Eu nunca entendi o motivo das pessoas se afastaram de mim, ou basicamente, porque ninguém nunca tentou aproximar-se de mim. Ou tentou e o meu medo e timidez não me deixaram ver, geralmente não sou tão tímida, mas só quando estou escrevendo ou não estou fantasiando uma vida que não é minha, fora desses requisitos, eu sou um desastre. Eu não sou uma adolescente muito jeitosa, o meu cabelo não é tão bonito quanto os das outras garotas, o meu corpo é esquio e desengonçado, a minha pele tem sardas e a maioria das pessoas, inclusive os meus pais, nunca ouviram a minha voz.
No meu antigo colégio, o meu apelido era bruxinha silenciosa. Pois quando se aproximavam de mim, os meus colegas sempre me encontravam lendo os livros que a minha avó costumava me dar no Natal. No ano novo de 2012, ela me deu um livro de feitiços para fadas, eu adorei o presente, mas lembro de ter tido sérios problemas por sua causa. Um livro nunca fará mal as pessoas, mas o que sai da boca de muitos é capaz de acabar com uma vida toda.
Não... Eu nunca tive um caldeirão ou fiz feitiços e nem nada. Eu era uma garota como qualquer outra, exceto que eu gostava de contos de fadas e histórias de mestres de feitiços. O meu desenho favorito era o clube das Winxs, e eu também tinha um fetiche por Harry Potter. Eu decorava as músicas de desenhos e os cantava sempre sozinha, no intervalo do colégio, no banheiro do colégio e quando estava sozinha em casa. Eu não me lembro de reparem em mim. Mas não foi apenas essas coisas que me fizeram ter esse apelido, o fato das minhas orelhas serem um pouco maior do que a dos outros, também ajudou as meninas a me chamarem assim. No quinto ano, uma garota chamada Julia, pregou chicletes no meu cabelo e disse que a goma tinha parado lá por pura magia. Lembro-me de ter sido forçada a cortar o cabelo, e que essa Julia, ao lado de mais duas garotas, começou a me perseguir. Eles nunca pegaram tão pesado comigo, havia outras pessoas que sofreram muito mais do que eu, mas eu sempre me senti oprimida por conta disso. As outras pessoas tiveram pais que as escutaram, porque sempre que a Julia se levantava, eles visitavam a escola e reclamavam sobre o comportamento dela. Entretanto, na minha casa, eu era uma filha perfeita, não reclamava, não sentia e não falava. Sempre quando o meu pai ou a minha mãe participavam de um lugar público e falavam sobre mim, recebiam elogios e diziam que eu era a mesma pessoa em casa. Tanto os meus pais, como os meus orientadores, nunca me conheceram de verdade. Eu podia ser educada e gentil no colégio, quieta e boa aluna, mas ninguém estava cem por cento interessados em saber sobre as coisas que aconteciam fora da escola.
Você já parou para pensar sobre o que torna as pessoas aceitáveis dentro de um determinado ambiente? De acordo com o meu pai, a escola é uma pré-universidade para a idade adulta, é aonde os perdedores são separados dos vencedores e que se você não pode sobreviver a isso, você certamente, não nasceu para vencer. O que ele não sabe é que a sua filha nunca foi aceita em nenhuma dessas classes.
Eu sou aquele tipo de pessoa que existe em todos os lugares, mas quase ninguém percebe e quando percebem, eles esquecem e se comportam como se você nunca tivesse existido. Você vive entre eles, atravessa as mesmas coisas, sente as mesmas dores, mas por algum motivo, do qual eu não sei, pessoas como eu são invisíveis.
Com passos largos, caminhei até o meu armário e destranquei o cadeado com as chaves que a diretora havia me dado. Desloco alguns colantes do meu caderno, escolho um bom lugar e os colos.
Fadas.
Infantil demais para uma garota de 15 anos? Talvez seja, mas é o que eu gosto. Às vezes eu acredito mais em contos de fadas do que em pessoas reais. A vida real sempre me machuca e é aterrorizante pensar nela sem rosas e asas coloridas.
