- Você tem uma mão pesada, garotinha.
- Eu não sou uma garotinha.
Adam e eu estávamos sentados, cada um em uma ponta, em uma longa mesa de madeira escura em um escritório de advocacia. Achei por bem manter uma distância segura o suficiente para não o atacar novamente. Já havia se passado três dias desde o nosso encontro no túmulo do meu irmão, mas meu ódio por ele parecia só aumentar.
- Achei que tinha uns cinco, quando o Otto me pediu que se algo o acontecesse eu cuidasse de você.
- Aposto que achou que eu tinha bem mais quando estava me despindo com os olhos naquela cripta.
- Uns vinte e cinco, pelo menos... – disse sorrindo, enquanto tomava um gole do seu copo de café do Starbucks. – A roupa e a maquiagem ajudam.
- Bom, eu tenho vinte, não sou uma garotinha e não preciso de uma babá.
- Acho que o Otto discordava disso. E eu também, na verdade. Andei lendo sobre você.
Poderia ter me afundado na cadeira naquele momento, mas assim como meu irmão, eu não era do tipo que me encolhia. Eu conhecia a minha reputação online e por mais exagerada que pudesse ser, não era exatamente uma mentira.
Kara Milani: a herdeira de uma bilionária rede de hotéis que perdera os pais ainda aos quatro anos. Seu irmão, Otto Milani, nove anos mais velho, assumira os negócios da família assim que se tornara maior de idade. Mas Kara nunca teve interesse mais profundos do que comer caviar e beber champanhe na cobertura de um dos seus hotéis, fosse em Paris, Londres, Roma ou qualquer outra capital da moda. Seus hobbies incluíam colecionar bolsas de grifes e sapatos de luxo, frequentar as baladas mais exclusivas e beijar na boca de qualquer gatinho que fosse ao menos uma subcelebridade em ascensão.
- Uau, você acredita em tudo que está na internet? – Tentei manter o meu tom de deboche o mais evidente possível – É, tipo, um tiozão do W******p?
Eu tinha pegado pesado. Ele nem era tão mais velho assim. Se as pesquisas que eu fiz sobre ele na internet estivessem certas, ele tinha vinte e nove anos, e tinha sido da mesma turma do meu irmão na faculdade de administração, que foi onde se conheceram. Tanto Otto quando Adam eram tão bons alunos que logo se tornaram melhores amigos e inseparáveis. Adam foi trabalhar na Milani assim que se formou e não demorou a galgar seu espaço lá dentro.
- Não tenho tempo para redes sociais. Ou com certeza já teria te visto fazendo dancinha com roupas indecentes no TikTok.
Bem, eu estava mesmo, e daí?
- Você ia gostar, não é mesmo? – Provoquei, me inclinando delicadamente para frente.
A porta de madeira se abriu de repente, fazendo com que eu voltasse a me aprumar em meu lugar e fingindo que aquela conversa nunca tinha acontecido.
- Senhor Benatti, senhorita Milani, boa tarde. Bem-vindos ao nosso escritório, eu sou a Amanda. Creio que saibam por que estão aqui, visto que meus associados já conversaram individualmente com cada um de vocês, mas gostaríamos de uma conversa com ambos juntos antes de assinarmos os contratos.
- Ou não assinarmos – deixo escapar.
- Não assinar? – O comentário parece pegar Amanda de surpresa. – A senhorita sabe quais seriam as consequências, certo?
Não exatamente. Eu não era nada familiarizada com “língua de advogado”, não era muito propensa a ler contratos e tinha ficado revoltada o suficiente com o fato do meu irmão achar que eu precisava de um tutor para prestar atenção em qualquer outra coisa.
- Refresque minha memória – digo. – Mas... explica de um jeito fácil.
Preciso conter um palavrão quando Adam deixa escapar uma risadinha.
