Hoje de manhã, algo diferente, aconteceu comigo na escola. Talvez eu devesse ter marcado aquilo com caneta vermelha, na minha agenda de palavras complexas. Mas vindo de quem veio, eu posso apostar, que não passou de uma piada.
Eu estava na classe de literatura avançada.
Ao que tudo indica, os professores realmente gostavam da minha poesia e queria que eu fizesse parte do grupo de edição do jornal da escola. Eles me deram alguns papéis em branco e me pediram para escrever alguns poemas sobre qualquer coisa que viesse na minha cabeça.
Eu os fiz, mas acabei não gostando muito deles. Embolei os papéis numa bola e os joguei na lata de lixo.
A minha professora estava ocupada falando ao telefone e não me viu saindo da sala.
Entrei no banheiro antes do intervalo, lavei o meu rosto e fui direto ao meu armário. Quando eu abri o cadeado, um papel amassado caiu e eu vi as minhas anotações da aula de literatura.
O meu poema dizia:
Um doce sonho te conduzirá, Tentes sentir alguma coisa...Consegues me notar? Num silêncio oblíquo, Invado a tenda que habitam pessoas de papéis... Elas falam comigo...
(...)
Eu não consegui encontrar uma palavra que rimasse com papéis, nada dava certo na minha cabeça. Mas aí, virei à folha amassada e vi a letra dele lá.
Era a letra de Noah. Torta e às cores.
Ele nunca tinha escrito nada para mim. Mas eu o vi rabiscando a sua carteira, na aula de biologia antes de ontem. Era a sua caligrafia. Eu tinha certeza disso.
Pelo jeito que estava, havia sido escrito com o papel apoiado na parede. E suponho, que sua caneta vermelha, tinha estourado. Pois havia um grande borrão no final da folha.
Li o que ele tinha escrito: E à meia-noite, Eles vão para seus bordéis. Eu deito com a minha alma, Eu questiono a lua e as estrelas. Eu estou no meu espelho E me pergunto:Você terá proeza na solidão? Existe algo melhor,
Do que comer ovos fritos com macarrão? *** P.S: Eu sou um poeta pobre, estou nesta classe para continuar na equipe de basquete.
Os seus olhos são lindos!
(...)Os meus olhos... Quando foi que o Noah notou os meus olhos? E por que se incomodou em completar o meu poema?
Quando eu me levantei, pude vê-lo sentado nas escadas com os seus amigos.
Edgard e Alice estavam juntos.
A Kate também estava lá.
Edgard enfiou a língua na boca da namorada e olhou para mim.
“E aí, virgenzona? Ainda não conseguiu ninguém para te pegar assim?” Ele gritou. “Conheço uns caras que transariam com uma garota como você em dois tempos, você nem precisaria estar acordada, o que acha?”Nada disso importava para mim.
Apenas prestei atenção no Noah e na maneira como ele ria das piadas egocêntricas do amigo retardado.
Edgard era um estúpido e típico defensor da cultura do estupro. Eu nem preciso estar acordada? Então, ele conhecia caras, que faziam sexo com garotas desacordadas, sem a consciência delas? Será que o Noah era um desses caras?
Por um momento, imaginei-me no lugar de Alice.
Eu me perguntei: “Quando foi à última vez que ela teve relações sexuais com Edgard de sua própria vontade? Quando foi a última vez que ela disse não às pessoas como ele?”
- Você não pode se colocar no lugar de alguém se não tiver passado por algo parecido. - Essas foram às palavras mais verdadeiras que a minha avó já me disse. E assim como a minha mãe, Alice passa pelas mesmas coisas. Só que o que ambas não sabem, é que um simples não, daria um ponto final em tudo isso.
O mundo é machista.
Não importam se discordam de mim.
As pessoas morrem, as plantas florescem. Novos seres humanos nascem e a teologia é avançada. Mesmo assim, o mundo permanecerá macho. Você não pode mudar um mundo sem cortar o mal pela raiz.
