SOLO SANTO

LEBLANC...

Estaciono o Tesla em frente à casa de Deus. Pelo menos, é o que dizem. O lugar onde o político corrupto se ajoelha e pede perdão por deixar meio milhão de pessoas abaixo da linha da miséria.

Fecho os botões do paletó e caminho para dentro da igreja sem pressa. Observo a construção, três vezes maior do que da última vez que a vi. O prédio é antigo, mas não velho. As cores, o estilo renascentista, as formas. Tudo faz parecer que a igreja nunca passou por uma reforma, mas a verdade é que menos de um milhão de dólares mal daria para erguer os pilares.

Olho para o céu nublado. A instabilidade do clima nas grandes cidades é o que me faz sentir falta de uma ilha isolada no sul da Europa.

Entro no templo sagrado, olhando ao redor por força do hábito. Está vazio, pois ainda é tarde de segunda-feira.

Faz dois dias desde o jantar na Casa Branca e, teoricamente, estou atrasado. Este serviço já deveria ter sido concluído. No entanto, com o detetive Pierce no meu encalço, vou precisar de mais tempo. Claro, eu poderia concluir o trabalho e sumir. Mas fugir não é o que eu faço, esconder as evidencias é.

Meus passos são cada vez mais lentos quando me aproximo do altar. Por alguma razão, todo este silêncio me incomoda. Você fica quieto, e então começa a observar tudo ao seu redor. As esculturas encarando o nada, as pinturas no teto, o carpete macio abaixo dos pés.

O Padre Bee está ajoelhado no altar, rezando silenciosamente com seu terço enrolado nas mãos. Eu o conheço desde que eu era um menino, quando meu maior pecado era roubar os doces de outras crianças. Eu cresci, e posso dizer que meus pecados também.

Eu vejo a lateral do seu corpo. O Padre está vestindo uma túnica bordada, a mesma de vinte anos atrás. Ele é tradicional, e isso agrada a elite americana.

Continuo me aproximando, e ele, ao notar que há alguém na igreja, encerra sua oração beijando o terço de prata. O Padre Bee se levanta com um sorriso próprio para suas ovelhas, mas, ao me ver, o sorriso aos poucos se desmancha. Seus olhos me varrem de cima a baixo, descrente.

- Como... – ele engole em seco – Como você se atreve a entrar na casa de Deus?

- Você está sozinho – olho ao redor – Deus nunca esteve aqui.

Todo sangue foi drenado de seu rosto. O Padre Bee puxa a gola da túnica, repentinamente sentindo-se sufocado.

- Blasfêmia – ele sussurra.

O Padre dá uma volta no altar para não ter que passar por mim. Ele desce dois degraus e começa a caminhar para o corredor, onde, se não tiver mudado, fica à sacristia. Eu o sigo, e não posso ignorar a parte de mim que quer sorrir.

- Eu quero me confessar – informo.

- Deus me livre de ouvir os pecados do diabo – ele apressa os passos. No corredor estreito e silencioso, seus pés apressados batendo no chão são tudo que podemos ouvir.

- Jesus teria ouvido – preciso gritar diante da distância que ele impôs.

Padre Bee para, mas continua de costas para mim. Ele sabe que não pode negar a demanda de uma ovelha, mesmo que ela seja negra. Mesmo que seja o próprio diabo, como ele gosta de insinuar desde que eu tinha dez anos.

- Me espere no confessionário – seu tom de voz é baixo – Eu preciso me benzer antes.

Em outros tempos, eu teria adorado tirar a paz do Padre Bee. Me lembro de todas as travessuras pelas quais ele adorou me castigar, e a forma como suas punições apenas serviram como combustível para que eu fosse cada vez pior.

Ele continua caminhando em direção à sacristia e eu volto para o lugar dos fiéis, o salão onde as missas são feitas. Embora eu tenha passado anos afastado de qualquer pedaço de catolicismo, me recordo de todos os detalhes. O problema da memória fotográfica é que não se pode escolher o que fica gravado no cérebro.

O confessionário fica em outro corredor, na área mais afastada e menos iluminada da igreja. As más línguas dizem que é afastado porque é o local que os padres escolhem para seduzir fiéis.

O confessionário é fechado, tendo apenas uma porta para que o padre possa entrar. É uma espécie de caixa de madeira antiga. As janelas laterais são cobertas por tela, de modo que o podre possa ver o fiel, mas o fiel não possa ver o padre. Há um degrau do lado de fora, para que o penitente possa ficar ajoelhado enquanto confessa.

Esta era minha parte favorita. Me ajoelhar e esperar o padre dizer o quão longe eu estava da santidade, saber que era pior a cada dia e que ele não via salvação em mim. Porque se eu fosse ruim o bastante, não teria medo dos demônios nos meus sonhos. O medo não existiria se eu o ignorasse.

Às vezes, eu entrava no confessionário durante a missa e, logo após, quando um fiel vinha confessar, era eu quem ouvia. Eu guardava seus segredos sórdidos, piores do que os meus, mas eles recebiam perdão porque tinham dinheiro.

Pelos velhos tempos, abro a porta da caixinha de segredos e entro. O cheiro de madeira molhada está impregnado nas paredes. Há um banco acolchoado e eu me sento. Olhando para frente, quase posso ver o rosto daquelas pessoas que confessaram para mim. Não para o padre, não para Deus.

