A princesa cruzou os braços, como se esperasse alguma resposta sobre o que eu estava fazendo naquele jardim. Fiquei sem palavras pois meu coração acelerado no peito me atrapalhava a pensar direito. Ela continuou esperando alguma reação da minha parte e eu apenas continuei paralisada.
— Sabia que esse jardim é particular? — foram suas primeiras palavras.
Engoli em seco, endireitando a minha postura para encará-la.
— Não, Alteza — achei voz para responde-la.
— Pois bem, esse jardim é inteiramente meu e eu não gosto que ele receba visitas. — Sua expressão estava séria. — Por isso, peço que se retire dele imediatamente.
— Sim, Alteza.
Ponho meus pés para funcionar rapidamente. Ao passar pelo arco de prata, ela continuava me encarando seriamente. Será que isso me prejudicaria?, pensei, embora soubesse a resposta.
— Como conseguiu entrar? — sua pergunta me fez parar de andar para olha-la.
Mordi o lábio. Ela riria de mim se eu dissesse que na noite passada uma deusa misteriosa abriu o jardim por meio de símbolos estranhos.
— Eu só... entrei. Por que a pergunta, Alteza?
— Curiosidade. Outras competidoras jamais se arriscam a vir para esse lado do castelo. Você também não deveria se arriscar dessa forma.
Assenti, entendendo o recado. Sentia que se a desobedecesse poderia acabar levando uma punição. Não queria ser eliminada do treinamento na primeira semana por causa de uma visita a um jardim esquisito.
— Perdão, Alteza. Esse erro não vai se repetir.
— Assim espero.
Então deixei a princesa para trás, me arrependendo por dois motivos por ter feito essa loucura: 1) ter me deixado levar pela curiosidade; 2) a repreensão da princesa. Ao entrar no castelo, pelo menos meu peito parecia mais aliviado. A autoridade da princesa me aterrorizava.
Mesmo não sendo mais vigiada por ela, fiz meus pés se moverem na direção do meu quarto. Para meu próprio bem, ficaria trancada lá por um tempo.
Nada de ser curiosa agora.
☾
Os dias pareciam passar voando no castelo da princesa. Isso deve ser porque todos os dias tínhamos que parar e assistir as aulas sobre os tempos antigos. Não era nada que eu já não soubesse. Mamãe as contava para mim sempre que podia, então acabou que não ouvi nada de novo nas histórias.
Naquele momento eu estava com um lápis em mãos, encarando uma folha em branco. Nossa Governanta havia dito para nós escrevermos aquilo que tínhamos ouvido a semana toda. Respirei fundo. Não tinha muito hábito de escrever, mas aos pouquinhos fui criando coragem para criar umas poucas palavras.
Fui formando mais e mais frases até já ter me acostumado com o movimento da mão. Assim que dei uma breve pausa para pensar no que mais poderia escrever, olhei para o lado, vendo a Governanta ajudando umas duas garotas do meu grupo. Ela estava escrevendo para ela. Não era uma coisa que eu estranhava tanto.
Muitas garotas de Mariah — nossa província — ainda eram analfabetas.
Continuei me concentrando na escrita, fazendo o lápis deslizar no papel, consequentemente resultando em letras bem elaboradas, da forma como mamãe havia me ensinado.
Não sei quanto tempo demorei para terminar o relatório pedido pela Governanta, só sei que quando me levantei para lhe entregar, as outras garotas ainda estavam com suas folhas.
Um leve ar de surpresa invadiu a expressão da Governanta, mas a mesma não disse nada. Apenas pegou a folha de minhas mãos, assim como o lápis e meneou a cabeça na direção da porta.
— Está dispensada. Os resultados saem mais tarde.
Confirmei com a cabeça e silenciosamente saí da sala. Respirei fundo, me recostando na porta, agradecendo mentalmente por ter conseguido terminar o relatório. Esperava que tivesse feito tudo corretamente.
Logo estava me movendo na direção da biblioteca. Ao decorrer da semana, se tornara meu lugar favorito. Depois da repreensão da princesa, não tinha mais me arriscado a sair para o jardim novamente. Fora que ultimamente eu tenho percebido ela me encarando com olhares não muito gentis. Pode ser coisa da minha cabeça? Pode, mas parte de mim ainda teima em acreditar que os olhares são propositais.