A cultura do estupro é alimentada todos os dias. Como? Quando uma menina é usada, como Alice é por seu namorado e ela apenas sorri, como se fosse normal. Quando uma amiga como Kate, sabe sobre as coisas horríveis que o namorado de sua amiga faz, e não levanta as mãos para mudar. Ou quando um cara como Noah, cale-se em uma situação como essa, apenas por medo de perder sua amizade com um popular.
Como podemos mudar o mundo?
Asseguro-lhe que ficar com a sua bunda no sofá da televisão, assistir documentários, chorar no final do filme que o menino ou a menina morre, não vai mudar nada. Ver seu amigo, praticando violação coletiva com uma menina e rir da situação, muito menos.
Tudo aquilo me deixou emotiva. Pois eu também sabia, dos abusos sofridos de minha mãe, e eu simplesmente não conseguia fazer nada.
Fechei o meu armário, peguei a minha mochila e caminhei até o pátio.
Havia um banco vazio lá. Ninguém estava sentado porque estava perto dos lixões, mas era o lugar perfeito para mim. Quero dizer, eu adoraria acreditar que algum dia alguém, quem quer que fosse, viria até mim e dissesse: “Olá, o que acha de sentar comigo hoje?” Mas esse alguém não existe, pelo menos nunca existiu.
Coloquei a minha bandeja na mesa, arrastei um pouco o banco e me sentei. Eu não estava com fome.
De fato, eu só me alimento porque meu estômago vive cantando a música da fome. Em minha casa, é raro que eu me agrado em me sentar à mesa e curtir os pratos que minha mãe fez. Porque eu sabia, que antes de prepará-los, ela havia chorado. E que os seus olhos inchados e vermelhos, seriam culpados pela típica cebola nos olhos.
Mordi a minha maçã, bebi o meu suco de laranja e me levantei para guardar a bandeja.
Quando eu me aproximava da mesa das bandejas sujas, um menino magro correu até a mim e passou as mãos pelas minhas costas. Eu quase caí no chão molhado, mas consegui manter o equilíbrio e segui o meu caminho.
No decorrer das aulas, pude ouvir cochichos sobre mim nos corredores e também no fundo da sala. Eu não sabia o que fofocavam ou o porquê de estarem agindo daquela forma. Porém até mesmo o meu professor de artes, riu de mim quando saí da sua sala.
Eu era uma piada?- Comecei a me perguntar. Mas foi só na minha última aula, graças a uma menina, que eu finalmente descobri o motivo.
Na minha aula de inglês a professora passou alguns exercícios. Como eu era a única que concordara com todos, ela pediu-me para corrigir as respostas no quadro negro. Com muito cuidado e também com medo, arrastei a minha cadeira para trás, andei para o quadro com o meu caderno e peguei um giz.
Os alunos ficaram em silêncio.
Quando eu virei às costas e comecei a escrever, todos começaram a rir em voz baixa.
Talvez eu estivesse escrevendo algo errado. - Pensei.
Então eu li novamente o que escrevi no quadro e percebi que estava correto. Não havia nada errado lá.
“Parem de rir, por favor!” A professora repreendeu-os, colocando seus óculos. “Parem ou eu...” Ela se calou, então eu senti o meu corpo congelar. “Kristen, você viu?” A senhora Voltez perguntou. “Você viu o que há nas suas costas?”
Balancei a cabeça em negativo.
“Tem um cartaz nas suas costas, trouxa!” Uma garota disse no fundo da sala.
Eu desviei os meus braços para trás, subi-os e arranquei o papel das minhas costas. Havia algo escrito e sem perceber, acabei lendo em voz alta:
“Eu tenho orelhas grandes e pontiagudas...”
De repente, todos os que estavam lá, começaram a rir do meu rosto pateta.
Um garoto tinha colocado um papel de avisos em mim.
Atravessei os corredores da escola. E só lá, depois que todos se divertiram comigo, pude perceber o que haviam feito.
