As pessoas sempre falaram sobre as minhas orelhas, quando eu era pequena, minha avó Madison disse que eu parecia uma fada, pois nos livros de contos ilustrados que ela me dava, as fadas tinham orelhas pontudas, não tanto como a de um gnomo, mas eram semelhantes às minhas. A partir desse momento, eu comecei a me sentir mais confortável, mas depois chegou à quinta série e as coisas mudaram. Mesmo acreditando no que a minha avó dizia sobre as minhas orelhas, eu me sentia oprimida pelo fato dos comentários maliciosos ultrapassarem os limites e não serem mais apenas comentários bobos. Eu comecei a esconder as orelhas atrás do meu cabelo. Desde então, as pessoas nunca mais comentaram sobre elas, ou eu pensei que nunca mais falariam.
Saí da sala o mais rápido que pude, eu sabia que tomaria uma advertência por sair enquanto uma professora ainda estava ensinando, mas eu não conseguia ficar lá, não depois do que aconteceu. Eu fui o mais rápido possível para o estacionamento, peguei a minha bicicleta, e quando eu estava prestes a sair, o Noah jogou a mochila no chão e colocou os pés na frente dos pneus da bicicleta. Ele agarrou a alça da bicicleta, então me cercou com os seus olhos castanhos e sacudiu sua mandíbula em confronto. Eu pensei que ele diria algo, mas ele não disse absolutamente nada. Afinal, o que ele poderia me dizer? Nós não nos conhecíamos, algumas horas antes, o mesmo não tinha feito nada sobre o amigo e o que você poderia me dizer naquele momento? Que sentia muito?
Ele afastou-se de mim, então ganhei impulso e comecei a pedalar rapidamente. No caminho para casa, as vozes daquelas pessoas continuaram me atormentando.
Quando cheguei na minha casa, joguei a bicicleta na garagem, subi as escadas para o meu quarto e me tranquei por lá. Coloquei a mochila na cama, arrastei a penteadeira para mais perto da cama e sentei-me à sua frente.
O meu reflexo repeliu alguém, mas não consegui distinguir quem era. Há muito tempo eu já não sei quem eu sou, o que a minha imagem representa? Por que sou eu e mesmo assim não sou eu?
Eu peguei um cotonete da gaveta da minha cômoda, prendi o meu cabelo e comecei a limpar os meus ouvidos. Algo queimou dentro de mim, não consegui esquecer aquelas vozes na minha cabeça, as minhas mãos tremiam e comecei a limpar compulsivamente atrás das minhas orelhas. O cotonete começou a raspar a minha pele e passei-o com mais força, quanto mais força eu colocava, menos eu podia ouvir as vozes.
Minha respiração ficou alterada, olhei mais uma vez no espelho e vi sangue escorrer pelo o meu pescoço, eu estava me limpando tão forte que acabei rasgando a pele de trás das orelhas. Eu joguei o cotonete sujo no chão, enxuguei as minhas mãos no jeans branco e escondi o meu rosto entre os meus joelhos. Nenhuma lágrima desceu dos meus olhos, não importava o quanto estava machucando as erupções da minha pele, eu simplesmente não podia chorar. Balancei o meu corpo por cerca de 20 minutos, então tomei coragem, me levantei e voltei para o banheiro pra tomar banho.
Logo que desci para cozinha, encontrei minha mãe ao pé da pia cortando alguns tomates para salada. Sua postura estava caída, os seus cabelos presos num coque frouxo e pude reparar nas manchas avermelhadas em seus braços. Aquilo havia acontecido de novo, e novamente, teríamos que manter a farsa da nossa família adorável e feliz.
“Olá querida, como foi seu dia na escola?” Mamãe perguntou, continuando de costas para mim.
“Foi... normal.” Respondi. Ela tinha problemas demais, não podia conta-la sobre os meus, e mesmo se eu contasse mamãe não acreditaria.
“Você demorou lá em cima, o que estava fazendo?” Ela perguntou e eu me calei. “Ouvi o chuveiro ligado, estava tomando banho?”
“Sim, estava.” Me aproximei do fogão e comecei a mexer a polenta.
“Kristen, amanhã, o seu pai e eu teremos que ir a um enterro, ele disse que você também terá que ir conosco.” Ela contou, virando-se para mim. Havia uma marca gigantesca abaixo dos seus olhos e seus lábios estavam inchados.
“Mamãe...” Eu sussurrei.
“Ah, eu me distraí e acabei acertando com a cara na parede, acredita?” Ela mentiu.