- Bom, atualmente 70% das ações da Milani pertencem a sua família, sendo 35% pertencentes a senhorita e 35% pertencentes ao seu irmão. Era o Otto quem administrava todas essas ações, conforme vontade de seus pais, até que a senhorita viesse a se formar na faculdade de administração e assumisse um cargo na empresa.
- Sim – digo. Eu já sabia de tudo aquilo.
- Seu irmão, porém, deixou em testamento sua vontade de que dos seus 35% sejam repassados 19% para o, aqui presente, senhor Benatti, seu parceiro de negócios de longa data. Somando-se aos 5% que já possui, o senhor Benatti totaliza 23% das ações da Milani. Já a senhorita recebe os 16% restante, que somado aos seus 35% lhe rendem 51% da empresa.
Ainda era o suficiente para dar a nossa família, que agora se resumia a mim, a decisão absoluta sobre qualquer assunto referente a nossa rede de hotéis. Aquilo, com certeza, não tinha sido por acaso.
- Acontece que, como a senhorita ainda não é formada, de acordo com o testamento deixado por seus pais, sua parte das ações ainda precisa ser administrada por um tutor, e seu irmão determinou em testamento que esse tutor será o senhor Adam Benatti. Ela cuidará não só das suas ações, como também da senhorita, se tornando responsável por 75% das ações, bem como assumindo o cargo de CEO da empresa.
- Isso é ridículo! – Protesto. – Eu tenho vinte anos, tutores são para menores de idade.
- Correto, exceto que a condição da tutoria até a sua formatura, bem como a do seu irmão também, foi uma condição estabelecida no testamento dos seus pais para que você recebesse a sua herança.
- Acho melhor explicar claramente para ela o que isso significa – Adam ainda tinha um sorrisinho no rosto de quem estava se divertindo com a situação.
- A senhorita pode optar por não ter um tutor, esse é seu direito perante a lei, mas isso faria com que perdesse a sua herança.
- Perder meu dinheiro?
- Sua herança seria doada para a caridade e suas ações repartidas proporcionalmente entre todos os outros acionistas da Milani – a resposta vem de Adam.
Minha cabeça começa a trabalhar rapidamente em busca de uma solução. Eu já tinha ficado chateada o suficiente com Otto ao saber que ele tinha deixado minhas ações nas mãos desse tal de Adam... Mas deixar minha vida toda também? Me jogar na sarjeta se eu não cumprisse com o que ele queria? Era ridículo. Claro, era típico do que eu ouvia sobre Otto Milani quando se tratava de negócios: implacável. Mas não parecido com o que eu conhecia do meu irmão Otto.
- Você pode escolher não aceitar ser meu tutor.
- Posso, mas daria no mesmo. As ações do seu irmão, incluindo as suas que ele administrava, seriam repartidas entre os outros associados.
- Otto, seu otário! – deixo escapar.
- Ele fez isso para o seu bem – Adam dizia. – O maior medo do Otto era que você acabasse sozinha no mundo.
- Bem, eu estou, não estou? – Tudo isso porque aquele idiota não usou o cinto de segurança!
- Não, não está. Eu vou cuidar de você.
- Claro que vai! Vai ganhar muito dinheiro com isso!
- Eu vou sim – ele admite. – Mas eu faria qualquer coisa pelo meu melhor amigo, ainda que tudo que ele tivesse me deixado de herança fosse uma garotinha irritante com a língua maior que a boca.
- Eu não sou uma garotinha.