Uma música tocou na minha cabeça.
“Ah, ah, ah Você não tem nenhum lugar para se esconder. E eu estou me sentindo como um vilão está faminto por dentro. Um olhar nos meus olhos, e você estão correndo por que Estou chegando e vou comê-lo vivo. Ah Ah ah ah. Seu coração bate como um tambor, oh, oh, oh.A perseguição acaba de começar, oh, oh, oh”. − Monsters, (Ruelle,2017).
Um silêncio profundo invadiu-me.
Tudo o que eu conseguia ouvir era aquela música.
Tudo o que eu conseguia ouvir, eram as batidas do meu coração, quererem saltar pela minha boca.
A senhora Voltez aproximou de mim. E quando tentou contato comigo, afastei os meus braços e a encarei em desordem.
Algo havia acontecido comigo.
Eu não sabia explicar o que, mas tinha acontecido.
A cada toque, eu perco uma cor. E a cada cor que perco, o meu coração se enche de uma substância chamada desespero.
As pessoas sempre falaram sobre as minhas orelhas, quando eu era pequena, minha avó Madison disse que eu parecia uma fada, pois nos livros de contos ilustrados que ela me dava, as fadas tinham orelhas pontudas, não tanto como a de um gnomo, mas eram semelhantes às minhas. A partir desse momento, eu comecei a me sentir mais confortável, mas depois chegou à quinta série e as coisas mudaram. Mesmo acreditando no que a minha avó dizia sobre as minhas orelhas, eu me sentia oprimida pelo fato dos comentários maliciosos ultrapassarem os limites e não serem mais apenas comentários bobos. Eu comecei a esconder as orelhas atrás do meu cabelo. Desde então, as pessoas nunca mais comentaram sobre elas, ou eu pensei que nunca mais falariam.Saí da sala o mais rápido que pude, eu sabia que tomaria uma advertência por sair enquanto uma professora ainda estava ensinando, mas eu não c
O meu despertador tocou e, preguiçosamente, acertei-o com um soco para desliga-lo. Tudo o que eu queria era poder ficar em casa, assistir algum filme, escrever letras de músicas ou novos poemas. Eu não queria ir a um funeral, muito menos com os meus pais. Eu me levantei e rastejei o meu corpo para o banheiro, liguei o chuveiro e deixei cair à água quente no meu corpo. Era sábado, eu estava me preparando para um funeral, em certas partes, nada é tão ruim quanto ter que sair do carro com nós três dentro dele. Sempre quando saímos, o papai e a mamãe discutem, eles também discutem em casa, mas quando saímos de carro é muito pior. O papai fala no telefone, a minha mãe tenta fazê-lo prestar atenção no volante, ele diz que são negócios e que não pode simplesmente desligar, a minha mãe responde que se ele quiser permanecer vivo precis
A chuva nos encontrou quando viramos a esquina. Alguns chuviscos pingaram no vidro do carro e papai blasfemou um palavrão.“Merda!” Ele socou o volante. “Tinha que chover justo hoje?”Era apenas chuva, nada demais. Às vezes eu penso que o meu pai odeia tudo e a todos e que em certos dias, odeia ele mesmo.“Querido, não fale mal na frente da nossa filha, sabes que eu não aprovo o uso de palavrões.”“Ah, cala a boca Rebecca!” Ele esbraveja. “Você nunca aprova nada, para de ser tão paranoica, tenho certeza que nossa filha nem está prestando atenção no que estamos discutindo.”Seu telefone celular começou a tocar, meu pai desviou o olhar da minha mãe e segurou-o.“Por favor, querido. Desligue o telefone, sabes que dirigir falando ao telefone gera multa.”“Já vai começ
