O ackaminoum não se encontrava no mesmo local. Millena olhou para cima, touros alados sobrevoavam baixo a cidade, mas nenhum deles era marrom como o seu amigo. Seu assobio agudo fez eco por Werimiton, tinha esperança de que ele escutasse, porém nenhum ruflar veio ao seu chamado. Viu-se obrigada a segurar as lágrimas, não podia se jogar sobre joelhos e esmurrar a areia como queria, precisava resolver o problema.— Lá — disse o taverneiro.O olhar de Millena seguiu para onde ele apontava. Centenas de metros à frente, uma confusão se iniciava. Pessoas corriam e gritavam ao mesmo tempo em que asas imensas derrubavam caixas e carroças, assustando cavalos que partiam em galope pelas ruas laterais, causando mais alvoroço. Bervis pulava e fazia círculos, tentando escapar de seu raptor, que era ocultado na poeira que subia. A ackamitzarin assobiou de novo e correu em direção à ele.Esbarrando em pessoas e tropeçando em destroços de madeira, ela chegou àquela cortina que obscurecia a luz do sol.
Atravessaram Thur Iniestre cedo pela manhã, deixando para trás as terras de Wendevel. Bervis conseguiu dar o impulso necessário com suas pernas e sobrevoaram tranquilos a paisagem à frente quando o vento soprou receptivo à presença deles no céu. Às suas costas, o Longo Rio das Raças se tornava apenas uma linha prateada de um horizonte ao outro, uma serpente imensa alimentando vidas por milhares de quilômetros. Adiante, os contornos sombrios da Floresta Áverimr se solidificavam no terreno ondulado, expressando a força que seus domínios possuía, indagava terna e silenciosa se teriam coragem de se aproximar das suas copas, erguidas por troncos imponentes, alimentadas por raízes profundas. Ainda mais distantes, as Montanhas Farynan exibiam suas primeiras silhuetas, acenos indiferentes sinalizando que entravam em terras novas. Terras que talvez não os quisessem.Até o anoitecer do dia seguinte, contornaram a Floresta Áverimr e ultrapassaram a larga passagem entre ela e as montanhas, passand
Millena gritou de novo antes de cair, vários gritinhos seguiram o seu, vindos de dentro da porta metálica que ela não sabia que existia até o momento.— O que seria isso?— “O que seria?” — caçoou a voz. — Isso é. Estamos presos, garota. Se não tem peito para abrir essa porta, dê logo as chaves aqui!— Ah, Nico... — alguém suspirou lá dentro. — Saia daí, você não...— Vocês são ladrões — Millena se ergueu, recolhendo as chaves. — Vou devolver esse molho assim que encontrar as autoridades.Ao menos esperava que houvesse autoridades naquela cidade.— Que molho o quê? Está com fome? Passa as chaves, doida.— Não me chame de doida — ela começava a transferir sua raiva para ele.— Nico, saia daí.A mão sumiu abertura adentro e uma confusão de vozes se iniciou. O peito de Millena ardeu ao perceber que os seus perseguidores se aproximavam não só por um, mas pelos dois lados do beco.— Fique quieta, docinho — um deles sorria, os cabelos como uma nuvem negra de algodão. — Ou faremos você gritar
Caro leitor que descobriu essa história e misteriosamente se interessou, obrigado. Esse livro é a soma de muita dedicação, paciência e, sobretudo, revisão. Tanta revisão que uma versão definitiva parece muito distante de ser alcançada, mas todo trabalho termina e esse não pode ser diferente. Se você gostou do que leu ou está começando a apreciar os primeiros capítulos, eu realmente agradeço e trago boas notícias: mais duas partes desse livro aguardam bravos leitores para navegarem em suas palavras. A Maldição de Dirt'alrus já tem começo, meio e fim, só exige tempo para ser trabalhada.
