A cidade de Elisesile ficava ao leste de Ellefen, não muito distante. Poucas árvores margeavam o caminho, a vegetação rasteira era parca e as colinas escondiam perigos que poderiam se revelar quando a noite deixasse suas primeiras horas para trás. O pio de uma coruja lembrou Nico de que criaturas observavam nas sombras. A estrada que percorriam costumava estar movimentada a essa hora do dia com o retorno dos mercadores de Ellefen e de outros vilarejos da região. Estranhamente, isso não acontecia.
— Voltaram mais cedo por causa do tempo — disse Endrick, quando Nico perguntou.
O sol se pôs sem ser visto. Felizmente, Endrick não se esquecera da lamparina. As árvores se apresentavam na forma de silhuetas tortas e perdidas em meio a uma delicada cortina de névoa. O vento soprava, vindo de longe, das Montanhas Farynan ao norte de Ertiron. Vistas dali, as elevações eram mais negras que a noite, belas e sólidas, perseguindo-os imóveis. O atrito das rodas da carroça com o chão era o único som que os acompanhava na estrada, cortado poucas vezes por grasnados de pássaros e zumbidos de insetos.
Nico olhava para o céu e sentia a falta das estrelas. Costumava admirá-las e diferenciar as constelações. Em noites como essa, desejava estar sobre as nuvens, para avistar a beleza que escondiam. Um galope acelerado quebrou a ordem dos ruídos que os cercavam, alguém se aproximava rápido. O barulho ficava cada vez mais alto e, quando os alcançou, tudo que viram foi um borrão veloz passar por eles, seguindo na direção oposta.
— Isso foi um cavalo? — Perguntou Nico.
— Sim — respondeu Endrick.
— Quem correria com tanta pressa
— Ninguém.
— Como assim?
— A sela estava vazia.
— O que pode ter sido? Bandidos?
Endrick suspirou.
— Eu não sei, mas posso ver as luzes de Elisesile, logo estaremos retornando. Vamos torcer para não termos mais surpresas.
O cobertor do silêncio foi posto novamente, apenas trovões distantes se ouviam e a neblina se abria conforme avançavam. Um lampejo repentino fez da noite um dia até onde seus olhos podiam ver, revelando tudo que se escondia na escuridão e trazendo a figura de um homem caminhando na direção deles, o único elemento do cenário que prendeu a atenção de ambos. Quando a carroça se aproximou, o homem disse:
— Eu conheço essa carruagem — uma faixa escura encobria os seus olhos, ele inclinava a cabeça como se identificasse a carroça pelos ouvidos.
— E nós conhecemos esse andarilho solitário — disse Nico.
— Como está, Tarci? — Perguntou Endrick.
— Pronto para retornar para casa — saltou para a parte de trás, ficando de costas para eles.
As rédeas pararam nas mãos de Nico e o trajeto de volta a Ellefen se iniciou em um ritmo mais acelerado. Minutos se passaram e Tarci não disse nenhuma palavra para explicar a situação. Apesar da curiosidade, Nico concordou com Endrick em ficar quieto até chegar na estalagem, no entanto...
— Você gostaria de brincar um pouco, Endrick?
— Às vezes esqueço que você não teve infância — foi a resposta.
— Vamos brincar de adivinhar a razão que levou Tarci a Elisesile e o porquê de buscarmos ele antes do anoitecer?
— Dá um tempo.
— Mais? Eu vim com você, não foi? Tenho direito de saber.
— Eu disse para você ficar se quisesse — Endrick deu de ombros.
— Mas ele disse para nós dois irmos.
— Eu disse apenas Endrick — Tarci se pronunciou.
Nico resmungou.
— Acho melhor conversar com quem passa seus recados.
— E eu disse ao anoitecer.
— A noite chegou um pouco mais cedo. E como você sabe que já está de noite mesmo?
— A noite conhece seu tempo, Nico. Por que eu não conheceria também?
— Claro que conhece, mas qual o motivo de ser ao anoitecer? Não poderia ser às sete horas ou oito, é tudo noite.
— Duas razões — o vidente apontou o dedo para o céu — eu precisava de tempo e a outra...
Um relâmpago revelou as silhuetas das nuvens tempestuosas acima, o trovão estrondando com força como uma montanha de encontro a outra.
— Vocês podem ver. É melhor nos apressarmos.
— Claro — disse Nico. — Você explicou sua pressa ou a falta dela, agora só precisa dizer o que o levou até Elisesile.
