As engrenagens giravam no interior da caixinha de madeira, resultando em música e um leve tremor sobre o seu peito. O compasso criado junto aos seus batimentos acalmava, o toque melancólico ordenava para que fechasse os olhos. Ela era teimosa, observava o dossel da cama, vagueando em pensamentos criados por uma trilha sonora de toques mecânicos. Havia um casal que girava à medida que a melodia progredia, de início curvados, mas vagarosos se erguiam em uma dança. Agora estavam perdidos em algum lugar distante, assim como muitas coisas da sua infância. Coisas que envolviam a sua memória.O dossel caiu sobre seus olhos e as cortinas a envolveram tão subitamente quanto a caixinha que se fechou e deixou de tocar. Millena estava em Nivins, a ilha. Sabia que estava, poderia ser diferente? Tinha mais uma vez cinco anos, era óbvio. Qual pessoa não saberia a própria idade? Sentia-se bem e olhava o oceano, não havia praia. Pisava nas pedras descalça sem se incomodar. Estava livre, o vento forte e
— Meu nome é Alec — respondeu, após Endrick perguntar pela segunda vez.Sentava-se em uma cadeira próxima a lareira, assistia a lenha sendo abraçada pelas chamas e se transformando aos poucos em um resquício distante do que era. Ele recusara comida ou roupas secas, apenas quis ficar perto do fogo. Uma fina linha de sangue escorria do canto da sua boca, mas Mercstzine não o convenceu a deixá-la cuidar do ferimento. Apenas isso maculava o rosto pálido de Alec, porém ele estava mais ferido do que aparentava. Mancava um pouco com a perna esquerda, Nico serviu de apoio para carregá-lo até onde estava, e mantinha a mão colada ao lado do corpo. Se tivesse a sorte que Endrick acreditava, talvez nenhuma costela estivesse quebrada. Seu cabelo negro caía sobre seus olhos cinzentos e pensativos.Ele não devia ser muito mais velho que Nico, cuja altura era a mesma. Tinha uma voz grave, possuía um certo ritmo ao pronunciar as palavras. Um sotaque que ninguém reconhecia ou apenas uma maneira própria
Era um sonho antigo e recorrente. Se eram lembranças do seu passado esquecido, ele não sabia, no entanto o sonho nunca estivera tão nítido quanto naquele momento. Sentia tudo de forma concreta, era ele, uma criança entregue aos soluços do seu pranto. Nico duvidava que sua mente fosse capaz de criar uma ilusão tão perfeita em seu subconsciente, porém relutava em acreditar que realmente era uma cena ocorrida no seu passado.O aperto no peito era intenso e doloroso, não havia nada que pudesse ser feito. O medo, Nico pensou pela primeira vez em como o medo podia deixar alguém sem uma fração de si. As lágrimas enchiam os olhos e percorriam o curto caminho da sua face como um rio cristalino em direção aos seus lábios, o sofrimento era salgado. Veio então o nome pela primeira vez.De tantos sonhos confusos e indistintos, esse foi o único que permitiu relembrar o nome do garoto que morria: Leone. Um nome que achou bonito. Agora era tão óbvio que Nico se perguntou como não conseguiu se lembrar
Nico mordiscava os pães, comumente ignorando o chá de Mercstzine servido a sua frente. Estava pensativo e pouco à vontade diante dos outros. O sonho com Leone, a aparição de Johen, seguido do roubo da misteriosa caixa de Tarci, que ele provavelmente roubara primeiro, foram tantos acontecimentos antes que o dia começasse que sua mente o fazia crer que nem tudo havia acontecido mesmo. Em especial a parte de quase ter sido morto. A adaga voava em sua direção, o tempo ganhou diferentes engrenagens e ele se via incapaz de fazer o simples ato de piscar. Porém o giro do cabo e da lâmina não terminaria como qualquer pessoa pudesse prever, o vento veio e mudou tudo.Endrick se recusou a falar sobre o que fez. No entanto, Nico sabia que uma hora ele atenderia a obrigação de conversar sobre o assunto. Embora o amigo contasse bastante sobre sua vida, reconhecia que inúmeros segredos eram guardados, mas magia estava longe de qualquer suspeita. Isso o levava a criar muitos questionamentos; se Endric