Inspirei o ar de conhecimento que a biblioteca exalava. Tinha lido vários livros aleatórios e cheguei a me arriscar a ler algumas coisas sobre o passado, porém, nada falava de quem havia sido a princesa ou de como ela consegue se manter imortal enquanto nós morremos e morremos ao longo dos anos.
Enquanto pegava mais alguns livros para ler, acabei me deparando com aquele livro esquisito de novo. Mordi o lábio. Não tinha sido muitas vezes que eu tinha arriscado a pegá-lo, até porque nem sequer conseguia abri-lo.
Novamente peguei ele em mãos.
Passei um dedo pelo círculo maior e por onde meu dedo passava, uma fraca luz dourava acompanhava. Isso porque só estava tirando um pouco da poeira. Retirei o dedo assim que a pele do meu dedo involuntariamente começou a esquentar. Ao dar uma olhada, percebi que o mesmo havia ficado avermelhado.
Pelo jeito as informações estavam de fato trancafiadas.
Franzi o cenho, sentindo uma vontade de continuar tentando, afinal, tempo era o que eu tinha de sobra. Por isso, voltei a passar o dedo sobre o círculo dourado maior, deixando aquela luzinha aparecer enquanto meu dedo ia esquentando. Fiz uma careta, mas me forcei a continuar.
Uma fumaça quase transparente surgiu ao mesmo tempo que um cheiro de queimado invadia minhas narinas. Acabei sendo obrigada a passar o dedo mais depressa antes que meu dedo acabasse pegando fogo pela quentura. Meu dedo correu pelos símbolos estranhos, em seguida pelo círculo mediano.
A dor só ficava mais intensa.
Meu coração batia forte de nervosismo e pela agonia que a dor causava. Contornei mais símbolos estranhos e logo eu estava no último círculo, o menor. O do centro. Por fim, fiz o último símbolo e fiquei claramente surpresa quando o símbolo completo brilhou em dourado e o livro abriu num estouro, me jogando pra trás com um coração acelerado pelo susto.
Ao me recompor, olhei para os lados, com medo de ter chamado alguma atenção. Ninguém parecia nem me notar. Nem mesmo a bibliotecária parecia ter ouvido o estouro que me assustou.
Respirei fundo e engatinhei na direção do livro agora aberto. Coloquei um pequeno sorriso orgulhoso no rosto, porém, essa felicidade durou pouco assim que vi que diversos símbolos estranhos preenchiam as páginas. Tudo estava escrito a mão e não parecia ter sentido algum pra mim.
Não acredito que todo meu esforço foi atoa, quase choraminguei.
Encarei meu dedo que ardia e nesse instante vi sangue escorrendo do mesmo. Suspirei. Talvez eu tivesse escolhido mal ao ter sido movida pela maldita curiosidade. Folheei as páginas numa leve esperança de que eu pudesse entender alguma coisa, mas os símbolos eram complicados e estranhos. Não tinham nada a ver com nossa língua nativa.
Então, enquanto eu me ocupava com aquele livro, várias cadeiras se moveram desordenadamente e isso fez com que eu olhasse na direção das poucas garotas que iam à biblioteca. Elas estavam se levantando apressadas.
Me levantei do chão, acabando mais uma vez por ser movida pela curiosidade. Logo, pelos burburinhos e cochichos, descobri o que as deixou agitada. A lista de aprovados havia acabado de sair. Isso indiretamente me informava que eu havia passado um bom tempo na biblioteca e nem tinha me dado conta.
Deixei os livros para trás e por ansiedade andei num passo mais apressado para fora da biblioteca. Resolveria o mistério daquele livro esquisito depois. Primeiro tinha que saber se fui boa o bastante para continuar no treinamento.
Não foi difícil de saber onde seria anunciado as escolhidas. Um monte de garota estava amontoada num canto do corredor, olhando alguma coisa na parede. Caminhei de forma hesitante até elas e me deparei com uma listagem à mão. Foi complicado pra mim me enfiar naquele amontoado, mas ao empurrar algumas, consegui ler o meu nome na parte que constava as aprovadas.
Um alívio preencheu meu peito.