— Este mesmo caminho.
— Seu senso de humor é fantástico. Então, Endrick, vamos brincar?
Endrick revirou os olhos, grato por Mercstzine não estar ali.
— Vê se fica quieto.
— Tudo bem — disse Tarci. — Vamos brincar, Nico, mas será de algo novo, vamos brincar de calar a boca até chegar em casa. O próximo que falar vai cair da carruagem.
Nico franziu a testa, irritado, mas não ousou abrir a boca para descobrir se a ameaça era verdadeira. Até chegar à estalagem, escutou-se apenas os sussurros inquietos do vento e as vozes das nuvens retumbando por todo o reino.
***
A chuva caiu quando se reuniram à mesa. Mercstzine recebeu Tarci com um tapa na cabeça e comentou sobre a sorte dos três não serem pegos pelo temporal, mas prometeu que teriam o seu chá à disposição no caso de um resfriado, o que os obrigou a torcer o nariz. A lenha crepitava na lareira em uníssono com as gotas de chuva que açoitavam a estalagem. Mercstzine fizera uma sopa de legumes para ajudar a espantar o frio, pelo que Nico era grato, apenas seus pés reclamavam de estarem congelando. Endrick se enganara ao pensar que tinha um par extra de botas, e os pés de Tarci eram menores do que os de Nico, a única solução foi continuar descalço.
Endrick apoiava o queixo na mão, ondeando a sopa com o talher de forma distraída, sequer cogitava tomar um pouco. Seus pensamentos estavam distantes, além do mar, porém permanecia ciente de tudo ao redor. Nico não o vira comer nada o dia inteiro, algo que notara outras vezes, contudo sabia que o amigo não era descuidado.
Havia um feixe de preocupação aceso nos olhos de Mercstzine, mas também um brilho de curiosidade. Seu olhar pousava constantemente no marido, cujo cabelo longo e grisalho encobria parte do rosto e dos ombros. Sombras projetadas em sua face o transformavam em alguém severo e cruel. Mesmo sem o peso do seu olhar de volta, qualquer pessoa se intimidaria ao encará-lo.
De uma forma ou de outra, todos esperavam que Tarci falasse sobre o que tinha visto no seu sonho e o que tinha sido feito em Elisesile, mas ele permanecia lacônico. Nem mesmo Nico resolveu perguntar dessa vez, o silêncio sentava com eles e era uma companhia desconcertante. Os trovões permaneciam fortes, as nuvens falavam entre si e ignoravam o resto do mundo. Quando uma voz enfim se ouviu, foi a de Mercstzine:
— Quer dizer então que vocês nem colocaram os pés em Elisesile?
— Não, senhora Mercstzine — respondeu Nico, girando o talher entre os dedos. — Tarci resolveu voltar mais cedo. Encontramos ele no caminho.
— Sério? Voltou mais cedo?
— Não, senhora Mercstzine — respondeu Endrick, largando o talher. — Nós estávamos atrasados e ele começou o caminho de volta, pois já havia anoitecido. Por isso o encontramos na estrada.
— Logo depois que um cavalo passou correndo por nós — disse Nico.
— Um cavalo?
— Sim, mas a sela estava vazia — Endrick limpou a garganta. — Vinha de Elisesile, correndo veloz nessa direção. Tarci certamente deve ter escutado o galope.
— Escutei.
— Vocês acham que foram bandidos? — perguntou Mercstzine, espantada. — Sinto pena pelo o que tenha acontecido a esse pobre homem, mas sou grata que nada tenha me tirado o meu Tarcísio.
— Obrigado, minha flor.
— Não foi nada, meu bem — Mercstzine sorriu.
— Os dois não comecem, por favor — Nico interrompeu antes que Tarci continuasse. — Não na nossa frente.
— É possível que tenha sido um ataque — disse Endrick —, há meses que não acontece por essa região.
Tarci balançou a cabeça em sinal de concordância.
— Quando o vento se aquieta, é melhor preparar a alma para quando ele voltar a soprar, pois pode trazer as dores que Ávaro carrega.
— Se já voltou a tagarelar, o que acha de falar sobre o que foi fazer naquela cidade? — Indagou Mercstzine. — Você saiu cedo pela manhã sem muitas explicações e só voltou agora, logo após um ataque! Não percebe a sorte que teve de o destino de outro homem não ter caído sobre você? E por qual razão?
— Eu sabia que a única coisa que poderia cair sobre mim era a chuva.