E se fechar os olhos por um segundo, posso reviver toda minha infância nesta mesma igreja. Em todas as vezes que o padre me mandou rezar três vez, eu rezei dez. A cada punição, eu pensava em algo pior, para obrigá-los a pensar em um castigo mais rígido.

Ouço passos vindos do lado de fora. Aquela pequena parte de mim que nunca deixou de ter dez anos sorri. Quem será o pecador de hoje?

A luz no local é miserável, mas estou atento a cada movimento. A porta da pequena sala é aberta lentamente, com receio. Uma mulher com vestido branco e lenço entra. O lenço de cetim cobre seu rosto, e isso me instiga. Quando alguém tem vergonha até mesmo de estar na igreja, então esteve em lugares muito impuros.

Ela caminha até o confessionário e se ajoelha no degrau, tomando uma longa respiração antes de retirar o lenço. Não vejo seus olhos, apenas o nariz, lábios e colo dos seios. De alguma forma, ela me parece familiar. Tento mudar de posição, mas isto é realmente tudo que a tela me permite ver.

- Padre – ela sussurra, a voz quase falhando.

Penso antes de tomar qualquer decisão. Não sou uma criança, não tenho mais motivos para ouvir as confissões alheias. Tenho pecados demais para lidar na minha própria vida. Mas Deus sabe como a voz dela me instigou, e agora quero saber o que a trouxe aqui.

- Filha – respondo.

Ouço sua respiração acelerada. Esta mulher está nervosa, mas, mais do que isso, ela está desesperada para confessar e receber perdão, pois crê que apenas assim conseguirá ter paz. Eu conheço esta sensação.

- Eu pequei – ela começa, e agora sua voz também soa familiar – E o problema é que... eu gostei.

Meus ouvidos estão atentos a todo som, mas principalmente ao que sai de seus lábios rosados. Olho para a boca bem preenchida diante de mim, entreaberta para acomodar a respiração forte.

- Eu conheci um homem – ela continua – No início, era como se as próprias mãos de Deus me afastassem dele, mas eu não resisti. Eu me aproximei.

- Como? – pergunto.

- Nada significante aconteceu. Estávamos no mesmo salão de festas, ele olhou para mim... – ela faz uma pausa e j**a o cabelo loiro para trás dos ombros – Eu me senti diferente. Senti que estava pecando apenas por ser alvo do seu olhar.

Começo a associar sua história e sua aparência. Os lábios com a proporção certa, o cabelo loiro, uma festa. É ela. Estou ouvindo a confissão de Angelic Donneli.

- Minha intuição gritava alertas para eu me manter longe, mas o senhor sabe quando o pecado é tão magnético que te puxa para perto? – ela pergunta.

- Sim.

- Nada aconteceu, eu juro, mas me sinto suja como se tivesse acontecido.

- Por que veio se confessar? – pergunto.

- Eu não pequei, padre. Mas se tivesse tido a chance... – ela não precisa continuar.

Eu não quero que ela me reconheça. Ser o Padre Bee e ouvir sua confissão me deixa intrigado. Quero ouvir mais. Eu pude ler todas suas reações naquela noite, há dois dias, mas ouvir de seus próprios lábios é diferente. É excitante.

- Eu sou adulta, não deveria estar presa no mundo do meu pai. Mas eu não tenho saída. A cada metro há um fotografo pronto para expor toda minha vida – Angelic suspira – Padre? – ela chama.

- Sim, filha.

- Eu trocaria tudo por uma vida emocionante.

Me acomodo melhor no banco, olhando para a única parte dela que posso. Angelic tem uma mente voadora presa em um corpo sem asas. Está tão acostumada com as regras que pensa estar pecando quando as descumpre. Adorável, mas ela não deveria se desculpar quando não se arrepende.

- Eu me senti viva naquele dia, e estou usando uma máscara desde então, fingindo que não adorei toda a emoção.

- Uma máscara – penso a respeito – Em um mundo falso, a máscara é sua aliada, não inimiga.

O Padre Bee provavelmente teria uma visão diferente, mas ele não está aqui, está?

- O que quer dizer?

- Se todos estão fingindo, por que apenas você se sente culpada?

- Porque... – Angelic para.

- Se tem medo do julgamento das pessoas, não deixe que elas saibam – completo.

Esta é minha filosofia de vida desde que eu entendi a forma como a sociedade funciona. Se um político permite que a população passe fome, está tudo bem. Se você coloca uma bala na cabeça deste político, não está. Então, no fim, vestir a pele de cordeiro é uma necessidade.

- Então eu estou perdoada? Sem penitência?

- Reze três vezes antes de dormir – peço, por protocolo. Esta foi minha punição por diversas vezes.

- Obrigada, padre.

- Disponha, filha.

Angelic se levanta cuidadosamente e coloca o lenço em sua cabeça. Ela começa a caminhar para a porta de saída da sala, mas para.

- Padre? – sua voz tem um tom de diversão – Você é novo na diocese? Nenhum dos padres que eu conheço tem sotaque britânico.

Levo alguns segundos para perceber o sorriso de lado que estou esboçando. Bingo, daminha!

- Estou de passagem – respondo.

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