Era um sonho antigo e recorrente. Se eram lembranças do seu passado esquecido, ele não sabia, no entanto o sonho nunca estivera tão nítido quanto naquele momento. Sentia tudo de forma concreta, era ele, uma criança entregue aos soluços do seu pranto. Nico duvidava que sua mente fosse capaz de criar uma ilusão tão perfeita em seu subconsciente, porém relutava em acreditar que realmente era uma cena ocorrida no seu passado.O aperto no peito era intenso e doloroso, não havia nada que pudesse ser feito. O medo, Nico pensou pela primeira vez em como o medo podia deixar alguém sem uma fração de si. As lágrimas enchiam os olhos e percorriam o curto caminho da sua face como um rio cristalino em direção aos seus lábios, o sofrimento era salgado. Veio então o nome pela primeira vez.De tantos sonhos confusos e indistintos, esse foi o único que permitiu relembrar o nome do garoto que morria: Leone. Um nome que achou bonito. Agora era tão óbvio que Nico se perguntou como não conseguiu se lembrar
Nico mordiscava os pães, comumente ignorando o chá de Mercstzine servido a sua frente. Estava pensativo e pouco à vontade diante dos outros. O sonho com Leone, a aparição de Johen, seguido do roubo da misteriosa caixa de Tarci, que ele provavelmente roubara primeiro, foram tantos acontecimentos antes que o dia começasse que sua mente o fazia crer que nem tudo havia acontecido mesmo. Em especial a parte de quase ter sido morto. A adaga voava em sua direção, o tempo ganhou diferentes engrenagens e ele se via incapaz de fazer o simples ato de piscar. Porém o giro do cabo e da lâmina não terminaria como qualquer pessoa pudesse prever, o vento veio e mudou tudo.Endrick se recusou a falar sobre o que fez. No entanto, Nico sabia que uma hora ele atenderia a obrigação de conversar sobre o assunto. Embora o amigo contasse bastante sobre sua vida, reconhecia que inúmeros segredos eram guardados, mas magia estava longe de qualquer suspeita. Isso o levava a criar muitos questionamentos; se Endric
O dia amanheceu tão claro que Millena pensou que o sol batia na janela do seu quarto. O relógio marcava seis e meia, relativamente tarde para o que estava acostumada a levantar. Surpresa, notou que não havia sonhado, nem se esforçando conseguiu trazer algum vestígio. Ficou grata, mas o seu corpo estava dolorido por causa do passeio aéreo do dia anterior com Nerissia. Perderam a noção do tempo planando e fazendo as manobras que os ackaminoums permitiam. Quando pousaram, sua amiga levou broncas de Dinah na cozinha e teve que carregar caixotes e descascar legumes o dia inteiro. Enquanto a Millena, recebeu muito mais volumes para separar do que esperava sua estimativa mais pessimista.Suas nádegas deviam estar marcadas até agora, pois ficara sentada até tarde da noite, levantando-se apenas para o indispensável. Podia ser atrasada, mas se orgulhava de não poderem dizer que não era dedicada. Não tivera absolutamente nenhuma chance de contar a Sirius sobre suas visões, o temor angustiante de
A claridade das velas incomodava seus olhos. Tinha em mão uma pena e a tinta intocada ao lado. Estava sem sono, diferente do que dissera a Sirius meia hora atrás. Uma certa paz a envolveu, satisfação por ele e Argus terem dado um passo importante. Outra parte dela, contudo, mantinha seu ânimo baixo e lhe privava o sono. Tinha costume de escrever no caderninho de capa dura que ganhara do irmão anos antes, porém sua imaginação não estava ativa o suficiente para redigir nem uma receita de bolo de cenoura, algo que Dinah fez questão de ensiná-la quando era criança. Mesmo assim, tentava espremer qualquer coisa da sua mente infértil.Mergulhou a ponta metálica na tinta, pensando na primeira palavra de uma possível história que ainda não existia na sua cabeça, mas um calafrio a atravessou de repente, sua mão esbarrou no potinho de tinta e o conteúdo se derramou sobre a folha. Ela agiu depressa para evitar que estragasse o restante dos seus manuscritos, mas parou ao observar com espanto o que