O Noah me seguiu. Eu não queria que ele me seguisse, na verdade, eu não queria que ninguém viesse atrás de mim. Com o tempo, você aprende a lidar com o desapego das pessoas.“Espere!” Ele gritava enquanto eu corria na chuva. “Por favor, espere!”Quando eu estava perto da saída do cemitério, senti a mão dele pressionar a minha e ele me virou com força batendo seu peito contra o meu.Nossos olhos se encontraram e a sua expressão perplexa, mas não tanto quanto minha, me fez reparar na estrutura facial de seu rosto.“Não fuja de mim.” Ele disse. “Por favor, não fuja como você fugiu ontem na escola.”Forcei o meu braço para trás, mas ele não me soltou.A chuva caía sobre nós.“Eu sei como você está se sentindo, venha comigo...” Ele segurou
As minhas roupas estavam encharcadas pela água da chuva, sentei na calçada e aguardei a cessação da chuva. Noah não ficou comigo, tendo me contado tudo o que ele disse, ele enfiou as mãos nos bolsos de suas calças e voltou para dentro. Em última análise, não me emocionava a falta de atenção, era o velório de sua mãe, por razões mais do que óbvias, ele nunca deveria ter seguido ou abandonado seu pai naquela capela, mas por algum motivo, alguma coisa o fez me seguir.Quando os meus pais deixaram a capela, eles passaram por mim como se não me conhecessem e abriu a porta de trás para eu entrar. Levantei-me, entrei no carro e coloquei meu cinto de segurança, esperei que meu pai me reclamasse ou algo assim, mas isso não aconteceu, papai dirigiu sem mencionar uma palavra suja e nem quis saber por que sua filha estava tremendo molhada no banco tr
As terças são os melhores dias do mês, não porque é terça-feira e tenho aula de literatura extra, mas porque é terça-feira e as aulas de educação física não são obrigatórias na escola. Se não fosse pelo fato de que os uniformes eram extremamente apertados nas pernas e o treinador ser um idiota, ou porque Kate e seus amigos estavam lá, eu daria uma boa olhada na pista e poderia nadar na piscina de 100 metros, mas eles estão lá, eles sempre estarão lá, e é por isso que eu odeio as aulas de educação física.As aulas são obrigatórias as segundas e sextas, na última sexta-feira, Kate descobriu o meu gosto por fadas e continuou me chamando de bruxa para o resto da aula. Bem, se eu fosse uma feiticeira, eu faria um encantamento para que ela só pudesse responder alguém quando lhe pedir
Mais uma vez, atravessei o corredor, as pessoas me encaravam, mas não me incomodava de enfrentá-las como sempre fazia. Não, não conseguiria fazer isso, não depois de ter ouvido tudo o que Alice me contou no banheiro.Como uma lebre, corri diretamente para a sala de aula, arrastei a minha cadeira, sentei-me e esperei que os outros alunos chegassem.Foi uma aula sobre educação sexual.O Edgard estava lá e a Kate também, eles estavam sentados na parte de trás da sala e riram quando o professor explicou sobre a importância do uso de preservativos, os outros estudantes também acabaram rindo das piadas egocêntricas de Edgard e eu só podia pensar em Alice naquele banheiro.Enquanto ele leitava livremente sobre como ser um idiota, ela estava lá, tirando toda a humilhação de ter sido estuprada por seu namorado (e agora grávida) dentro daquele
Silêncio. Tudo o que posso ouvir é um profundo silêncio que tomou conta de mim, não há mais músicas, elas pararam de tocar, não há mais espírito, não importa o que eu faça, nada, absolutamente nada me faz ter a coragem de me levantar da cama. Eu não sei quantas horas se passaram desde que cheguei da escola, tudo o que sei é que há um vazio dentro do meu peito, eu sou uma bagunça, tudo em mim é um colapso e as pessoas não gostam de bagunças.Isso foi tão difícil... Eu sei, muitas pessoas fizeram um círculo ao meu redor e me humilharam, aos olhos de algumas pessoas, essa situação era apenas uma piada, porque eu deveria me sentir mal só porque me pediram para beijar alguém? Na idade que eu tenho na década em eu que vivo você esperaria uma vida ativa para as meninas da minha idade, m