Eu assinei aquele contrato idiota que fazia valer a vontade do meu irmão, é claro. Era isso ou aprender a trabalhar com coisas como... sei lá, eu nunca precisei nem arrumar minha cama ou lavar um copo sozinha, não faço ideia de com o que eu poderia trabalhar. Seriam só dois anos. Esse era o tempo que eu levaria até terminar a faculdade e poder responder pelo meu dinheiro, minhas ações da Milani e pelos meus próprios atos.- Eu andei pensando muito nos últimos dias... Precisamos definir algumas coisas. Algumas regras.Adam tinha me convidado para almoçar no restaurante do Milani de Copacabana. Era nosso hotel conceito no Brasil e o único que agregava, além de quartos para hospedes tradicionais – que normalmente ficavam pouco tempo - uma ala inteira para hospedes de longo prazo, que normalmente eram alugados semestralmente ou anualmente e funcionavam como verdadeiros apartamentos, mas com os privilégios de ter café da manhã gratuito, serviço de quarto por 24 horas, camareira todos os di
- Ele é 10/10! – Manu me devolve meu iphone, que exibia uma foto de Adam sem camisa durante um jogo de futebol.Eu tinha encontrado o Instagram dele, é claro. Não que tivesse muita coisa por lá, ele parece ser do tipo mais reservado nas redes sociais. Mas aquela foto em específico me chamou atenção, assim como chamou de Manu. Era impossível não reparar no corpo sarado e super desenhado de Adam.- Ele é chato! – Afirmo.Minha melhor amiga e eu estávamos deitadas em espreguiçadeiras acolchoadas na praia, embaixo de grandes guarda-sóis que tinham a função de não deixar a minha pele alva fazer cosplay de tomate cereja em menos de cinco minutos. Meus longos cabelos loiros estavam amarrados em um coque despretensioso e grandes óculos escuros escondiam meus olhos.Por mais que o Milani tivesse uma praia privativa, Manu e eu gostávamos de ficar em uma área pública, próximo de um excelente ponto para surfistas e uma área onde sempre havia garotos jogando vôlei. Era, no mínimo, agradável aos ol
Eu tinha feito um bom trabalho com o blazer e o cinto. Acabei abotoando novamente a peça, porém propositalmente com uma casa de diferença, ganhando uma pequena fenda na parte das pernas. Não vesti as mangas, amarrando-as para trás de forma a dar um laço. Por fim, arrematei tudo com o cinto de Adam, marcando minha cintura fina. Cacei na bolsa um prendedor de cabelo e fiz um coque despretensioso nos meus fios loiros. E pronto! Até parecia que eu tinha me vestido daquela forma premeditadamente, não sei por que Adam continuava com aquela cara amarrada.- Ela é tão estilosa! – Ouvi uma voz feminina dizer, quando eu ia passando e sorri em resposta. Eu era mesmo, não era?A sala de reuniões não era diferente de muitas das outras que eu já tinha visto – em filmes! Uma grande mesa central de madeira com poltronas acolchoadas, um telão pronto para exibir apresentações e extensas janelas de vidro com vista para o mar.- Perdoem-me o atraso, senhores – Adam já foi logo dizendo ao se deparar com a
Eu nunca fui capaz de entender tão perfeitamente, quanto naquela manhã, o motivo pelo qual as pessoas reclamavam tanto de um dia de trabalho. O fato é que o dia mal tinha começado e já estava indo bem mal. A começar pelo fato de que ainda que eu tivesse levantado muito cedo, eu já estava atrasada. Então, precisei me arrumar correndo e nem mesmo tive tempo de desfrutar do café da manhã do hotel.Por sorte, no momento em que cruzei as portas de vidro que davam acesso ao prédio do escritório administrativo da Milani, uma menina sorridente vinha passando com uma bandeja de papelão com dois copos da Starbucks. Caramba, eu até imaginei que nós teríamos máquinas de café expresso para os funcionários, mas serviço de entrega de café da Starbucks era muito legal!- Obrigada! – Agradeço, feliz por consegui pegar as duas últimas unidades e automaticamente levando um dos copos aos lábios.- Hey, o que você pensa que tá... – A garota se cala e arregala ligeiramente os olhos. – Senhorita Milani! Des
