele aguardando o restante do pessoal acordar.– E o Heitor? Tá dormindo ainda? – Bernardo perguntou.Jonas apenas fez um sinal com a cabeça indicando a barraca de Sofia.– Tá brincando – quase gritei.– Um pouco depois que todos dormiram eu percebi ele saindo da barraca, achei que ele ia no banheiro, mas ouvi o barulho de outra barraca abrindo e quis espiar – Jonas fofocou. – Ele não voltou mais, passaram o resto da noite juntos. – fez cara de safado.– Caramba, nunca imaginei... – falei surpresa – Será que é casual ou vai rolar algo a mais?– Você descobre com a Sofia e o Jonas com Heitor, depois me contam tudo. – Bernardo propôs animado.– Meu nam
Bernardo me apresentou sua família em um jantar íntimo em seu apartamento, seus pais foram adoráveis comigo e me senti acolhida com o jeito fraterno de serem. Guilhermina era uma mãe coruja, tratava os filhos com muito amor e estendeu esse carinho para mim ao fazer questão de preparar meu prato favorito – nhoque de batatas à bolonhesa – para aquela noite. Já Osvaldo evidenciava os dias de sofrimento na prisão e o cansaço dominava seu semblante, ainda assim aproveitou todo o tempo possível ao lado dos filhos, Bernardo e Fernando também se dedicaram a matar a saudade do pai.Já faziam 3 semanas desde então e finalmente conseguiram um lugar seguro para Osvaldo se abrigar, eu não tinha detalhes desse lugar, todas as informações ficaram restritas a Bernardo e o pai. Eles viajaram juntos durante a madrugada de sexta-feira e no domingo de manhã eu busque
Acordei com frio, minha garganta ardia não sei se era sede ou se eu estava ficando resfriada pela baixa temperatura, além da dor na cabeça onde fui golpeada. Abri os olhos lentamente tentando enxergar alguma coisa, percebi que estava em movimento, tentei me mexer, mas o espaço era apertado, eu estava no porta-malas de um carro. Meu primeiro instinto foi tentar gritar, porém sabia que ninguém me ouviria.De dentro do carro eu conseguia ouvir uma música, só que de tão baixo eu não reconhecia qual era. Não sei dizer quanto tempo passei trancada ali, o carro fazia curvas em alta velocidade me arremessando de um lado para o outro naquele cubículo escuro e apertado, eu colidia com as paredes e o teto quase o tempo todo o que me rendiam muitas dores. Em determinado momento bati a cabeça e eu tinha certeza de que tinha cortado minha testa.O veículo parou, ouvi as portas abrirem e
Ouvi o barulho das teclas enquanto o homem dos cabelos descoloridos discava, o aparelho era de um modelo antigo ainda com os botões com os números digitados. Eu encarava o celular que parecia pequeno em meio as mãos ásperas do sequestrador, ele me olhava fixamente enquanto eu permanecia no colchão conforme ele orientou, eu tremia sob a ameaça de que qualquer coisa inesperada que eu fizesse poderia desencadear a minha morte antes mesmo da ligação terminar. No viva-voz, chamou apenas uma vez e já ouvi meu pai atender perceptivelmente desesperado:– Alô.– Pai! – gritei por instinto sendo repreendida pelos sequestradores.– Camilla, filha. Onde você tá? O que aconteceu? Filha… – o homem tirou o celular do viva-voz enquanto se afastava de mim sorrindo.– Isso aí, é a
Era uma noite gelada no início de maio, sexta-feira. As duas primeiras aulas pareciam ter durado uma eternidade, talvez fosse minha ansiedade de ir para o bar com meus amigos fazer um esquenta antes de ir ao pub, talvez fosse o cansaço da semana de provas terríveis. Natália e Sofia me olhavam com cara de criança arteira me fazendo ficar no lugar mesmo que nós já tivéssemos assinado a lista de presença.De repente Jonas invade a sala acompanhado de Heitor, nas mãos um bolo desses de padaria cheio de glacê e cinco velinhas finas na cor azul claro. Todos começaram a bater palma e cantar Parabéns a Você, inclusive o professor. Era meu aniversário e meus amigos jamais deixariam passar em branco. Eu não sei como nunca desconfiava das coisas que Jonas planejava, todo ano ele me surpreendia de algum jeito. Sofia passou algo pela minha cabeça, eu demorei a
Não consegui dormir naquela noite por conta das dores e do desconforto que as cordas causavam seja arranhando minha pele ou limitando meus movimentos. Depois do que me pareceu uma eternidade, os raios do sol começaram a surgir tímidos pelas frestas da janela, parecia estar nublado e isso tornava o dia ainda mais melancólico. Me sentei e alcancei a garrafa de água, o liquido estava quente como das outras vezes e novamente não me importei, tomei o suficiente para matar a sede. Novamente barulho na porta e o homem encapuzado surgiu.– Eu deveria te deixar sem comer – ele disse arremessando o pacote pardo em minha direção.– Obrigada – falei alcançando o pacote. – Pode me desamarrar para eu comer?– Para você correr pelo meio do mato de novo? – ele falou com rispidez – Sem chances! Se vira ai, amarrei tuas m&a
Eu estava sentada no sofá de casa com a detetive Samantha à minha frente, ela era a responsável por investigar meu sequestro. Eu havia acabado de descrever o homem dos cabelos descoloridos e o local onde para onde fui levada, o barracão, a plantação em volta, a estrada e as luzes próximas, o bosque… todos os detalhes que eu me lembrava.– Se lembra do carro? – Ela perguntou.– Era um sedan preto, não sei dar mais detalhes. Marca, modelo, ano… eu não entendo nada de carros.– Conseguiu ver a placa?– Também não, na verdade nem me passou pela cabeça olhar a placa.– Tudo bem, isso já é o bastante. Amanhã falaremos com o senhor Bernardo Costolli também e vemos se ele pode agregar mais informações – ela d
Eu permaneci sentada no sofá mesmo depois de Samantha ir embora, não fui capaz de me mexer. Minha cabeça voltou a doer e nem mesmo o comprimido que a dra. Greta receitou estava fazendo qualquer efeito, dessa vez eu sequer conseguia chorar.– Eu sou uma idiota – falei baixinho.– Não fala assim, filha – minha mãe tentou me acalmar.– Tudo apontava para ele, mãe. Eu não desconfiei em nenhum momento, mesmo que tudo apontasse diretamente para ele!– Cami, você não tinha como saber – dessa vez foi meu pai.– O horário, ele sabia que eu sairia da faculdade sozinha, a plantação de girassóis, ele sempre me deu girassóis e mesmo enquanto eu corria no meio das flores não desconfiei que pudesse ser ele. Eu sou burra – falei qu