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Capítulo 2 - O castelo da princesa

O castelo da princesa Marilene era simplesmente enorme. Meu olhar se perdia na imensidão belíssima do local. O jardim foi o que primeiramente me tirou o fôlego com a grama bem cuidada e flores colorindo algumas partes. Dentro do castelo não era diferente. A decoração continuava exótica e bela, acima de tudo o que eu já havia visto em toda minha vida.

Fomos guiadas pelos corredores por uma moça parecendo ser uma empregada com seu vestido azul-bebê e um lenço branco prendendo os cabelos castanhos. Não demorou muito para chegarmos ao que parecia ser o salão principal. Várias outras garotas já estavam por lá, sentadas em mesas de quatro pessoas, embora algumas mesas ainda se encontrassem vazias.

A moça que nos acompanhava nos guiou até uma mesa e nós quatro sentamos. Parecíamos as últimas a ter chegado pois poucos segundos depois a princesa Marilene estava subindo numa elevação de madeira na parte inferior do salão.

Todos se silenciaram para ouvi-la.

— Saudações minhas meninas. Minhas futuras Guerreiras — começou ela num tom solene. — É com prazer que eu as recebo em meu salão para saberem que não foram escolhidas por acaso. Todas vocês de alguma forma pareceram especiais para mim. Cada uma merecia estar aqui para um único propósito: aprender a servir. Não a me servir, mas servir às cidadãs de toda Mariah. Por isso, desejo que sejam bem-vindas ao mundo das Guerreiras.

Como se tivesse sido ensaiado, nós aplaudimos a princesa.

Então uma moça com as mesmas vestes da mulher que nos guiara até aqui, assumiu a fala ao lado da princesa:

— Vocês são o segundo grupo a chegar ao castelo, por isso, terão os dias livres até que as últimas Convocadas cheguem. As Governantas que trouxeram vocês aqui, estarão encarregadas de levarem vocês para seus quartos. Entretanto, peço que antes desfrutem de nossa comida.

Diversas mulheres com bandejas de prata aparecem e começam a servir as mesas ocupadas, inclusive a nossa. Minha barriga ronca com o cheiro de comida que enche minhas narinas assim que a mulher tira a tampa redonda, também de prata.

Outra mulher coloca pratos à nossa frente e em seguida os talheres do mesmo material da bandeja. Apesar de estar na Casta 3, nunca tinha comido com tanto luxo. Mamãe não fazia questão disso. Nem sequer tínhamos empregada, o que é bastante incomum pra ela que faz parte da Casta 2.

As garotas começaram a se servir e eu não me privei de comer. Fiz questão de seguir os passos delas. Logo pude sentir a carne suculenta praticamente derretendo na minha boca de tão bem feita. Não sabia que ser uma Guerreira também incluía um manjar dos deuses.

Duas delas não pararam de conversar enquanto desfrutavam da comida na mesa e acabei concluindo que tinham se tornado amigas. Desde o início da viagem, não tinha falado muito com elas. Preferi ficar vendo a paisagem e me distrair com meus próprios pensamentos, embora as três tivessem tentado sustentar uma conversa comigo, sem muito sucesso.

O salão começou a se encher de conversas paralelas e eu me contentei em comer. Deixaria as amizades para depois. No momento queria que o almoço terminasse para eu ver o restante do castelo. Antes que o maldito pôr-do-sol chegasse — momento a qual minha maldição afetava meu corpo de forma terrível.

O horário de almoço pareceu durar uma eternidade, pois fiz questão de praticamente engolir minha comida. A ansiedade me impedia de pensar em outra coisa senão em quais seriam os outros cômodos do castelo.

Uma mordoma retirou os pratos vazios e outra a bandeja de prata bem mais vazia do que quando chegara na nossa mesa. Nossa Governanta se aproximou e com um gesto pediu para nos levantarmos da cadeira. A obedecemos. Em seguida, uma voz se fez ouvir no salão que aos poucos ia ficando mais silencioso. Essa voz falava um número e um grupinho saía do mesmo com suas respectivas Governantas.

Nosso número foi o 3.

Acompanhamos nossa Governanta para fora do salão e nós quatro fomos guiadas pelo corredor imenso do castelo. Minha ansiedade fazia meu estômago dar voltas dentro de mim. Queria muito conhecer cada pedacinho, mas precisava ficar de olho no tempo. Precisava ter cuidado com o pôr-do-sol.

