A Herdeira Mimada e o CEO
A Herdeira Mimada e o CEO
Por: Kayla Sango
Capítulo 1

Eu odiava cemitérios. Algumas pessoas costumavam dizer que lugares como aquele traziam a calmaria para aqueles que precisavam do descanso eterno, o acalento para aqueles que ainda buscavam algum tipo de contato com seus entes que se foram, ou ainda a paz de espírito para aqueles que precisavam de um ponto final para certas histórias. Para mim, aquele lugar não passava de um depósito de corpos em decomposição e por isso eu tinha demorado cerca de seis meses para conseguir estar aí.

- E aí? – Perguntei olhando para a lápide que exibia o nome Otto Milani. – Tô aqui... É estranho porque eu sinto que estou falando com um amontoado de ossos e não com você de verdade, mas a doutora Lee me disse que eu precisava fazer isso como um rito de passagem, ou sei lá, e aqui estou eu... Lembra dela, né, a dourara Lee? Minha psicóloga desde que perdi meus pais, e continuou sendo agora que perdi você.

Meu olhar vaga pelo lugar enquanto tento encontrar palavras para continuar dizendo tudo que preciso dizer a Otto. Um enterro está acontecendo não muito longe dali, observo pela janela de vitrais da cripta, e uma mulher com um choro descontrolado rouba minha atenção por um minuto. Não chorei por Otto, ao menos não em público. Muito menos em seu enterro, já que não estive presente.

Resolvo me sentar em um banquinho e tento manter minha atenção longe da mulher chorosa, voltando a encarar a lápide como se o rosto de Otto pudesse me olhar de volta. Bem, é claro que havia uma foto dele ali, mas não era exatamente disso que eu estava falando.

Meu vestido preto colado ao corpo reluta um pouco contra o movimento, subindo através de minhas coxas. Eu não ligo. Era somente eu e ossos ali.

- Faz seis meses desde que você partiu, e semana passada finalmente abriram seu testamento... Você é mesmo um idiota, não é? Eu tenho vinte anos agora, Otto, vinte anos! Você realmente acha que eu não sei cuidar sozinha de mim mesma? Por favor... Para começo de conversa, eu estava usando cinto de segurança aquela noite e você não, tá? – As lágrimas finalmente começam a brotar em meus olhos. Lágrimas que engoli por meses. – Quem é que não sabe se cuidar, hein? Olha onde eu estou e olha onde você está!

Tive que controlar a vontade de gritar com Otto, ou... com o que quer que tenha sobrado dele depois desse tempo. Abaixo o par de óculos de sol, que estava em minha cabeça, para cobrir meus olhos azuis. Tanto para evitar a forte luz solar, que entrava pelas janelas, de machucá-los, quanto para esconder as lágrimas.

- Você me deixou sozinha por causa de uma imprudência idiota e eu nunca vou te perdoar por isso! Você jurou para mim que nós dois íamos ficar para sempre juntos, lembra? Você jurou seu idiota!

Voltei a me calar. Estava ficando emotiva demais e eu odiava ser emotiva. Se alguém me visse agora, se alguém me visse chorando... “A garota com coração mais gelado do que o azul dos seus olhos” como as redes sociais de fofoca costumavam descrever, aposto que eles adorariam uma foto minha com os olhos vermelhos agora.

- Lembra quando a gente fez aquela viagem para os Alpes Suíços e eu fui um desastre esquiando e fui parar no hospital? – A lembrança me traz uma risadinha. – Você ficou morrendo de medo de me perder! Eu me lembro perfeitamente de você dizendo que desde que nossos pais se foram, a sua vida se resumia a minha. E a minha se resumia a você também. Depois eu fiquei sabendo que tinha sido você quem mexeu nos meus esquis para fazer uma brincadeira e ficou com medo das coisas terem saído do controle... Típico, seu!

Ouço um gargalhada leve bem próxima e me viro assustada, automaticamente me colocando de pé, puxando o tecido do vestido para baixo.

- Essa é uma cripta privada – Tento manter a minha voz o mais firme possível, por mais que estivesse mergulhada nas emoções. – Se retire.

- Desculpa, não quis assustá-la... – o homem alto, enfiado em um terno preto feito sob medida, me encara com um sorriso no rosto. – Mas é que o Otto tinha um senso de humor bem peculiar, não é mesmo?

- Um pouco. Você o conhecia?

- Um pouco – ele me parafraseia. – Como foi a história dos esquis?

- Sempre fui melhor do que ele esquiando. A gente tinha apostado alguma coisa idiota, sei lá... E ele quis se certificar de que ia ganhar – eu rio. – Ganhou foi quinze dias tendo que cuidar de mim encamada e anos de remorso e condescendência.

- Eu com certeza não conheci esse lado condescendente dele.

- Provavelmente isso só era válido comigo.

- O Otto que conheci era implacável. Conseguia qualquer coisa que quisesse, desde levar a garota mais bonita da balada para a cama até fechar os negócios mais improváveis e com um lucro absurdo.

- É, esse também parece ele – admito, mas dessa vez isso não me desperta memórias tão próximas. – Bom, eu já estava de saída, fique à vontade...

Sem olhar sequer mais uma vez para a foto do meu irmão, sigo reto em direção a saída. Sou detida quando o bonito homem de cabelos escuros e barba por fazer, envolve seu braço ao redor da minha cintura, impedindo-me de continuar minhas passadas largas. Me viro para ele a tempo de ver seu olhar varrendo meu corpo naquele vestido curto, colado e decotado demais para ser usado em um cemitério. Eu estava acostumada com aqueles olhares, mas o dele me causou um certo desconforto. Não de um jeito ruim. Pelo contrário, de um jeito que fez minha pele esquentar e meu rosto enrubescer.

- Não vai me dizer seu nome?

Me desvencilho dele ao mesmo tempo em que me recomponho e tento avisar ao meu corpo de que não, ele não precisava de mais daquele toque firme, seguro de si e vindo de alguém que parecia saber exatamente o que fazer com uma mulher.

- Não – respondo. – Visto que não vamos nos ver mais, acho que isso não importa.

Novamente lhe dou as costas e sigo meu caminho em direção a saída da cripta. Não tinha sido uma boa ideia vir aqui. Doutora Lee disse que eu tinha que conseguir colocar meus sentimentos para fora, mas eu mal pude começar antes que essas lágrimas idiotas teimassem em rolar pelo meu rosto e de ter sido interrompida por um desconhecido. Provavelmente eu ainda precisaria de muitas mais sessões de terapia antes de conseguir voltar a ter qualquer tipo de conversa com meu irmão mais velho morto, ainda mais depois daquele testamento ridículo que ele deixara.

- Adam Benatti.

O som daquele nome me faz congelar no lugar. Mais uma vez, giro em meus calcanhares, me colocando de frente para aquele homem.

- Como? – Pergunto, sem desviar meus olhos dos dele.

- Meu nome – diz. – Adam Benatti – repete.

Mal me dou conta de quão rápido fecho a distância entre nós. A última coisa da qual tenho ciência é da minha mão aberta espalmada em sua cara.

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