Não, eu não acreditava, eu nunca acreditei nas suas desculpas.
“Continuando, eu sei que não gosta de velórios, mas ficaríamos gratos se fôssemos todos juntos. O seu pai telefonou e disse que a esposa de um colega de trabalho dele faleceu nessa tarde, a pobre mulher estava enfrentando um câncer há cerca de três anos e veio a padecer hoje de manhã.”
Desde que a vovó Madison morreu, eu nunca mais fui a um enterro. Até mesmo nos filmes, eu evito assistir as partes em que alguém morre, sei que morrer faz parte da vida, mas eu amava muito a minha vó e não queria que ela partisse. Lembro-me de ter escrito inúmeras cartas para Deus logo depois do seu falecimento e que as escondia entre os bancos da igreja. Antes de a minha avó morrer, o meu pai respeitava a minha mãe e acima de tudo, ele parecia nos amar. Mas aí, quando o testamento dela saiu e ele descobriu que sua nora havia perdido todo o seu dinheiro em bibliotecas comunitárias, passou a nos amar menos.
“Então você acha que consegue ir conosco?” Ela perguntou.
Balancei a cabeça em positivo.
Mesmo se eu não quisesse, eu teria que ir, obedecer às ordens do meu pai é a regra número um da minha família.
Depois do almoço, ajudei a minha mãe guardar os pratos e fui para o meu quarto. Arrastei a minha caixa de papéis, peguei duas folhas e tentei escrever alguns poemas. Eu escrevi um ou dois, mas acabei jogando todos no lixo. Sem perceber, comecei a pensar no pequeno poema que Noah escreveu, ele pegou os meus poemas da lixeira, se eu jogasse mais ele também os pegaria? Desde quando ele já me notou? Será que ele escreveu o cartaz que aquele garoto colou nas minhas costas? E... Por que ele entrou na minha frente daquele jeito?
Deitei na cama, coloquei as minhas mãos atrás das orelhas e tentei esquecer o que tinha acontecido. Nenhuma música tocou na minha cabeça, pelo contrário, um silêncio cobriu o interior daquele quarto e eu me sentia sozinha. Às vezes, os flashbacks voltavam na minha mente, mas eu os excluía com as histórias que minha avó me contava. Eu queria poder viver uma fantasia, porque no meu mundo imaginário, eu teria uma vida diferente. Mas até mesmo nos contos de fadas, a tristeza e a maldade existem.
O meu despertador tocou e, preguiçosamente, acertei-o com um soco para desliga-lo. Tudo o que eu queria era poder ficar em casa, assistir algum filme, escrever letras de músicas ou novos poemas. Eu não queria ir a um funeral, muito menos com os meus pais. Eu me levantei e rastejei o meu corpo para o banheiro, liguei o chuveiro e deixei cair à água quente no meu corpo. Era sábado, eu estava me preparando para um funeral, em certas partes, nada é tão ruim quanto ter que sair do carro com nós três dentro dele. Sempre quando saímos, o papai e a mamãe discutem, eles também discutem em casa, mas quando saímos de carro é muito pior. O papai fala no telefone, a minha mãe tenta fazê-lo prestar atenção no volante, ele diz que são negócios e que não pode simplesmente desligar, a minha mãe responde que se ele quiser permanecer vivo precis
A chuva nos encontrou quando viramos a esquina. Alguns chuviscos pingaram no vidro do carro e papai blasfemou um palavrão.“Merda!” Ele socou o volante. “Tinha que chover justo hoje?”Era apenas chuva, nada demais. Às vezes eu penso que o meu pai odeia tudo e a todos e que em certos dias, odeia ele mesmo.“Querido, não fale mal na frente da nossa filha, sabes que eu não aprovo o uso de palavrões.”“Ah, cala a boca Rebecca!” Ele esbraveja. “Você nunca aprova nada, para de ser tão paranoica, tenho certeza que nossa filha nem está prestando atenção no que estamos discutindo.”Seu telefone celular começou a tocar, meu pai desviou o olhar da minha mãe e segurou-o.“Por favor, querido. Desligue o telefone, sabes que dirigir falando ao telefone gera multa.”“Já vai começ
O Noah me seguiu. Eu não queria que ele me seguisse, na verdade, eu não queria que ninguém viesse atrás de mim. Com o tempo, você aprende a lidar com o desapego das pessoas.“Espere!” Ele gritava enquanto eu corria na chuva. “Por favor, espere!”Quando eu estava perto da saída do cemitério, senti a mão dele pressionar a minha e ele me virou com força batendo seu peito contra o meu.Nossos olhos se encontraram e a sua expressão perplexa, mas não tanto quanto minha, me fez reparar na estrutura facial de seu rosto.“Não fuja de mim.” Ele disse. “Por favor, não fuja como você fugiu ontem na escola.”Forcei o meu braço para trás, mas ele não me soltou.A chuva caía sobre nós.“Eu sei como você está se sentindo, venha comigo...” Ele segurou