— Não me diga, Tarcísio. Sério? Mas se acontecesse algo mesmo assim? Já aconteceu certa vez.
Tarci abaixou a cabeça e suspirou. Seus braços envolviam seu corpo de forma estranha, Endrick suspeitava que escondia algo.
— Você está certa — disse. — Como sempre, aliás. Fui imprudente, mas o impulso que eu sentia... não podia ser ignorado.
— O que o sonho mostrou?
— Uma caixa azul.
Nico riu.
— Uma caixa? Que interessante.
— Deixe que continue — Endrick o repreendeu.
Tarci umedeceu os lábios antes de prosseguir.
— Eu tive visões assombrosas, vi pessoas morrendo. Vi o caminho que levava a Elisesile, essa caixa estaria lá. Foi me dito onde encontrá-la, eu vi o céu coberto de nuvens, o tempo limite para pegá-la era o primeiro trovão ao anoitecer. O impulso... Ele era tão forte que não sossegou até me levar para o local onde ela estaria.
— E onde era? — Perguntou Mercstzine.
Tarci hesitou.
— O que importa é que ela está comigo agora — retirou o que ocultava de forma discreta no interior das suas vestes: uma caixa retangular pouco menor que seu antebraço, com a largura da palma da sua mão e medida de três a quatro dedos da base à tampa.
— Nosso Criador, Tarci! — Exclamou Nico — Essa caixa é vermelha.
— C-como é?
Endrick controlou o riso. Mercstzine deu um tapa na cabeça de Nico.
— É uma caixa azul, Tarcísio. O que tem escrito na tampa dela?
— Eu não sei — Tarci apontou a caixa na direção da esposa. — Consegue ler?
— Estranho — ela semicerrou os olhos, tentando distinguir a letra entre os entalhes de flores. — Parece um “M”.
— Ou um “W” — sugeriu Nico.
Endrick concordou com a teoria de Mercstzine.
— O que significa?
— Eu só sei que não pode ser aberta — Tarci indicou a fechadura — Não há chave e nem penso em quebrá-la. Desconheço o que ela pode conter, mas vejo que é necessário guardá-la comigo. Por qual outra razão a veria nos meus sonhos?
Nico bocejou.
— É uma caixa bonita. Deve servir de decoração.
— Vou usar de decoração na sua cabeça, garoto, quando pensar em voltar a Cinstrice de novo — ralhou Mercstzine. — Mas, Tarcísio, você não tirou essa coisa de ninguém, certo?
— Não se preocupe, meu bem — respondeu ele, voltando a guardar o objeto — Por falar na Arena, como foi sua noite, Nico? Venceu Abnor?
— Não exatamente...
Tarci balançou a cabeça.
— Todo mundo perde às vezes. Claro que Abnor nunca foi derrotado na Arena, mas qualquer pessoa que não seja ele já perdeu.
— É, obrigado pelas palavras.
— De nada. Veja, vencer não é tudo, rapaz. Aprendizados maiores se ganham perdendo, sei o que digo.
Nico coçou a cabeça.
— Não sei se concordo com isso, mas obrigado de novo. Eu consigo na próxima.
— Você quer ir à Arena mais uma vez? — Perguntou Mercstzine, irritando-se de verdade. — Não acha que está na hora de parar?
— Não... — disse após um breve silêncio. — Não quero parar.
— Você quer se matar? Não está vendo? Endrick, já chega...
— Não é Endrick quem pode escolher por mim, nem ninguém. Eu quero. Eu vou. Vencerei Abnor, a senhora verá.
— Por quê? Por que esse desejo de se provar? E para quem?
Nico balançou a cabeça.
— Ninguém, senhora Mercstzine.
— Ele não está mais nesse mundo — espalmou as mãos sobre a mesa, erguendo-se —, não faz parte da sua vida, não consegue esquecer?
— Isso não tem nada a ver com ele.
— Eu o proíbo de pisar em Nider Cinstrice novamente!
— A senhora não pode fazer isso.
Mercstzine bateu na mesa.
— Enquanto dormir aqui, eu posso!
— Esse é o problema? — Nico se levantou. — Posso ir embora agora mesmo.
— Fique no seu lugar, Nico — pediu Endrick.
— Eu não...
— Escutem — Tarci chamou. — Alguém b**e à porta.
Batidas fortes soaram, como se não fosse a primeira ou terceira vez que alguém tentasse ser ouvido. A chuva havia diminuído, encerrando-se como a conversa deles, com pingos indicando que havia mais por vir.