O crepúsculo morreu aos poucos em suas cores vermelhas. Pôs-se o sol novamente, escondendo-se em um horizonte invisível após o mar. Erensiel, com suas grandes asas deslizando pelo céu noturno, sobrevoava um manto de ondas escuras e pacíficas, logo deixadas para trás ao atravessarem a paisagem de uma praia vazia. Eram as terras de um continente marcado, suas cicatrizes ganhavam forma à medida que avançavam. Os rochedos e depressões simbolizavam sua força, pequenos riachos lembravam o sangue que foi e ainda era derramado. O céu repleto de estrelas, adornado com o sorriso de uma lua minguante, era o reflexo de que ainda havia esperança sobre aquele mundo.O voo castigava o rosto cansado de Morgan. Um ardor crescia em seus olhos e seus cabelos negros esvoaçavam com força, sentia um frio incômodo nas orelhas e o vento sussurrava algo incompreensível. Um forte calafrio percorreu seu corpo, consideraria isso um aviso na suspeita noite que o cobria.Erensiel avistou o acampamento e pousou na p
As vozes nasciam da imensidão acima. A multidão se agitava, a expectativa aumentava à medida que seus passos progrediam no corredor escuro. Embora o percurso tivesse se tornado familiar, sentia-se perdido, como se o caminho único pudesse se ramificar em vários e levá-lo a um calabouço frio onde se encolheria pela eternidade. Lembrou-se da primeira vez em que seus pés pisaram naquele lugar. De como o ímpeto de voltar e desistir era grande, cada batimento era um “não vá”. Não se sentia um lutador da Arena, mas um garoto perdido na vastidão de um mundo onde as sombras reinavam.Naquela noite, sua primeira em Cinstrice, ele enfrentou um adversário experiente, bem maior do que esperava. Todos diziam seu nome e o incentivavam a acabar logo com o novato magrelo. Via a si mesmo como pequeno e incapaz, apesar de sempre tentar parecer o contrário. Seus pés se moviam como se dominados por uma entidade desconhecida, era um espectador no seu próprio corpo, distante e ao mesmo tempo presente. O calo
Manhãs que começavam sem a voz de Mercstzine reverberando pela estalagem eram motivo de preocupação, coisas boas não vinham quando ela ficava muito pensativa. Seu marido diria que o silêncio dela machucava mais do que as palavras, porém o que ela fazia bastante desde que Endrick e Nico praticamente foram morar lá era falar.— Essa foi a terceira vez que vocês se arriscaram em vão até Cinstrice — começou ela, ao ver Endrick entrar na cozinha. — Você ensinou esse garoto direito?— Não se pode ganhar todas — disse ele, a voz branda.Ela largou a faca com a qual cortava suas verduras e olhou para ele.— Também não se pode perder todas. Vocês precisam pagar por ficarem aqui. Os cobradores de impostos não serão tolerantes comigo da mesma forma que eu sou com vocês.— Sabemos disso. Não queremos abusar da sua paciência, mas precisamos de mais tempo.Mercstzine assentiu e cruzou os braços.— Você acha certo?— O quê?— Acha certo ficar levando o garoto para aquele lugar?Uma espécie de culpa p
A cidade de Elisesile ficava ao leste de Ellefen, não muito distante. Poucas árvores margeavam o caminho, a vegetação rasteira era parca e as colinas escondiam perigos que poderiam se revelar quando a noite deixasse suas primeiras horas para trás. O pio de uma coruja lembrou Nico de que criaturas observavam nas sombras. A estrada que percorriam costumava estar movimentada a essa hora do dia com o retorno dos mercadores de Ellefen e de outros vilarejos da região. Estranhamente, isso não acontecia.— Voltaram mais cedo por causa do tempo — disse Endrick, quando Nico perguntou.O sol se pôs sem ser visto. Felizmente, Endrick não se esquecera da lamparina. As árvores se apresentavam na forma de silhuetas tortas e perdidas em meio a uma delicada cortina de névoa. O vento soprava, vindo de longe, das Montanhas Farynan ao norte de Ertiron. Vistas dali, as elevações eram mais negras que a noite, belas e sólidas, perseguindo-os imóveis. O atrito das rodas da carroça com o chão era o único som q