Capítulo 3

Eu assinei aquele contrato idiota que fazia valer a vontade do meu irmão, é claro. Era isso ou aprender a trabalhar com coisas como... sei lá, eu nunca precisei nem arrumar minha cama ou lavar um copo sozinha, não faço ideia de com o que eu poderia trabalhar. Seriam só dois anos. Esse era o tempo que eu levaria até terminar a faculdade e poder responder pelo meu dinheiro, minhas ações da Milani e pelos meus próprios atos.

- Eu andei pensando muito nos últimos dias... Precisamos definir algumas coisas. Algumas regras.

Adam tinha me convidado para almoçar no restaurante do Milani de Copacabana. Era nosso hotel conceito no Brasil e o único que agregava, além de quartos para hospedes tradicionais – que normalmente ficavam pouco tempo - uma ala inteira para hospedes de longo prazo, que normalmente eram alugados semestralmente ou anualmente e funcionavam como verdadeiros apartamentos, mas com os privilégios de ter café da manhã gratuito, serviço de quarto por 24 horas, camareira todos os dias, além de outros privilégios. A cobertura dessa ala era o único local que tinha uma cliente vitalícia: eu mesmo.

- Diga – respondi, sem tirar meus olhos da tela do meu celular.

- Pode colocar isso de lado, por favor?

Eu levanto rapidamente os olhos para ele, e volto a baixar para o meu celular. Por mais que sua expressão fosse o mais neutra possível, eu poderia dizer que estava com raiva.

- Não sei se sua geração é meio lenta, mas eu consigo prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo.

Mal me dou conta de quando o celular sai voando da minha mão e vai parar em posse de Adam. Ele avalia a tela desbloqueada por um breve instante, um sorrisinho se formando em seu rosto. Mas não demora muito para que ele coloque o aparelho, virado para baixo, próximo a ele na mesa.

- Hey! – Protesto. – Isso é particular!

- Regra número um: sem celular durante as refeições que faremos juntos.

- Refeições que faremos juntos? – Desdenho. – Como se isso fosse se repetir com frequência.

- Alguma frequência, já que vamos morar juntos.

- O quê? – Preciso me controlar para não gritar. Os olhares se voltando na minha direção me alertam que talvez eu não tenha tido tanto sucesso nisso.

- Regra número dois: - ele me ignora totalmente. – Se vai mandar fotos dos seus peitos para alguém ao menos censura o seu rosto. A gente vai ter uma grande dor de cabeça se nudes da princesinha Milani vazarem por aí. E aliás, não precisa colocar esses filtros, eles já são bem... agradáveis.

- Por mais que o maior desejo da minha vida sempre tenha sido ouvir de alguém o quando os meus peitos são... agradáveis, será que... Ah, oi Jacob!

- Boa tarde, Kara! Digo, senhorita Milani, Kara... Mais vinho?

- Sim, obrigada.

Tento não rir de Jacob, um dos garçons mais jovens, devido ao seu desconforto por ter ouvido a conversa sobre meus peitos e tremido tanto que derramou vinho na toalha de mesa.

- Tenham uma boa refeição – ele diz, antes de se retirar.

- Morar juntos. – Automaticamente me volto para Adam. – Podemos voltar para essa parte?

- É óbvio, não? Como poderei cuidar de você se não estivermos próximos?

- Olha... vamos esquecer essa bobagem de “cuidar de mim”? A gente sabe muito bem que eu sei me cuidar sozinha. Eu tenho tudo o que preciso aqui no Milani.

- Menos supervisão, não é mesmo? – Viro uma boa quantidade do meu vinho porque tenho certeza de que não vou gostar do que vem pela frente. – Liguei para sua faculdade, você está quase perdendo o semestre porque mal aparece para as aulas.

- Foi um semestre difícil – digo, me referindo a morte do meu irmão.

- O final do semestre passado foi difícil – ele concorda. – Eles basicamente te deixaram passar por pena. Esse semestre você tem faltado para ir a bares e festas.

- É isso que você quer, que eu prometa que não vou mais matar aula? Ok, eu prometo.

- E você também vai começar um estágio comigo, na área administrativa da Milani. De segunda a sexta, das oito da manhã ao meio-dia. E em horários extras quando tivermos reuniões.

Dessa vez nos calamos quando um novo garçom vem servir nossos pratos. Eu já tinha provado cada um dos pratos daquele restaurante, da entrada a sobremesa. Mas as massas eram especialmente saborosas. Não resisto em dar uma garfada tão logo o garçom se afaste.

- Ok – volto ao assunto. Não tinha por que eu relutar, até porque eu sabia que esse era um desejo de Otto já há algum tempo e provavelmente Adam apenas o estava colocando em prática. – Mas alguma coisa, tutor?

Ele revira os olhos com o desdém que coloco na palavra.

- Muitas – ele admite. – Vamos precisar rever muitos dos seus hábitos. Você agora é o rosto da Milani e definitivamente não queremos alguém nos representando que seja conhecida por gastos extravagantes e por fazer strip-tease em boates depois de beber e fazer sei lá mais o que...

- Eu não uso drogas – deixo claro. – Já usei – admito. – Mas não é minha praia.

- Mas o que temos de mais urgente para definir é: meu apartamento ou o seu?

- O quê? – Estranho. Eu definitivamente estava acostumada a ouvir aquela frase durante jantares regados de muita bebida, não durante um almoço com apenas duas taças de vinho.

- Para morar. Meu apartamento ou o seu?

- Ambos – respondo. – Você no seu, eu no meu. – Eu também estava acostumada a dar essa resposta em outro contexto.

- Isso não é uma opção.

- É claro que é.

- Você sabe que eu posso te obrigar, não sabe? Estou sendo legal em te dar uma escolha porque esse almoço definitivamente está fazendo meu dia mais feliz, mas é muito improvável que eu continue agindo assim no futuro, então... Meu apartamento ou o seu?

- Eu não vou sair do Milani, isso não faz nem sentido. Você mesmo disse que eu sou a cara desse hotel agora.

- Eu me mudo o quanto antes.

- Tem outros apartamentos vazios, sabe... Você não precisa ficar exatamente, no meu.

- Quantos quartos vazios tem no apartamento, Kara?

Penso rapidamente.

- Três... Não, dois, se não contar o que eu uso como ampliação do closet.

- Acho que isso já responde o seu questionamento. Eu vou me mudar para o seu apartamento. Ou melhor, nosso apartamento.

- Quer saber, Adam... Você está fazendo um ótimo papel como Otto. É tão pé no saco quanto ele era.

Ainda que mal tenha tocado na minha comida, me levando e deixo o restaurante, irritada. Eu deveria supor que o melhor amigo do meu irmão fosse tão implacável comigo quanto ele possivelmente era nos negócios.

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