— Isso não acabou — disse Mercstzine, saindo da cozinha.
Endrick lançou um olhar para Nico e a acompanhou até a porta. Quando Mercstzine a abriu, um corpo desabou sobre o tapete.
— Nosso Criador!
Um homem adentrou a estalagem, austero e frio, seu olhar de encontro ao de Mercstzine.
— Temos um abrigo aqui esta noite?
Não foi dita uma palavra desde que se sentara. Apenas suspiros de descontentamento e o incessante som de pena riscando papel circulavam o aposento, que possuía a doce essência das ervas-séias de Ciusimur. Os olhos verdes e incisivos de um gato preto a encaravam, sacolejava a cauda de forma lenta deitado sobre uma caminha almofadada de veludo azul. Se bem escutara, chamava-se Calaithto. Nome do primeiro Eldenzor que se sentara no trono de Wendevel há quinhentos anos. Uma simples forma de homenagear a família real, até o mais tolo poderia ver, entretanto olhares diferentes poderiam ver o ato como um insulto. Ela não dava importância para isso, Calaithto era um nome bonito para um belo felino. O gato deu uma piscadela, como se apreciasse seus pensamentos.Millena nunca estivera no Palácio Lirnansio do lorde Syafer de Lirnans, mas a sua grandiosidade e reputação construída ao longo dos séculos a levaram a crer que existisse algo de fato acolhedor por trás de seus muros. Em parte, estava ce
O chão do refeitório estava engordurado próximo à mesa de onde encontraram as crianças. Ela não saberia dizer se os restos de comida era o que restara de um porco ou de um frango, nem perdeu tempo pensando nisso. As crianças acenaram ao vê-la, quanta audácia de agirem naturalmente após terem feito o que fizeram. Mesmo irritada, ela retribuiu e riu das bochechas delas, lambuzadas de molho vermelho que torceu para que não saísse com facilidade.— Aí estão seus alunos, Mestre Armoni — virou-se para o Mestre de Ensinos. — Não os perca de vista novamente.— Peço desculpas, senhorita Leviance, em nome da Academia de Venelvor.Drafindel e os gêmeos riram da cara do homem, Diarne se retirou com um suspiro, dizendo que faria umas anotações. Millena se despediu, abraçou Drafindel e os irmãos e continuou seu trajeto.— Praguinhas famintas — sussurrou ao olhar para a mesa novamente. Esperava que levassem um sermão.Chegando ao balcão de pedra da cozinha, o cheiro dos assados a deixou com água na b
As engrenagens giravam no interior da caixinha de madeira, resultando em música e um leve tremor sobre o seu peito. O compasso criado junto aos seus batimentos acalmava, o toque melancólico ordenava para que fechasse os olhos. Ela era teimosa, observava o dossel da cama, vagueando em pensamentos criados por uma trilha sonora de toques mecânicos. Havia um casal que girava à medida que a melodia progredia, de início curvados, mas vagarosos se erguiam em uma dança. Agora estavam perdidos em algum lugar distante, assim como muitas coisas da sua infância. Coisas que envolviam a sua memória.O dossel caiu sobre seus olhos e as cortinas a envolveram tão subitamente quanto a caixinha que se fechou e deixou de tocar. Millena estava em Nivins, a ilha. Sabia que estava, poderia ser diferente? Tinha mais uma vez cinco anos, era óbvio. Qual pessoa não saberia a própria idade? Sentia-se bem e olhava o oceano, não havia praia. Pisava nas pedras descalça sem se incomodar. Estava livre, o vento forte e
— Meu nome é Alec — respondeu, após Endrick perguntar pela segunda vez.Sentava-se em uma cadeira próxima a lareira, assistia a lenha sendo abraçada pelas chamas e se transformando aos poucos em um resquício distante do que era. Ele recusara comida ou roupas secas, apenas quis ficar perto do fogo. Uma fina linha de sangue escorria do canto da sua boca, mas Mercstzine não o convenceu a deixá-la cuidar do ferimento. Apenas isso maculava o rosto pálido de Alec, porém ele estava mais ferido do que aparentava. Mancava um pouco com a perna esquerda, Nico serviu de apoio para carregá-lo até onde estava, e mantinha a mão colada ao lado do corpo. Se tivesse a sorte que Endrick acreditava, talvez nenhuma costela estivesse quebrada. Seu cabelo negro caía sobre seus olhos cinzentos e pensativos.Ele não devia ser muito mais velho que Nico, cuja altura era a mesma. Tinha uma voz grave, possuía um certo ritmo ao pronunciar as palavras. Um sotaque que ninguém reconhecia ou apenas uma maneira própria
