Capítulo 2

- Você tem uma mão pesada, garotinha.

- Eu não sou uma garotinha.

Adam e eu estávamos sentados, cada um em uma ponta, em uma longa mesa de madeira escura em um escritório de advocacia.  Achei por bem manter uma distância segura o suficiente para não o atacar novamente. Já havia se passado três dias desde o nosso encontro no túmulo do meu irmão, mas meu ódio por ele parecia só aumentar.

- Achei que tinha uns cinco, quando o Otto me pediu que se algo o acontecesse eu cuidasse de você.

- Aposto que achou que eu tinha bem mais quando estava me despindo com os olhos naquela cripta.

- Uns vinte e cinco, pelo menos... – disse sorrindo, enquanto tomava um gole do seu copo de café do Starbucks. – A roupa e a maquiagem ajudam.

- Bom, eu tenho vinte, não sou uma garotinha e não preciso de uma babá.

- Acho que o Otto discordava disso. E eu também, na verdade. Andei lendo sobre você.

Poderia ter me afundado na cadeira naquele momento, mas assim como meu irmão, eu não era do tipo que me encolhia. Eu conhecia a minha reputação online e por mais exagerada que pudesse ser, não era exatamente uma mentira.

Kara Milani: a herdeira de uma bilionária rede de hotéis que perdera os pais ainda aos quatro anos. Seu irmão, Otto Milani, nove anos mais velho, assumira os negócios da família assim que se tornara maior de idade. Mas Kara nunca teve interesse mais profundos do que comer caviar e beber champanhe na cobertura de um dos seus hotéis, fosse em Paris, Londres, Roma ou qualquer outra capital da moda. Seus hobbies incluíam colecionar bolsas de grifes e sapatos de luxo, frequentar as baladas mais exclusivas e beijar na boca de qualquer gatinho que fosse ao menos uma subcelebridade em ascensão.

- Uau, você acredita em tudo que está na internet? – Tentei manter o meu tom de deboche o mais evidente possível – É, tipo, um tiozão do W******p?

Eu tinha pegado pesado. Ele nem era tão mais velho assim. Se as pesquisas que eu fiz sobre ele na internet estivessem certas, ele tinha vinte e nove anos, e tinha sido da mesma turma do meu irmão na faculdade de administração, que foi onde se conheceram. Tanto Otto quando Adam eram tão bons alunos que logo se tornaram melhores amigos e inseparáveis. Adam foi trabalhar na Milani assim que se formou e não demorou a galgar seu espaço lá dentro.

- Não tenho tempo para redes sociais. Ou com certeza já teria te visto fazendo dancinha com roupas indecentes no TikTok.

Bem, eu estava mesmo, e daí?

- Você ia gostar, não é mesmo? – Provoquei, me inclinando delicadamente para frente.

A porta de madeira se abriu de repente, fazendo com que eu voltasse a me aprumar em meu lugar e fingindo que aquela conversa nunca tinha acontecido.

- Senhor Benatti, senhorita Milani, boa tarde. Bem-vindos ao nosso escritório, eu sou a Amanda. Creio que saibam por que estão aqui, visto que meus associados já conversaram individualmente com cada um de vocês, mas gostaríamos de uma conversa com ambos juntos antes de assinarmos os contratos.

- Ou não assinarmos – deixo escapar.

- Não assinar? – O comentário parece pegar Amanda de surpresa. – A senhorita sabe quais seriam as consequências, certo?

Não exatamente. Eu não era nada familiarizada com “língua de advogado”, não era muito propensa a ler contratos e tinha ficado revoltada o suficiente com o fato do meu irmão achar que eu precisava de um tutor para prestar atenção em qualquer outra coisa.

- Refresque minha memória – digo. – Mas... explica de um jeito fácil.

Preciso conter um palavrão quando Adam deixa escapar uma risadinha.

- Bom, atualmente 70% das ações da Milani pertencem a sua família, sendo 35% pertencentes a senhorita e 35% pertencentes ao seu irmão. Era o Otto quem administrava todas essas ações, conforme vontade de seus pais, até que a senhorita viesse a se formar na faculdade de administração e assumisse um cargo na empresa.

- Sim – digo. Eu já sabia de tudo aquilo.

- Seu irmão, porém, deixou em testamento sua vontade de que dos seus 35% sejam repassados 19% para o, aqui presente, senhor Benatti, seu parceiro de negócios de longa data. Somando-se aos 5% que já possui, o senhor Benatti totaliza 23% das ações da Milani. Já a senhorita recebe os 16% restante, que somado aos seus 35% lhe rendem 51% da empresa.

Ainda era o suficiente para dar a nossa família, que agora se resumia a mim, a decisão absoluta sobre qualquer assunto referente a nossa rede de hotéis. Aquilo, com certeza, não tinha sido por acaso.

- Acontece que, como a senhorita ainda não é formada, de acordo com o testamento deixado por seus pais, sua parte das ações ainda precisa ser administrada por um tutor, e seu irmão determinou em testamento que esse tutor será o senhor Adam Benatti. Ela cuidará não só das suas ações, como também da senhorita, se tornando responsável por 75% das ações, bem como assumindo o cargo de CEO da empresa.

- Isso é ridículo! – Protesto. – Eu tenho vinte anos, tutores são para menores de idade.

- Correto, exceto que a condição da tutoria até a sua formatura, bem como a do seu irmão também, foi uma condição estabelecida no testamento dos seus pais para que você recebesse a sua herança.

- Acho melhor explicar claramente para ela o que isso significa – Adam ainda tinha um sorrisinho no rosto de quem estava se divertindo com a situação.

- A senhorita pode optar por não ter um tutor, esse é seu direito perante a lei, mas isso faria com que perdesse a sua herança.

- Perder meu dinheiro?

- Sua herança seria doada para a caridade e suas ações repartidas proporcionalmente entre todos os outros acionistas da Milani – a resposta vem de Adam.

Minha cabeça começa a trabalhar rapidamente em busca de uma solução. Eu já tinha ficado chateada o suficiente com Otto ao saber que ele tinha deixado minhas ações nas mãos desse tal de Adam... Mas deixar minha vida toda também? Me jogar na sarjeta se eu não cumprisse com o que ele queria? Era ridículo. Claro, era típico do que eu ouvia sobre Otto Milani quando se tratava de negócios: implacável. Mas não parecido com o que eu conhecia do meu irmão Otto.

- Você pode escolher não aceitar ser meu tutor.

- Posso, mas daria no mesmo. As ações do seu irmão, incluindo as suas que ele administrava, seriam repartidas entre os outros associados.

- Otto, seu otário! – deixo escapar.

- Ele fez isso para o seu bem – Adam dizia. – O maior medo do Otto era que você acabasse sozinha no mundo.

- Bem, eu estou, não estou? – Tudo isso porque aquele idiota não usou o cinto de segurança!

- Não, não está. Eu vou cuidar de você.

- Claro que vai! Vai ganhar muito dinheiro com isso!

- Eu vou sim – ele admite. – Mas eu faria qualquer coisa pelo meu melhor amigo, ainda que tudo que ele tivesse me deixado de herança fosse uma garotinha irritante com a língua maior que a boca.

- Eu não sou uma garotinha.

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