Nico mordiscava os pães, comumente ignorando o chá de Mercstzine servido a sua frente. Estava pensativo e pouco à vontade diante dos outros. O sonho com Leone, a aparição de Johen, seguido do roubo da misteriosa caixa de Tarci, que ele provavelmente roubara primeiro, foram tantos acontecimentos antes que o dia começasse que sua mente o fazia crer que nem tudo havia acontecido mesmo. Em especial a parte de quase ter sido morto. A adaga voava em sua direção, o tempo ganhou diferentes engrenagens e ele se via incapaz de fazer o simples ato de piscar. Porém o giro do cabo e da lâmina não terminaria como qualquer pessoa pudesse prever, o vento veio e mudou tudo.Endrick se recusou a falar sobre o que fez. No entanto, Nico sabia que uma hora ele atenderia a obrigação de conversar sobre o assunto. Embora o amigo contasse bastante sobre sua vida, reconhecia que inúmeros segredos eram guardados, mas magia estava longe de qualquer suspeita. Isso o levava a criar muitos questionamentos; se Endric
O dia amanheceu tão claro que Millena pensou que o sol batia na janela do seu quarto. O relógio marcava seis e meia, relativamente tarde para o que estava acostumada a levantar. Surpresa, notou que não havia sonhado, nem se esforçando conseguiu trazer algum vestígio. Ficou grata, mas o seu corpo estava dolorido por causa do passeio aéreo do dia anterior com Nerissia. Perderam a noção do tempo planando e fazendo as manobras que os ackaminoums permitiam. Quando pousaram, sua amiga levou broncas de Dinah na cozinha e teve que carregar caixotes e descascar legumes o dia inteiro. Enquanto a Millena, recebeu muito mais volumes para separar do que esperava sua estimativa mais pessimista.Suas nádegas deviam estar marcadas até agora, pois ficara sentada até tarde da noite, levantando-se apenas para o indispensável. Podia ser atrasada, mas se orgulhava de não poderem dizer que não era dedicada. Não tivera absolutamente nenhuma chance de contar a Sirius sobre suas visões, o temor angustiante de
A claridade das velas incomodava seus olhos. Tinha em mão uma pena e a tinta intocada ao lado. Estava sem sono, diferente do que dissera a Sirius meia hora atrás. Uma certa paz a envolveu, satisfação por ele e Argus terem dado um passo importante. Outra parte dela, contudo, mantinha seu ânimo baixo e lhe privava o sono. Tinha costume de escrever no caderninho de capa dura que ganhara do irmão anos antes, porém sua imaginação não estava ativa o suficiente para redigir nem uma receita de bolo de cenoura, algo que Dinah fez questão de ensiná-la quando era criança. Mesmo assim, tentava espremer qualquer coisa da sua mente infértil.Mergulhou a ponta metálica na tinta, pensando na primeira palavra de uma possível história que ainda não existia na sua cabeça, mas um calafrio a atravessou de repente, sua mão esbarrou no potinho de tinta e o conteúdo se derramou sobre a folha. Ela agiu depressa para evitar que estragasse o restante dos seus manuscritos, mas parou ao observar com espanto o que
“Duvenur era considerado por muitos povos da antiguidade o sleniano mais controverso, tal fato se manteve inalterado até o período atual pós-descrínico. Duvenur fez como moradia o interior do crânio do gigante Eltisdes, derrubado por Hallar’ken nas guerras de Belqzardu. Sendo considerado o deus da morte e da piedade, do ódio e do amor, Duvenur também é nomeado como Osein e Abierg. Filho de Ninguém, carrega os títulos mundanos de Preceptor Dúbio, Mestre Ambíguo e Senhor Desolado. Entre os deuses, era principalmente reconhecido como Corvo Sereno e Guerreiro de Negras Seda e Foice. Casado com Tarinfel, a próxima sleniana a ser estudada no capítulo seguinte, teve cinco filhas cujos nomes são debatidos e observados até hoje. O mais aceitável é que elas eram Cecill, Niahr, Átilae, Ciliv e Analesia.”— Aí está você — disse Millena, soando cansada.Fizera pesquisas infrutíferas por diversos títulos até decidir buscar em Um estudo sleniano além da casca, de Edmons Lencster, o qual já revisitara
Os que estavam presentes olharam de imediato para quem entrava, murmúrios incendiaram o local, calaram-se as vozes alteradas. Igualmente repentino foi a troca de olhar de reconhecimento entre pai e filha, Sirius e sua expressão ligeiramente surpresa, nada repreensiva. O silêncio gritante se manteve enquanto Millena levava Brienqcorti até o seu assento no arco de arquibancadas à direita. Havia seis anões munidos de machados, lanças e martelos aguardando-o em pé, sentando-se apenas após o líder.Na outra extremidade do arco, após um notável vazio, reunidos estavam os representantes de Suillardre. Homens grandes e altivos, com vestes em tons de vinho que os mais formidáveis artesãos wendevelianos elogiariam. Estavam acompanhados de uma pequena guarnição própria, lâminas de espadas curvas à mostra.Os Nove Patriarcas dos Pilares Políticos de Wendevel encontravam seus assentos no arco à esquerda, diferentes expressões tomavam seus rostos, sobressaindo a tensão que deixava a atmosfera densa.