Era um sonho antigo e recorrente. Se eram lembranças do seu passado esquecido, ele não sabia, no entanto o sonho nunca estivera tão nítido quanto naquele momento. Sentia tudo de forma concreta, era ele, uma criança entregue aos soluços do seu pranto. Nico duvidava que sua mente fosse capaz de criar uma ilusão tão perfeita em seu subconsciente, porém relutava em acreditar que realmente era uma cena ocorrida no seu passado.O aperto no peito era intenso e doloroso, não havia nada que pudesse ser feito. O medo, Nico pensou pela primeira vez em como o medo podia deixar alguém sem uma fração de si. As lágrimas enchiam os olhos e percorriam o curto caminho da sua face como um rio cristalino em direção aos seus lábios, o sofrimento era salgado. Veio então o nome pela primeira vez.De tantos sonhos confusos e indistintos, esse foi o único que permitiu relembrar o nome do garoto que morria: Leone. Um nome que achou bonito. Agora era tão óbvio que Nico se perguntou como não conseguiu se lembrar
Nico mordiscava os pães, comumente ignorando o chá de Mercstzine servido a sua frente. Estava pensativo e pouco à vontade diante dos outros. O sonho com Leone, a aparição de Johen, seguido do roubo da misteriosa caixa de Tarci, que ele provavelmente roubara primeiro, foram tantos acontecimentos antes que o dia começasse que sua mente o fazia crer que nem tudo havia acontecido mesmo. Em especial a parte de quase ter sido morto. A adaga voava em sua direção, o tempo ganhou diferentes engrenagens e ele se via incapaz de fazer o simples ato de piscar. Porém o giro do cabo e da lâmina não terminaria como qualquer pessoa pudesse prever, o vento veio e mudou tudo.Endrick se recusou a falar sobre o que fez. No entanto, Nico sabia que uma hora ele atenderia a obrigação de conversar sobre o assunto. Embora o amigo contasse bastante sobre sua vida, reconhecia que inúmeros segredos eram guardados, mas magia estava longe de qualquer suspeita. Isso o levava a criar muitos questionamentos; se Endric
O dia amanheceu tão claro que Millena pensou que o sol batia na janela do seu quarto. O relógio marcava seis e meia, relativamente tarde para o que estava acostumada a levantar. Surpresa, notou que não havia sonhado, nem se esforçando conseguiu trazer algum vestígio. Ficou grata, mas o seu corpo estava dolorido por causa do passeio aéreo do dia anterior com Nerissia. Perderam a noção do tempo planando e fazendo as manobras que os ackaminoums permitiam. Quando pousaram, sua amiga levou broncas de Dinah na cozinha e teve que carregar caixotes e descascar legumes o dia inteiro. Enquanto a Millena, recebeu muito mais volumes para separar do que esperava sua estimativa mais pessimista.Suas nádegas deviam estar marcadas até agora, pois ficara sentada até tarde da noite, levantando-se apenas para o indispensável. Podia ser atrasada, mas se orgulhava de não poderem dizer que não era dedicada. Não tivera absolutamente nenhuma chance de contar a Sirius sobre suas visões, o temor angustiante de
A claridade das velas incomodava seus olhos. Tinha em mão uma pena e a tinta intocada ao lado. Estava sem sono, diferente do que dissera a Sirius meia hora atrás. Uma certa paz a envolveu, satisfação por ele e Argus terem dado um passo importante. Outra parte dela, contudo, mantinha seu ânimo baixo e lhe privava o sono. Tinha costume de escrever no caderninho de capa dura que ganhara do irmão anos antes, porém sua imaginação não estava ativa o suficiente para redigir nem uma receita de bolo de cenoura, algo que Dinah fez questão de ensiná-la quando era criança. Mesmo assim, tentava espremer qualquer coisa da sua mente infértil.Mergulhou a ponta metálica na tinta, pensando na primeira palavra de uma possível história que ainda não existia na sua cabeça, mas um calafrio a atravessou de repente, sua mão esbarrou no potinho de tinta e o conteúdo se derramou sobre a folha. Ela agiu depressa para evitar que estragasse o restante dos seus manuscritos, mas parou ao observar com espanto o que