“Duvenur era considerado por muitos povos da antiguidade o sleniano mais controverso, tal fato se manteve inalterado até o período atual pós-descrínico. Duvenur fez como moradia o interior do crânio do gigante Eltisdes, derrubado por Hallar’ken nas guerras de Belqzardu. Sendo considerado o deus da morte e da piedade, do ódio e do amor, Duvenur também é nomeado como Osein e Abierg. Filho de Ninguém, carrega os títulos mundanos de Preceptor Dúbio, Mestre Ambíguo e Senhor Desolado. Entre os deuses, era principalmente reconhecido como Corvo Sereno e Guerreiro de Negras Seda e Foice. Casado com Tarinfel, a próxima sleniana a ser estudada no capítulo seguinte, teve cinco filhas cujos nomes são debatidos e observados até hoje. O mais aceitável é que elas eram Cecill, Niahr, Átilae, Ciliv e Analesia.”— Aí está você — disse Millena, soando cansada.Fizera pesquisas infrutíferas por diversos títulos até decidir buscar em Um estudo sleniano além da casca, de Edmons Lencster, o qual já revisitara
Os que estavam presentes olharam de imediato para quem entrava, murmúrios incendiaram o local, calaram-se as vozes alteradas. Igualmente repentino foi a troca de olhar de reconhecimento entre pai e filha, Sirius e sua expressão ligeiramente surpresa, nada repreensiva. O silêncio gritante se manteve enquanto Millena levava Brienqcorti até o seu assento no arco de arquibancadas à direita. Havia seis anões munidos de machados, lanças e martelos aguardando-o em pé, sentando-se apenas após o líder.Na outra extremidade do arco, após um notável vazio, reunidos estavam os representantes de Suillardre. Homens grandes e altivos, com vestes em tons de vinho que os mais formidáveis artesãos wendevelianos elogiariam. Estavam acompanhados de uma pequena guarnição própria, lâminas de espadas curvas à mostra.Os Nove Patriarcas dos Pilares Políticos de Wendevel encontravam seus assentos no arco à esquerda, diferentes expressões tomavam seus rostos, sobressaindo a tensão que deixava a atmosfera densa.
— Então, qual a sensação? — Perguntou Nico, pela milésima vez.— Trabalhe de bico fechado — mandou Endrick. — Quero cuidar logo de outro assunto.O rapaz pegou mais um tapete enrolado sobre o ombro e levou para dentro da casa, voltando logo em seguida. Estavam em Elisesile, ajudando no transporte da mobília de uma senhora, um favor que renderia alguns grelv. Era o tipo de trabalho que mais conseguiam pela região, geralmente não compensava o esforço, entretanto era uma boa forma de mostrar a Mercstzine que faziam algo além de “se humilharem completamente” na Arena para se sustentarem.— É só uma pergunta inocente.— Nada que vem de você é inocente.Nico resmungou e levou um estofado, restando dois baús da pilha inclinada que forçaram a se sustentar sobre a carroça no percurso de uma casa para outra.— Você faz um julgamento péssimo de mim — reclamou assim que retornou.— Faço o julgamento mais sensato.— Mas qual a sensação? — Perguntou, levando os últimos objetos, um em cada mão, e vol
Nico despertou duas horas após o anoitecer em um quarto separado apenas para ele. Reconhecia o local, havia um guarda-roupa com as laterais enegrecidas, manchas descendo como raízes causadas por uma goteira sobre o móvel. Dez anos atrás, o som da água de encontro à madeira o despertou de forma gradual. Johen o encontrara na madrugada e se abrigaram na estalagem durante a chuva, não sem antes se molharem, um lugar desconhecido que se tornou difícil de imaginar como tal nas atuais circunstâncias.Houve uma discussão com a senhora Mercstzine para que fossem aceitos, além de estarem encharcados, ela sabia que o homem não teria dinheiro para pagar por um quarto, quiçá por dois. A estalajadeira, porém, viu a criança e soube que ela ficaria doente, concedeu um quarto para ambos e disse que prepararia um chá para quando acordassem. O pequeno Nico jamais esqueceria o sabor daquela bebida, mas de alguma forma compreendia que o tinha salvado, pois a gripe não passou de poucas tosses e uma febre c