O dia amanheceu tão claro que Millena pensou que o sol batia na janela do seu quarto. O relógio marcava seis e meia, relativamente tarde para o que estava acostumada a levantar. Surpresa, notou que não havia sonhado, nem se esforçando conseguiu trazer algum vestígio. Ficou grata, mas o seu corpo estava dolorido por causa do passeio aéreo do dia anterior com Nerissia. Perderam a noção do tempo planando e fazendo as manobras que os ackaminoums permitiam. Quando pousaram, sua amiga levou broncas de Dinah na cozinha e teve que carregar caixotes e descascar legumes o dia inteiro. Enquanto a Millena, recebeu muito mais volumes para separar do que esperava sua estimativa mais pessimista.Suas nádegas deviam estar marcadas até agora, pois ficara sentada até tarde da noite, levantando-se apenas para o indispensável. Podia ser atrasada, mas se orgulhava de não poderem dizer que não era dedicada. Não tivera absolutamente nenhuma chance de contar a Sirius sobre suas visões, o temor angustiante de
A claridade das velas incomodava seus olhos. Tinha em mão uma pena e a tinta intocada ao lado. Estava sem sono, diferente do que dissera a Sirius meia hora atrás. Uma certa paz a envolveu, satisfação por ele e Argus terem dado um passo importante. Outra parte dela, contudo, mantinha seu ânimo baixo e lhe privava o sono. Tinha costume de escrever no caderninho de capa dura que ganhara do irmão anos antes, porém sua imaginação não estava ativa o suficiente para redigir nem uma receita de bolo de cenoura, algo que Dinah fez questão de ensiná-la quando era criança. Mesmo assim, tentava espremer qualquer coisa da sua mente infértil.Mergulhou a ponta metálica na tinta, pensando na primeira palavra de uma possível história que ainda não existia na sua cabeça, mas um calafrio a atravessou de repente, sua mão esbarrou no potinho de tinta e o conteúdo se derramou sobre a folha. Ela agiu depressa para evitar que estragasse o restante dos seus manuscritos, mas parou ao observar com espanto o que
“Duvenur era considerado por muitos povos da antiguidade o sleniano mais controverso, tal fato se manteve inalterado até o período atual pós-descrínico. Duvenur fez como moradia o interior do crânio do gigante Eltisdes, derrubado por Hallar’ken nas guerras de Belqzardu. Sendo considerado o deus da morte e da piedade, do ódio e do amor, Duvenur também é nomeado como Osein e Abierg. Filho de Ninguém, carrega os títulos mundanos de Preceptor Dúbio, Mestre Ambíguo e Senhor Desolado. Entre os deuses, era principalmente reconhecido como Corvo Sereno e Guerreiro de Negras Seda e Foice. Casado com Tarinfel, a próxima sleniana a ser estudada no capítulo seguinte, teve cinco filhas cujos nomes são debatidos e observados até hoje. O mais aceitável é que elas eram Cecill, Niahr, Átilae, Ciliv e Analesia.”— Aí está você — disse Millena, soando cansada.Fizera pesquisas infrutíferas por diversos títulos até decidir buscar em Um estudo sleniano além da casca, de Edmons Lencster, o qual já revisitara
Os que estavam presentes olharam de imediato para quem entrava, murmúrios incendiaram o local, calaram-se as vozes alteradas. Igualmente repentino foi a troca de olhar de reconhecimento entre pai e filha, Sirius e sua expressão ligeiramente surpresa, nada repreensiva. O silêncio gritante se manteve enquanto Millena levava Brienqcorti até o seu assento no arco de arquibancadas à direita. Havia seis anões munidos de machados, lanças e martelos aguardando-o em pé, sentando-se apenas após o líder.Na outra extremidade do arco, após um notável vazio, reunidos estavam os representantes de Suillardre. Homens grandes e altivos, com vestes em tons de vinho que os mais formidáveis artesãos wendevelianos elogiariam. Estavam acompanhados de uma pequena guarnição própria, lâminas de espadas curvas à mostra.Os Nove Patriarcas dos Pilares Políticos de Wendevel encontravam seus assentos no arco à esquerda, diferentes expressões tomavam seus rostos, sobressaindo a tensão que deixava a atmosfera densa.