As minhas roupas estavam encharcadas pela água da chuva, sentei na calçada e aguardei a cessação da chuva. Noah não ficou comigo, tendo me contado tudo o que ele disse, ele enfiou as mãos nos bolsos de suas calças e voltou para dentro. Em última análise, não me emocionava a falta de atenção, era o velório de sua mãe, por razões mais do que óbvias, ele nunca deveria ter seguido ou abandonado seu pai naquela capela, mas por algum motivo, alguma coisa o fez me seguir.Quando os meus pais deixaram a capela, eles passaram por mim como se não me conhecessem e abriu a porta de trás para eu entrar. Levantei-me, entrei no carro e coloquei meu cinto de segurança, esperei que meu pai me reclamasse ou algo assim, mas isso não aconteceu, papai dirigiu sem mencionar uma palavra suja e nem quis saber por que sua filha estava tremendo molhada no banco tr
As terças são os melhores dias do mês, não porque é terça-feira e tenho aula de literatura extra, mas porque é terça-feira e as aulas de educação física não são obrigatórias na escola. Se não fosse pelo fato de que os uniformes eram extremamente apertados nas pernas e o treinador ser um idiota, ou porque Kate e seus amigos estavam lá, eu daria uma boa olhada na pista e poderia nadar na piscina de 100 metros, mas eles estão lá, eles sempre estarão lá, e é por isso que eu odeio as aulas de educação física.As aulas são obrigatórias as segundas e sextas, na última sexta-feira, Kate descobriu o meu gosto por fadas e continuou me chamando de bruxa para o resto da aula. Bem, se eu fosse uma feiticeira, eu faria um encantamento para que ela só pudesse responder alguém quando lhe pedir
Mais uma vez, atravessei o corredor, as pessoas me encaravam, mas não me incomodava de enfrentá-las como sempre fazia. Não, não conseguiria fazer isso, não depois de ter ouvido tudo o que Alice me contou no banheiro.Como uma lebre, corri diretamente para a sala de aula, arrastei a minha cadeira, sentei-me e esperei que os outros alunos chegassem.Foi uma aula sobre educação sexual.O Edgard estava lá e a Kate também, eles estavam sentados na parte de trás da sala e riram quando o professor explicou sobre a importância do uso de preservativos, os outros estudantes também acabaram rindo das piadas egocêntricas de Edgard e eu só podia pensar em Alice naquele banheiro.Enquanto ele leitava livremente sobre como ser um idiota, ela estava lá, tirando toda a humilhação de ter sido estuprada por seu namorado (e agora grávida) dentro daquele
Silêncio. Tudo o que posso ouvir é um profundo silêncio que tomou conta de mim, não há mais músicas, elas pararam de tocar, não há mais espírito, não importa o que eu faça, nada, absolutamente nada me faz ter a coragem de me levantar da cama. Eu não sei quantas horas se passaram desde que cheguei da escola, tudo o que sei é que há um vazio dentro do meu peito, eu sou uma bagunça, tudo em mim é um colapso e as pessoas não gostam de bagunças.Isso foi tão difícil... Eu sei, muitas pessoas fizeram um círculo ao meu redor e me humilharam, aos olhos de algumas pessoas, essa situação era apenas uma piada, porque eu deveria me sentir mal só porque me pediram para beijar alguém? Na idade que eu tenho na década em eu que vivo você esperaria uma vida ativa para as meninas da minha idade, m
As terças são os piores dias do mês, não porque é terceira-feira, e eu tenho que atravessar o corredor da escola ou ser enganada pelos outros alunos, mas porque é terça-feira e é apenas mais um dia. Ela é como todos os outros, exceto que eu tenho que ir a um escritório com meu pai e isso pioram ainda mais as coisas.Segundo Buda nós, “Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo.”Alguma vez você já se perguntou que tipos de pensamentos circulam em sua mente? Em que tipo de pessoa você está se tornando e em que tipo de mundo você mora? Eu me perguntei esta questão várias vezes, mas quando Noah e aqueles estudantes me cercaram na escola, percebi que talvez nossos pensamentos não sejam suficientes para mudar o ambiente em que vivemos, porque somos o que pens