A princesa me perdoou. Obrigada, céus. Ela me perdoou, o pensamento me deixava com um sorriso no rosto. Me deixava mais feliz do que de fato ter sido aprovada. Agora sabia que jamais deveria voltar àquele jardim esquisito. Até porque não tinha tido mais sonhos estranhos, então era uma preocupação a menos.
Será que ela sabe da existência do livro?, meus pensamentos tomaram esse rumo enquanto me afastava das garotas agitadas e contentes por terem sido aprovadas. Algumas choravam de tristeza. As reprovadas. Tinha pena delas, porém, não podia fazer nada. Agora precisava me concentrar em continuar no treinamento para orgulhar minha família.
Voltando a pensar no livro "secreto", ainda estava em dúvida se pedia para conversar com a princesa ou não sobre o livro que achara. Bem, não acho que deixariam você chegar perto dela de qualquer forma, era algo que fazia sentido. Por que a princesa se importaria com uma simples garota da Casta 3? Abandonei a ideia de importuná-la.
Retornei à biblioteca e peguei os livros que tinha abandonado no chão. Pegaria mais alguns para ler durante a semana. Juntei os que havia escolhido no colo e dessa vez, arrisquei a levar o livro esquisito. Me aproximei da mesa da bibliotecária e deixei os livros na mesma para que ela me autorizasse leva-los.
O livro esquisito era o primeiro.
Como se fosse mágica, suas mãos atravessaram o primeiro livro e foram direto no segundo. Ela o verificou, carimbou e colocou ao lado. Ela foi fazendo isso com todos os livros que estavam por baixo do esquisito. Tive que fingir ao máximo não estar notando algo anormal na minha frente.
Afinal, esse livro é invisível ou o quê?, não encontrava nenhuma solução plausível para o que tinha acabado de acontecer. Agradeci timidamente e peguei os livros, mais o esquisito, e levei para fora da biblioteca.
Eu devo estar ficando louca, só pode. Nunca tantas coisas estranhas aconteceram comigo dessa forma. Minha maldição era o tipo de loucura que eu já tinha de lidar todos os dias. Não queria outras loucuras fazendo parte da minha rotina.
Agradeci mentalmente por chegar no quarto e o encontrar vazio, entretanto, ao colocar os livros na minha cama, as outras três chegaram animadas.
— Não vai se arrumar, Cia? Daqui a pouco haverá um jantar de comemoração — disse uma delas, claramente animada.
Mordi levemente o lábio e assenti. Teria que deixar a leitura para mais tarde, não poderia perder esse jantar. Precisava fazer a princesa se orgulhar de mim. Ela precisava saber que eu havia honrado seu perdão pelo acontecimento do jardim.
Não demorou muito até eu estar junto das outras procurando um vestido para o jantar.
Nós quatro chegamos junto com a governanta no jantar de comemoração. Muitas garotas já estavam em seus lugares. A governanta nos guiou em meio às moças e nos fez sentar na mesa de costume. Tudo era numerado para que nenhuma garota ficasse sem seu lugar.As comidas começaram a serem servidas e como todo o almoço e jantar, fui me servindo. Por dentro eu ainda pensava naquela esquisitice da bibliotecária atravessando o livro misterioso.As coisas estranhas já podem parar de acontecer comigo agora, pedi internamente.Me comportei como se nada estivesse de errado comigo. Era a segunda vez naquele dia que eu precisava agir naturalmente contra minha vontade. Logo minha atenção se voltou à elevação que servia de palco para princesa. Ela sorria ternamente.— Boa noite minhas meninas — disse, elevando o tom de voz para poder ser ouvida em meio
A carruagem balançava no caminho esburacado enquanto eu remoía a conversa que tinha tido com a princesa na noite anterior. Depois dela ter admitido que a imortalidade era sua própria maldição, não teve mais nada de interessante. Simplesmente ela me dispensou, dizendo que o melhor era que eu descansasse para o dia de hoje.E bem, aqui estava eu, olhando janela afora para a paisagem que ia perdendo a sua coloração verde a medida que parecíamos ir nos aproximando do acampamento militar das Guerreiras. Estava completamente ansiosa para o que poderia me acontecer por lá, afinal, teria chance de saber como elas eram preparadas para batalha.De bagagem, trouxe apenas o que havia trago para o castelo da princesa anteriormente e tinha arriscado a trazer o livro mágico t
