PRESOS

É sério? Ele levou minutos me encarando, me instigou a vir até aqui e fugiu?

Ele caminha para o outro lado do salão, tão longe quanto pode. O homem anda despretensiosamente, como se não quisesse ser o centro das atenção, mas sendo de qualquer forma.

As mulheres se entreolham com um sorrisinho do tipo "se meu marido fosse assim...", porque a maioria dos políticos tem nada além de cabelos grisalhos e barriga avantajada.

Seu olhar permanece voltado para frente, fixo, e nunca olha para trás, para os meros mortais. Mas apesar de toda imponência que ele exala, não é do tipo arrogante. É do tipo que não precisa mostrar aos outros quem realmente é.

- Querida - meu pai diz, e só então eu percebo que estou parada ao seu lado, encarando as costas do desconhecido.

- Papai - tomo uma longa respiração e aprumo a postura.

- Tom Saint estava importunando você?

- Um pouco - me viro completamente para ele - Quem era aquele homem?

- Bruce Campbell. A família dele é dona de um dos maiores vinhedos da europa.

- Diz isso pensando na sua campanha?

- Você sabe como a política é. Precisamos destes ricaços do nosso lado.

Encaro as pessoas no salão, cada uma delas presa em seu próprio mundo. Nenhuma se parece com aquele homem, Bruce Campbell. Ele parecia mau, e digo isso porque conheço pessoas ruins. Uma delas chamo de madrasta.

- Eu vou ao toalete - informo.

Após um aceno do meu pai, me afasto. Estou certa de que Marcos me segue, provavelmente bravo por eu estar perambulando como se não conhecesse o protocolo.

O certo é esquecer aquele homem. A verdade é que eu tenho uma vida tediosa e monótona demais, e, quando posso sentir uma gota de adrenalina, me jogo.

Viro a direita no corredor e chego ao toalete vazio. Retiro as luvas, lavo e seco as mãos, ajusto os fios do meu cabelo, que está preso em um coque alto, depois recoloco as luvas. Estou pronta para voltar à gaiola de ouro.

Quando saio do toalete, confesso que estou mais calma. Aquela troca de olhares foi uma besteira sem tamanho. É claro que ele iria olhar para mim, meu pai provavelmente estava lhe contando que eu sou seu melhor investimento.

Quando estou caminhando para o fim do corredor, sinto duas grandes mãos me agarrando por trás. Uma está sobre minha boca, me impedindo de gritar, a outra me circula pelo meio do corpo, prendendo meus braços. Sequer posso espernear, pois o próprio tecido do vestido limita minhas pernas.

Olho ao redor desesperadamente. Marcos não estava logo no meu encalço?

Merda!

Tento gritar, mas sua mão está firme em meu rosto. Aos poucos, a pessoa, que eu suponho ser um homem, me arrasta para trás. Ele não se esforça muito, embora eu tente me mexer para me soltar.

Vejo o final do corredor cada vez mais longe, embaçado pelas lágrimas de desespero que começam a se formar nos meus olhos.

- Quieta - ele sussurra contra a lateral do meu rosto. Eu congelo, não sei se por medo ou surpresa - Isto é um atentado. Vieram atrás de você - é tudo que ele diz.

Meu corpo, outrora agitado, fica imóvel enquanto as palavras dele se infiltram na minha cabeça. Um atentado. Ele está tentando me... salvar?

- Todos no chão! - uma voz masculina grita no salão, e é seguida por dois disparos.

As pessoas começam a gritar. Meu corpo fica cada vez mais tenso e pesado. Se este homem não estivesse me levando para longe, eu não conseguiria correr.

- Na porra do chão! - a mesma voz repete.

O homem atrás de mim solta uma das mãos apenas para abrir a porta do armário que fica no corredor e entra, me levando junto. Ele fecha a porta quando estamos abrigados na escuridão do armário, mas não me solta.

Outro disparo é ouvido, seguido por mais gritos. Eu tremo, e involuntariamente uma lágrima desce, escorrendo pela mão do homem. Eu só consigo pensar no meu pai.

Todos meus sentidos estão aguçados. Posso sentir o cheiro de poeira dentro do armário, posso ver a luz que entra pelas frestas da porta, posso ouvir todos os ruídos vindos do salão, posso sentir o gosto de sangue na língua e posso sentir o corpo rígido atrás do meu.