Eu tinha tanta convicção de quão perfeita a minha ideia era que apenas decidi colocar em prática. Como diziam, era mais fácil pedir perdão do que pedir permissão. Sendo assim, Adam não podia nem sonhar em descobrir algo antes da hora. O que não era exatamente um problema, eu duvidava muito que qualquer um daqueles jovens tivessem acesso a ele. Agora, Sandra era a pessoa que podia colocar tudo a perder.- Eu não posso permitir que você faça isso... – ela me olhava com os olhos ligeiramente arregalados quando a procurei em sua sala para explicar. – Liberar não só o pessoal do marketing como vários outros funcionários? Eu nem tenho autoridade para isso.- Não é liberar – eu tento negociar. – É um dia de trabalho. Só que um pouco diferente.- Kara, você sabe que precisa de uma aprovação do senhor Benatti para...- Sandra... – eu sorrio e caminho até a cadeira diante dela, me sentando mesmo sem ter sido convidada. – É meu hotel. É minha empresa. É minha ideia. E você sabe que é uma excelen
Tudo bem, talvez tenha sido bom Adam ter ligado e me jogado um balde de água fria. Eu tinha organizado todo aquele evento. Se eu simplesmente desaparecesse e não saísse em nenhuma foto depois das tiradas durante o café da manhã seria, no mínimo, estranho, certo?Então eu coloquei um biquíni comportado (ao menos eu esperava que fosse) e aproveitei uma manhã de sauna, piscina e fofoca com as garotas (exceto Manu, claro, que tinha desaparecido com Pablo). Elas pareciam um pouco desconfortáveis no começo, mas nada que algumas taças de champanhe não as fizessem falar. Em pouco tempo eu já estava sabendo quem era a fim de quem, quem já tinha pegado quem e até uma história quente sobre um casal que foi visto aos amassos no almoxarifado.- E o Adam? – Me pego perguntando. – Alguma fofoca?- O Adam? – Maya estranha e eu dou de ombros.- Só curiosidade.- Ah, ele e o Otto eram bem galinhas – ela diz. – Mas nunca soube de nada de dentro do escritório. E depois que o Otto... – ela se detém repent
- E o que ele queria? - Só ser um pé no saco – reviro os olhos. – Perguntou como as coisas estavam indo e se eu estava mantendo tudo dentro do controle. Estava almoçando com Manu enquanto a atualizava sobre a situação com Luca e como Adam teve a habilidade de nos ligar exatamente no momento em que as coisas estavam ficando quentes entre nós. - Acha que ele estava te espionando? - Adam? – Eu rio. – Claro que não! - Foi meio estranho. Ele não tem acesso as câmeras do hotel? - Tem, mas eu pedi que desligassem as câmeras do terraço. Não sou louca nesse nível, Manu! - Tá, mas como o Jacob sabia exatamente onde te encontrar? - Onde mais eu estaria depois de pedir para desligarem as câmeras? – Dou de ombros. – Adam só estava dando uma de chefe chato, com aquela voz mandona e irritada dele. - Então tá. E você vai dar outra chance pro garoto? - Pro Luca? Por que não? - Sei lá, pelo que você disse só falta
~ADAM~Eu podia ter encerrado a festa de forma a fazer Kara passar vergonha. Mas eu não fiz. Ela organizou tudo pelas minhas costas, fez as coisas de uma maneira torta e piorou tudo consideravelmente ao se envolver com aquele garoto... Mas, de fato, abrir as portas do Milani para os funcionários, que nunca tiveram a oportunidade de estar lá, e registrar tudo para a nossa campanha de verão, que tinha exatamente aquele público alvo, era uma ótima ideia. E foi só por isso que pedi que o DJ iniciasse sua sequência de encerramento e avisasse que os carros estariam disponíveis para levar os funcionários em casa a partir daquele momento, fazendo com que tudo parecesse estar correndo de acordo com o previsto.O problema mesmo veio depois, ao lidar com os fotógrafos e descobrir que Kara não tinha feito um contrato de confidencialidade com eles. Isso me fez gastar um tempo e um dinhe