Ela continuou nos guiando, nos mostrando alguns cômodos como o das pinturas feitas sob encomenda particular da princesa. Vimos também a sua área de lazer, seu jardim, sala de reuniões, seu escritório, sua sala de música, suas torres, seu estábulo e por fim sua biblioteca.

O que mais me impressionou foi a infinidade de livros naquele lugar. Será que nos era permitido pegar algum pra ler? No nosso vilarejo não havia uma biblioteca, só na casta 4 e os livros eram bem caros. Por esse motivo, só tinha dois livros para me entreter de vez em quando.

— A gente pode pegar algum dos livros pra ler? — questionei assim que ela abriu o tempinho para perguntarmos algo.

— Pode sim. A biblioteca é livre, mas precisam devolver sempre. A princesa sabe seus livros de cor. É bom que não arrisquem testar sua memória.

Confirmei com a cabeça. É claro que eu faria questão de pegar alguns livros emprestados e pelo jeito, não me arriscaria em não devolver. Sabia que a princesa havia passado vários e vários anos morando naquele castelo — reza a lenda que ela tem um milênio de idade —, então não achava difícil que ela realmente soubesse todos os seus livros.

O último cômodo que a Governanta nos mostrou foi nossos próprios quartos. Apesar de termos vindo juntas e da mesma casta, colocaram a gente em quartos separados. Para piorar, eu tinha sido a última e podia perceber que o pôr-do-sol se aproximava. Felizmente poderia me transformar sozinha no meu quarto e...

Paralisei assim que a Governanta abriu a porta do meu quarto e lá estavam outras garotas. Três pra ser mais exata. Estava tão ansiosa que nem tinha prestado atenção se minhas colegas tinham outras em seus quartos.

— Eu não tenho direito a um quarto particular? — questionei, tentando parecer o mais casual possível.

A mulher franziu o cenho.

— Se você conseguir se sair bem nas provas, podemos pensar.

Mordi o lábio, a mulher apenas deu de ombros e fez um gesto para dentro do quarto.

— Qualquer outra dúvida, estarei a disposição. Só procurar por mim na sala de reuniões do castelo.

Confirmo e logo estou sendo obrigada a entrar no quarto com as minhas novas colegas. Dou um pequeno sorriso e aceno educadamente para elas. Cada uma arrumava as próprias coisas individualmente. Ajeitei minha sacola bege no ombro e me dirigi até a cama vaga num canto do quarto. Cada cama ficava num extremo.

Coloquei minha sacola em cima da mesma e a abri, querendo arrumar minhas coisas também. Tinha alguns minutos antes do pôr-do-sol, mas prometia a mim que agiria normalmente para pensar em algum jeito de escapar.

Assim que abro a sacola, observo que havia um pequeno embrulho entre as minhas poucas tralhas. Pego esse embrulho e o abro. De dentro tiro um colar de prata, juntamente com uma pequena carta. Observo atentamente o colar, percebendo que seu pingente era em forma de maçã e no centro dela havia uma pedra azul-claro, redonda. Não era muito grande, mas dava um belo destaque.

Deixei o colar de lado e me concentrei na mensagem:

"Senti que não poderia deixa-la ir sem mais um recado de sua querida mãe. Você estava tão ansiosa para partir que não tive a oportunidade de lhe dar esse colar pessoalmente. Entretanto, saiba que ele inibirá a sua maldição enquanto estiver no treinamento. Sei que deveria ter lhe dado ele antes, mas acho que agora é o momento certo para você mesma conseguir controlar a própria maldição. Espero que faça bom uso dele e lembre-se: ninguém pode saber que é uma amaldiçoada de Nix, muito menos a princesa Marilene.

Boa sorte, minha pequena estrela.

Carina Nicolini."

Olhei para o colar, depois para a carta. Então a enfiei de volta na minha sacola e decidi que a coisa certa a se fazer naquele momento era de colocar o colar em volta do pescoço. Desde que a minha maldição aparecera, mamãe havia me alertado sobre isso. Ninguém poderia saber sobre a minha outra identidade.

Algo pareceu se trancafiar dentro de mim assim que o colar se prendeu ao meu pescoço. Segurei o pingente e ao olhá-lo, vi que a pedra azul ficou negra como a noite. Cogitei que a maldição havia se prendido dentro daquela pedra. Devia ser mágica.