- No chão! Ou ela morre! - outro disparo.

Ela? Quem?

Minhas pernas falham, tremendo. Então era este o perigo que Marcos tentou evitar durante anos, e aqui estou eu, indefesa. O homem me segura com mais força, e, de repente, parece que está tentando me acalmar.

- O medo não existe se você ignorá-lo - ele sussurra.

Meu coração retumba no peito de uma forma que tenho certeza de que ele consegue ouvir. Fecho os olhos e repito suas palavras. O medo não existe...

Me concentro em tudo, menos na sensação devastadora que o medo traz. Tento não pensar no que pode estar acontecendo no salão, ignoro os gemidos sofridos das pessoas. O medo não existe.

A primeira coisa ao meu redor que noto é o perfume do homem atrás de mim. Ele preenche todo o espaço do armário com a fragrância.

Minhas costas estão contra seu corpo, e eu o sinto na pele como se emanasse fogo. Desço os olhos para suas mãos me segurando pelo meio, noto as veias saltando sob a pele. Ele tem dois anéis de platina na mão direita; um no anelar e outro no dedo médio.

Quem é ele?

Foco totalmente nele, para não me apavorar com todo resto. É forte, porque me pegou sem esforço. É alto, porque seu peitoral está contra a parte de trás da minha cabeça. Tem cheiro de limpeza, dinheiro e madeira - se é que isso existe. Imponência é uma palavra que o resume bem. Cada um de seus movimentos gritou controle meticuloso, centrado suficiente para decidir e comandar, diferente de qualquer outro que eu tenha visto.

Sua respiração b**e contra os fios do meu cabelo. Está tranquila, diferente da minha. O que emana dele é inalcançável e inacessível. Parece longe, mesmo estando ao lado.

Eu sei quem ele é.

O homem me solta, e imediatamente eu me viro para o encarar. As luzes das frestas do armário me permitem ver o rosto de Bruce Campbell. Seu rosto é ainda mais maldito de perto, e me vejo quase hipnotizada. Quase.

Sinto outro arrepio. Minha intuição grita para que eu me afaste dele. Há uma parte do meu cérebro indicando que as pessoas responsáveis pelo atentado são mais confiáveis e menos perigosas do que este homem.

Ouvimos passos do lado de fora do armário, no corredor. O maxilar dele enrijece. Bruce olha para a fresta da porta, depois para mim, e então leva o dedo indicador aos lábios, indicando que eu devo fazer silêncio.

Estou de costas para a porta agora, então não vejo, e não vou me atrever a me mover. Minhas mãos soam e tremem, parecendo um tanto quanto desajeitadas agora que Bruce as soltou.

Adrenalina. Eu me dou conta. Todas as sensações que me invadem. Desespero e surpresa quando Bruce me agarrou no corredor. Medo quando entramos no armário. Curiosidade e admiração quando o vi de perto.

- Polícia de Nova Iorque. Soltem as armas! - ouço a voz vinda do salão. Está distante, então provavelmente vem da entrada.

Há um novo disparo, que me assusta, seguido por alguns gritos. A pessoa do lado de fora do armário corre na direção oposta ao salão.

- Soltem as armas e deitem no chão! É o último aviso - outro grito. Dois disparos seguidos - No chão!

Prendo a respiração, com medo de que ela me impeça de ouvir o que está acontecendo no salão. Olho para Bruce, mas ele não parece estar com medo. Está tão estóico quanto uma rocha.

- Mãos para trás - o policial, suponho, ordena.

Em uma atitude completamente inesperada, Bruce segura minha cintura com ambas as mãos e me coloca atrás de si, presa entre ele e o fundo do armário. Presa. Como uma caça. Foi assim que me senti desde nossa primeira troca de olhares, como se em algum momento eu fosse me tornar sua vítima.

Ele abre a porta do armário lentamente, olhando para fora na medida em que sai. Sua mão direita está sobre a cintura, exatamente no local onde Marcos esconde um revolver. Ele está armado?

- Vem - Bruce olha para mim.

Tomo uma longa respiração, a milésima da noite, e saio.

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