Acordo como sempre fazia todas as manhãs. Bocejo, ainda sonolenta e aos poucos vou abrindo os olhos, me acostumando com a claridade do sol que entra pela janela. Quando vou recuperando a consciência, é que arregalo os olhos de susto.Céus, que horas são?, me fiz a pergunta mentalmente, olhando para as paredes em busca de um relógio. Em seguida me lembro que não havíamos direito a ter um. Porém, tinha medo do que a claridade do sol poderia indicar. Esperava que ainda não tivesse passado das seis da manhã.Para me deixar ainda mais preocupada, meu livro esquisito não estava no local que deveria. Olhei ao redor mais uma vez, procurando o livro que havia roubado da biblioteca e não consigo acha-lo. Meu coração bate forte no peito
O sangue não parava de escorrer do rosto de Karen. Assustada com o que pode ter acontecido a ela, desço da minha cama devagar e assim que meus pés tocam o chão, caminho até ela. Toco seu ombro, querendo chamar sua atenção, mas o sangue continua escorrendo e ela continua inclinada na janela.— Karen, olha pra mim — pedi.— Não posso. Dói muito.— Por favor. Eu preciso ver você.— Não, Cia. Se eu olhar, posso morrer engasgada com meu próprio sangue.— Karen!Em
Ao ouvir o que a ninfa havia nos dito, Karen não hesitou em seguir na direção que ela tinha apontado. Fiz meu cavalo segui-la. Os galhos impossibilitavam o galope, por isso nos mantivemos apenas o trote. De fato não demorou muito até Karen parar e eu perceber o motivo: chegarmos a Milena.— Cuidado — ouvi ela pedir, embora tivesse sido meio baixo.Por um momento penso em questionar, mas ao olhar na direção da Milena, vejo uma cobra perigosamente próxima. Sua testa tinha um corte que sangrava e a mesma estava desacordada, nem se dando conta do perigo bem ao seu lado. A cobra a cercava como sua presa.Lancei um olhar, perguntando silenciosamente o que poderíamos fazer para ajuda-la. Karen encontrou meu olhar, por&
Sentir os cabelos voando ao vento dava uma grande sensação de liberdade. Respirei fundo, deixando o ar corrido entrar em minhas narinas, aproveitando aquela sensação maravilhosa. O cavalo negro que eu montava parecia estar conectado a mim de uma forma extraordinária. Pelo menos obedecia meus comandos sem hesitar.De repente me ocorreu que eu ter vindo treinar com as Guerreiras foi a melhor coisa da minha vida. A rotina que antes eu estava tão acostumada parecia ter sido deixada para trás e confesso estar gostando desse tipo de mudança radical. Nunca havia experimentado essas coisas e agora... Tudo parecia bom demais para ser verdade.Nossa instrutora de equinos pediu para mostrarmos nossas habilidades através de uma corrida entre nossos cavalos. Eu podia não estar em
Meus olhos se arregalaram em surpresa assim que ela disse com todas as palavras aquilo estava pensando em fazer. Fiquei tão surpresa que não consegui respondê-la de imediato. Diversas perguntas preencheram minha mente pois por causada sua personalidade meio forte, poderiam desconfiar caso estivéssemos fazendo alguma coisa errada.— Karen...— Ah, qual é, Cia. Se fôssemos à noite, tenho certeza que não iriam desconfiar da gente.Estava tão perplexa com sua proposta que só conseguia responder ela com o silêncio. A garota suspirou, parecendo desistir de mim. Karen andou pelo quarto, fazendo círculos. Seus braços foram para trás de seu corpo, cruzando os pulsos enquanto andava. Uma ex
Eu sei que eu sou um monstro, mas a mulher esquisita na nossa frente era muito mais assustadora, tinha certeza. Ela possuía cabelos flamejantes, olhos negros, pele pálida e asas de morcego. Porém, o que mais me chamou a atenção nela era uma perna de égua e outra de bronze. Por um segundo me perguntei se ela conseguia andar com aquilo.— Eu falei para vocês entrarem no quarto — disse o monstro devagar.Suas garras de bronze pendiam ao lado do seu corpo. Dois passos a mulher deu na nossa direção. Eu me afastei dois. Karen fez o mesmo e trocamos olhares.Mal tivemos tempo de pensar no que poderíamos fazer para escapar daquilo, pois aquela coisa esquisita veio rapidamente na nossa direção —