Ainda tímida com as pessoas me encarando, pego o meu livro para aula de inglês e continuo andando pelo corredor. Para a maioria das pessoas, o primeiro dia na escola nova é um dia em que eles se enchem de perspectiva, vestem roupas novas e tentam fazer amigos, mas para mim, não há nada de tão especial nisso. Quero dizer, eu já senti essa euforia que eles sentem, mas eu parei de sentir quando me mudei para a minha quarta escola. Agora, eu nunca espero nada do que o normal. Se é que, pessoas rindo de você ou dizendo coisas sobre a sua vida, seja algo que possa ser chamado de normal. Na verdade, você já parou para pensar no que se tornou normal para você?
Havia um gramado entre os blocos e notei as pessoas sentadas lá, eram tão irreais, que por um momento, eu pensei que estava em um desses filmes universitários ao em vez de uma escola.
Fiquei em frente à escada e reparei em um dos casais.
Eu sempre me pergunto: “Por que algumas meninas se comportam de certa maneira apenas para chamar a atenção dos meninos? Será que não percebem que há um mundo além de ter um cara para beijar e te exibir para os amigos idiotas dele?”.
Naquele gramado, havia uma garota loira, o seu namorado colocava uma mão nas suas coxas e olhava para as amigas dela, ela usava roupas coloridas e eu podia dizer que era da equipe de torcida. O seu namorado, o valentão, usava a roupa da equipe de basquete e praticamente engoliu-a em seus beijos. Ele fazia aquele tipo de cara machão, era popular, estava com pessoas legais, então, achava estar certo em tratar a namorada daquela forma.
Coloquei os meus pés no primeiro degrau da escada e ouvi-o gritar:
“O que está olhando estranha? Teu namorado não te dá umas amassadas assim?”. Eu olhei para a garota loira, que atropelou seus braços atrás de seu namorado e sorriu para mim como se aquilo fosse um elogio para ela. Virei os olhos, endireitei a postura e continuei no meu caminho. Aquilo me deixou frustrada e eu comecei a andar sem prestar atenção no mundo ao meu redor.
Quando eu estava próximo da sala, um garoto passou correndo pelo corredor e esbarrou em mim. Os nossos corpos caíram no chão, e por um momento, foi como se eu o visse em câmera lenta, tudo havia congelado dentro de mim. Como aquilo havia acontecido? Os olhos dele encontraram com os meus, as minhas mãos suaram e o medo tomou conta dos meus sentidos. O rapaz se levantou, afastou-se de mim e deu risadas do que havia acontecido.
“Cara, você é louco.” O Seu amigo de cabelo raspado e pele morena bateu no ombro dele, vendo-me encostada no chão. Levantei-me, organizei o meu material e prossegui com o que eu estava fazendo. Aquele garoto havia esbarrado em mim e eu senti a respiração dele, o seu corpo... Eu nunca havia estado tão perto de alguém daquela maneira.
Com os meus pensamentos perturbados pelo medo de me tocarem, eu me aproximei da porta da frente da sala e respirei fundo.
O meu futuro naquela escola dependia da grande entrada, seria lá, aonde as pessoas analisariam quem eu sou, ou basicamente, quem eu seria para elas.
Dei três batidas na porta, o professor me viu e mandou-me entrar. Caminhei trêmula até a sua mesa, aonde entreguei o meu papel e o esperei me mandar sentar.
“Pessoal, essa é a nossa nova aluna, Kristen.” Ele disse, devolvendo-me o papel. “Por favor, queira se sentar ao lado de alguém, estamos fazendo uma temática em dupla.”
Quando ele disse isso, ouvi sussurros sobre mim e percebi que as pessoas se juntaram. Como imaginei minha imagem não agradou ao jure, eu era a mesma garota de sempre. A garota estranha e sem amigos.
Eu puxei um fio de cabelo de trás da minha orelha, peguei a minha mochila e sentei-me numa carteira vazia perto da janela. No decorrer da aula, eu me mantive espremida entre a minha carteira, tentando fingir que não estava escutando o que diziam sobre mim.
Cabelo estranho... Esquisita... Magrela... Orelhas pontiagudas.