Um segundo de susto me ocorreu ao notar minha aparência no espelho. Minha pele tinha adquirido uma coloração normal e meus cabelos tinham ficado mais escuros. Uma devida loira "normal". Internamente isso me deixava muito feliz. Provavelmente não sofreria mais queimaduras no sol. A explicação disso? Só podia ser magia...

Queria que a mamãe tivesse me dado esse colar antes.

— Ei, loira. Seu nome — uma das garotas pediu.

Balancei levemente a cabeça, percebendo que ela estava me chamando há um tempo.

— Hm, Acácia. Mas podem me chamar de Cia.

As três estavam sentadas no chão numa pequena roda.

— Então junte-se a nós, Cia.

Acabei aceitando o convite e sentando na pequena roda delas. Iríamos ficar juntas por um tempo, então teria que aprender a conviver com elas. Agora que possuía o colar que inibia minha maldição, essa convivência já não parecia mais tão impossível.

— De onde veio? — a que havia me convidado para a roda questionou.

— Casta três — informei, dando levemente de ombros.

Elas pareceram impressionadas.

— Sério? E como é lá? — outra delas me perguntou.

Franzi o cenho.

— Nenhuma de vocês veio da Casta 3?

As três negaram com a cabeça. O meu desejo de parecer uma garota normal havia ido por água abaixo. Só de ser de outra Casta já me fazia ser bem diferente delas. A Casta 3 só era dada para garotas cuja a renda era tão alta que não trabalhavam. Essa "renda alta" geralmente vinha de familiares pertencentes à Casta 2, ou seja, Guerreiras. Como Carina e Bianca — mãe e irmã —, pertenciam às Guerreiras, ficar na Casta 3 não foi difícil.

Já a 4 era formada por mulheres comerciantes que dependiam do trabalho para viver.

— Lá na Casta 4 dizem que as da 3 não trabalham... — comentou a terceira garota.

— É, bem... É verdade — digo, embora não quisesse que a conversa girasse só em torno de mim.

— É porque eles têm dinheiro para se manter sem trabalhar — completa a primeira garota. — Não é?

Confirmei com a cabeça.

A partir daí a conversa passou a seguir rumos mais aleatórios, o que me deixou satisfeita. Não queria passar o resto do dia respondendo sobre coisas da minha vida, até porque não estava acostumada com esse tipo de coisa. Durante muito tempo minha pele não permitiu que eu fizesse muitas amigas. Quase nenhuma na verdade. Era difícil sair de casa de dia e a noite estava fora de cogitação por conta da maldita maldição e as garotas do meu vilarejo adoravam passear por lá tanto de dia quanto de noite.

Mas agora eu tinha a cura.

Horas após aquela rodinha de conversa — já havia escurecido uma hora dessas —, eu agora me encontrava sentada na minha cama e pensava comigo mesma, querendo saber como seria o treinamento daqui pra frente. Tinha certo medo de não ser aprovada. Eu estragaria uma tradição de anos da minha família.

Olhei para minhas colegas de quarto e percebi que todas já haviam deitado. Só eu permanecia com o longo vestido de chegada e permanecia pensativa. Minha vela era a única acesa em meio a escuridão.

A minha boa vontade me fez apagar a vela.

— Cia...

Olhei ao redor. Tudo estava escuro. Escuro demais pra que enxergasse alguém me chamando.

— Cia...

— Quem é? — questionei ao sussurro que ouvia.

Ouvi apenas suspiros baixinhos em resposta. Elas pareciam estar dormindo. Talvez seja só coisa da sua cabeça, Cia. Vá dormir. Deve ser o cansaço, meus pensamentos me mantiveram sentada na cama.

— O colar, Cia... Tire o colar.

Levei os dedos ao colar instintivamente. Não podia deixar que as garotas me vissem transformada... Mas veja, está escuro. Elas não iriam te ver, a solução foi tomando conta da minha mente. Então, seguindo a curiosidade de querer saber quem é que falava comigo, retirei o colar do pescoço.

Tudo continuou escuro, porém, os objetos, móveis, roupas... Tudo foi traçado com uma linha branca, indicando onde essas coisas estavam. Era como se fosse uma visão especial que me permitia não esbarrar ou tropeçar em nada. Nunca tinha usado minha maldição para andar no escuro.

Olhando na direção da janela, entendi de onde vinha o sussurro.

Uma silhueta feminina estava parada e eu só conseguia ver seus olhos brilhantes na minha direção como se me esperasse. 

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