— Então, qual a sensação? — Perguntou Nico, pela milésima vez.— Trabalhe de bico fechado — mandou Endrick. — Quero cuidar logo de outro assunto.O rapaz pegou mais um tapete enrolado sobre o ombro e levou para dentro da casa, voltando logo em seguida. Estavam em Elisesile, ajudando no transporte da mobília de uma senhora, um favor que renderia alguns grelv. Era o tipo de trabalho que mais conseguiam pela região, geralmente não compensava o esforço, entretanto era uma boa forma de mostrar a Mercstzine que faziam algo além de “se humilharem completamente” na Arena para se sustentarem.— É só uma pergunta inocente.— Nada que vem de você é inocente.Nico resmungou e levou um estofado, restando dois baús da pilha inclinada que forçaram a se sustentar sobre a carroça no percurso de uma casa para outra.— Você faz um julgamento péssimo de mim — reclamou assim que retornou.— Faço o julgamento mais sensato.— Mas qual a sensação? — Perguntou, levando os últimos objetos, um em cada mão, e vol
Nico despertou duas horas após o anoitecer em um quarto separado apenas para ele. Reconhecia o local, havia um guarda-roupa com as laterais enegrecidas, manchas descendo como raízes causadas por uma goteira sobre o móvel. Dez anos atrás, o som da água de encontro à madeira o despertou de forma gradual. Johen o encontrara na madrugada e se abrigaram na estalagem durante a chuva, não sem antes se molharem, um lugar desconhecido que se tornou difícil de imaginar como tal nas atuais circunstâncias.Houve uma discussão com a senhora Mercstzine para que fossem aceitos, além de estarem encharcados, ela sabia que o homem não teria dinheiro para pagar por um quarto, quiçá por dois. A estalajadeira, porém, viu a criança e soube que ela ficaria doente, concedeu um quarto para ambos e disse que prepararia um chá para quando acordassem. O pequeno Nico jamais esqueceria o sabor daquela bebida, mas de alguma forma compreendia que o tinha salvado, pois a gripe não passou de poucas tosses e uma febre c
O crepitar de folhas mortas os acompanhou enquanto percorriam as vias da cidade, as calçadas ondeando sobre as raízes que cresciam em direção às casas e as copas das árvores batendo em janelas quebradas há muito tempo sem se preocuparem com tesouras para as podarem. Os postes a óleo não iluminavam mais, quem quer que corresse as ruas para acendê-los já estava muito distante, e alguns deles jaziam ao chão envergados, como se os tivessem manejado em uma feroz luta de espadas. Poucas pessoas caminhavam como eles, afastando-se rapidamente quando os avistavam; outras, Nico percebeu, não se incomodavam em desviar o olhar ou disfarçar a intenção de observá-los escondidas, mesmo que descobertas. Ele sentiu um frio no estômago, os olhos de algumas pareciam emanar névoa, mas ele sabia que não era uma indicação de que Johen apareceria.Dirigiam-se ao centro de Cinstrice, onde alguma iluminação escapava de construções distantes entre si, casas, lojas ou fábricas não tão abandonadas, chaminés lança