As pessoas não se importam com o que você sente, antes mesmo de conhecê-lo, eles o apontam e lhe dão etiquetas. Eles são céticos, acreditam apenas no que vem ou no que lhes convém, e eu, ou quem a minha aparência afirmava ser para eles, não os agradou.
Naquela aula eu escrevi um poema e o meu professor disse que havia gostado, ele perguntou se eu o permitiria colocá-lo no jornal da escola e eu disse com a cabeça que sim.
Antes de sair da sala pude ver o garoto que havia esbarrado em mim, ele estava ao lado do amigo e me encarou de volta quando eu o encarei. O amigo dele passou por mim e derrubou os meus livros no chão.
Uma música2 tocou na minha cabeça.
And our people talk to me
But nothing ever hits, so People talk to me
And all the voices just burn low
Agora, eu era visível, mas não da maneira que eu imaginei que seria.
2. Tradução da música Yellow Flicker Beat, (Lorde):
E nossa gente fala comigo
Mas nada nunca b**e, então
As pessoas falam comigo
E todas as vozes apenas queimam baixas.
Escute Yellow Flicker Beat, Lorde. Você já foi o centro das atenções?
Os dias foram se arrastando. Escondida entre os meus livros e os fios soltos do meu cabelo, eu me refugiei dos caçadores. Ou em outras palavras, dos outros alunos. Pouco a pouco, descobri os nomes das pessoas da minha classe, inclusive do menino que esbarrou em mim. O nome dele era Noah. Ele estava na equipe de basquete, era bom em matemática e não gostava de mostrar isso aos outros. Como eu sei disso? Ontem, na aula de matemática, vi-o resolver os exercícios em menos de um minuto. Mas quando a professora perguntou, ele riu e deu o resultado errado. Além de participar da equipe de basquete, Noah é o amigo do cara com pinta de valentão,, que eu vi no gramado, no meu primeiro dia na escola. O nome dele é Edgard e o nome da namorada dele é Alice. A melhor amiga dela, Kate, tem um caso com Edgard e os dois transam no estacionamento da escola, em um BRM de 2001. Por conta da minha falta de sorte, vi-os juntos hoje, quando fui buscar a minha bicicleta para ir embora. Kate e Alice andam sem
Hoje de manhã, algo diferente, aconteceu comigo na escola. Talvez eu devesse ter marcado aquilo com caneta vermelha, na minha agenda de palavras complexas. Mas vindo de quem veio, eu posso apostar, que não passou de uma piada.Eu estava na classe de literatura avançada. Ao que tudo indica, os professores realmente gostavam da minha poesia e queria que eu fizesse parte do grupo de edição do jornal da escola. Eles me deram alguns papéis em branco e me pediram para escrever alguns poemas sobre qualquer coisa que viesse na minha cabeça. Eu os fiz, mas acabei não gostando muito deles. Embolei os papéis numa bola e os joguei na lata de lixo.A minha professora estava ocupada falando ao telefone e não me viu saindo da sala. Entrei no banheiro antes do intervalo, lavei o meu rosto e fui direto ao meu armário. Quando eu abri o cadeado, um papel amassado caiu e eu vi as minhas anotações da aula de literatura.O meu poema dizia:
As pessoas sempre falaram sobre as minhas orelhas, quando eu era pequena, minha avó Madison disse que eu parecia uma fada, pois nos livros de contos ilustrados que ela me dava, as fadas tinham orelhas pontudas, não tanto como a de um gnomo, mas eram semelhantes às minhas. A partir desse momento, eu comecei a me sentir mais confortável, mas depois chegou à quinta série e as coisas mudaram. Mesmo acreditando no que a minha avó dizia sobre as minhas orelhas, eu me sentia oprimida pelo fato dos comentários maliciosos ultrapassarem os limites e não serem mais apenas comentários bobos. Eu comecei a esconder as orelhas atrás do meu cabelo. Desde então, as pessoas nunca mais comentaram sobre elas, ou eu pensei que nunca mais falariam.Saí da sala o mais rápido que pude, eu sabia que tomaria uma advertência por sair enquanto uma professora ainda estava ensinando, mas eu não c
O meu despertador tocou e, preguiçosamente, acertei-o com um soco para desliga-lo. Tudo o que eu queria era poder ficar em casa, assistir algum filme, escrever letras de músicas ou novos poemas. Eu não queria ir a um funeral, muito menos com os meus pais. Eu me levantei e rastejei o meu corpo para o banheiro, liguei o chuveiro e deixei cair à água quente no meu corpo. Era sábado, eu estava me preparando para um funeral, em certas partes, nada é tão ruim quanto ter que sair do carro com nós três dentro dele. Sempre quando saímos, o papai e a mamãe discutem, eles também discutem em casa, mas quando saímos de carro é muito pior. O papai fala no telefone, a minha mãe tenta fazê-lo prestar atenção no volante, ele diz que são negócios e que não pode simplesmente desligar, a minha mãe responde que se ele quiser permanecer vivo precis
A chuva nos encontrou quando viramos a esquina. Alguns chuviscos pingaram no vidro do carro e papai blasfemou um palavrão.“Merda!” Ele socou o volante. “Tinha que chover justo hoje?”Era apenas chuva, nada demais. Às vezes eu penso que o meu pai odeia tudo e a todos e que em certos dias, odeia ele mesmo.“Querido, não fale mal na frente da nossa filha, sabes que eu não aprovo o uso de palavrões.”“Ah, cala a boca Rebecca!” Ele esbraveja. “Você nunca aprova nada, para de ser tão paranoica, tenho certeza que nossa filha nem está prestando atenção no que estamos discutindo.”Seu telefone celular começou a tocar, meu pai desviou o olhar da minha mãe e segurou-o.“Por favor, querido. Desligue o telefone, sabes que dirigir falando ao telefone gera multa.”“Já vai começ
O Noah me seguiu. Eu não queria que ele me seguisse, na verdade, eu não queria que ninguém viesse atrás de mim. Com o tempo, você aprende a lidar com o desapego das pessoas.“Espere!” Ele gritava enquanto eu corria na chuva. “Por favor, espere!”Quando eu estava perto da saída do cemitério, senti a mão dele pressionar a minha e ele me virou com força batendo seu peito contra o meu.Nossos olhos se encontraram e a sua expressão perplexa, mas não tanto quanto minha, me fez reparar na estrutura facial de seu rosto.“Não fuja de mim.” Ele disse. “Por favor, não fuja como você fugiu ontem na escola.”Forcei o meu braço para trás, mas ele não me soltou.A chuva caía sobre nós.“Eu sei como você está se sentindo, venha comigo...” Ele segurou
As minhas roupas estavam encharcadas pela água da chuva, sentei na calçada e aguardei a cessação da chuva. Noah não ficou comigo, tendo me contado tudo o que ele disse, ele enfiou as mãos nos bolsos de suas calças e voltou para dentro. Em última análise, não me emocionava a falta de atenção, era o velório de sua mãe, por razões mais do que óbvias, ele nunca deveria ter seguido ou abandonado seu pai naquela capela, mas por algum motivo, alguma coisa o fez me seguir.Quando os meus pais deixaram a capela, eles passaram por mim como se não me conhecessem e abriu a porta de trás para eu entrar. Levantei-me, entrei no carro e coloquei meu cinto de segurança, esperei que meu pai me reclamasse ou algo assim, mas isso não aconteceu, papai dirigiu sem mencionar uma palavra suja e nem quis saber por que sua filha estava tremendo molhada no banco tr
As terças são os melhores dias do mês, não porque é terça-feira e tenho aula de literatura extra, mas porque é terça-feira e as aulas de educação física não são obrigatórias na escola. Se não fosse pelo fato de que os uniformes eram extremamente apertados nas pernas e o treinador ser um idiota, ou porque Kate e seus amigos estavam lá, eu daria uma boa olhada na pista e poderia nadar na piscina de 100 metros, mas eles estão lá, eles sempre estarão lá, e é por isso que eu odeio as aulas de educação física.As aulas são obrigatórias as segundas e sextas, na última sexta-feira, Kate descobriu o meu gosto por fadas e continuou me chamando de bruxa para o resto da aula. Bem, se eu fosse uma feiticeira, eu faria um encantamento para que ela só pudesse responder alguém quando lhe pedir