ANGELIC...O barulho no jardim me faz acordar. Os funcionários estão organizando a área externa após a festa de ontem. Coloco o travesseiro sobre a cabeça e tento continuar dormindo, mas é impossível. Desisto.Mesmo contragosto, levanto da cama e visto o robe sobre a camisola. Minha cabeça está latejando, em partes por não ter dormido o suficiente, mas não posso negar que, noite passada, fiquei rolando de um lado para o outro na cama, sem conseguir dormir, pensando na conversa que tive com Bruce.Eu sabia, desde o momento em que entrei na sala do confessionário, que o Padre Bee não estava do outro lado da tela. A respiração do Padre é suave e pesada, com espaços curtos entre as expirações. E, mesmo assim, eu me confessei. Eu queria, desesperadamente, me confessar para alguém que não fosse contar meus pecados para meu pai depois.Após escovar os dentes e lavar o rosto, desço para o primeiro andar. A mesa já está posta com o café da manhã, porém Margot e Elliot ainda não desceram. Fecho
Nova Iorque está longe de ser uma das cidades mais quentes do mundo, mas, pelo amor de Deus, desde quando o sol está tão próximo da Terra?Este deve ser meu terceiro mergulho dentro de dez minutos, e a cada segundo a água parece estar menos fria. Eu mal consigo me concentrar na aula de Pontes e Grandes Estruturas.Eu subo as escadas da piscina e saio da água, depois caminho até a mesa sob guarda-sol. Skyla está digitando em seu Macbook, mas não parece estar minimamente interessada na atividade. Diga-se de passagem, ela está mais interessada no professor desta matéria.Existem poucas pessoas na lista verde de Elliot e, felizmente, Skyla é uma delas. Talvez pela posição social de sua família, já que meu pai vê negócios em todas suas relações. Mas, de qualquer forma, eu fico feliz em saber que minha amizade com ela é aceita.- Pontes e Grandes Estruturas - ela zomba - A única coisa que eu vou construir é uma casinha para meu cachorro.- Seu professor acha que isso é importante para sua v
Um som vindo da cozinha é ouvido. Não tenho certeza, mas creio que tenha sido um copo de vidro sendo estilhaçado no chão. Neste instante, Bruce balança a cabeça, como se estivesse saindo de um devaneio.- É melhor você se vestir - ele finalmente diz.Eu poderia pegar a toalha que ele estende para mim e correr para o quarto, porque é o que uma menina religiosa faria. Mas, de alguma forma, a rouquidão de sua voz e o olhar que ele acabou de destinar a mim me prendem. Eu pego a toalha de sua mão e volto a envolver meu corpo.Ele desvia o olhar para as portas de acesso ao jardim, como se as plantas lá fora fossem mais interessantes do que a pessoa diante dele. E para reforçar o afastamento entre nós, Bruce dá um passo atrás.- Obrigada - digo.Só quando estou vestida, na medida do possível, ele volta a me encarar. Desta vez, Bruce olha para meu rosto, mas não exatamente para meus olhos.- Não por isso.Caminho em direção às escadas, mas paro. Aquela parte de mim que morreria por uma gota d
LEBLANC...Quando saio da residência do presidente, Peter, o motorista, já está com o Tesla estacionado sob a marquise. Ele sai do carro quando eu me aproximo e estende o cartão–chave. Assim que pego o cartão e entro no carro, sinto o celular vibrar no bolso da calça. É um número desconhecido, mas levando em consideração que eu o passei apenas para uma pessoa na América, sei quem é.– Detetive – saúdo.– Sr. Campbell – Kevin Pierce murmura.Ouço o barulho da delegacia através do celular. Os telefones tocando incessantemente, as conversas paralelas e as teclas dos computadores sendo apertadas. Consigo ficar estressado só de idealizar o ambiente.– Surgiram novas dúvidas na investigação do atentado – ele informa.Dou partida no carro e dirijo para fora da propriedade Donneli.– Então estão no caminho certo.– Sabe... eu ouvi algumas sobre o senhor – o barulho é abafado, então provavelmente Pierce entrou em uma sala fechada.Ele está blefando. É impossível que Pierce saiba algo sobre um
ANGELIC...A verdade é que estamos afundando. Meu pai nunca diria o quanto, mas eu sei. Margot não fez compras exageradas esta semana, o número de funcionários foi reduzido e a campanha de Elliot Donneli está praticamente parada. Para um político, este é o fundo do poço. Margot até tentou fazer um chá da tarde com suas amigas – esposas de políticos – hoje, mas não teve sucesso. Apenas cinco compareceram.Caminho até a mesa de jantar, onde meu pai e Margot estão sentados, e tomo meu lugar ao lado esquerdo dele. Pego o guardanapo e coloco em meu colo.– Boa noite – digo. O clima ao redor na mesa é fúnebre.– Boa noite – Margot responde. Ela pega o guardanapo e coloca em seu colo, um tanto quanto bruscamente. Meu pai suspira.– O que está acontecendo? – pergunto. Aos poucos, a fome que eu sentia quando saí do quarto some.– Diga à ela – Margot incita.Olho de um para o outro, tentando captar algo. Desde que meu pai foi diagnosticado, os problemas não pararam de surgir. Ele continua sendo
– Vamos trocar – ouço um dos seguranças dizer em algum lugar do jardim. Depois, vejo a luz de sua lanterna se movimentar, indicando que ele está caminhando.De repente, tenho quinze anos novamente e estou fugindo com Skyla para a casa de seu namorado. Bons tempos, aliás.O segurança se movimenta em direção às portas da cozinha para fazer a troca de turno. Neste momento, tomo uma longa respiração, penso uma segunda vez e me decido. Vou pular sobre o portão. Não posso demorar, então seguro as barras com ambas as mãos, coloco o pé direito em uma abertura e subo.O portão é mais alto do que imaginei. Droga. Continuo escalando até o topo, depois jogo as pernas para o outro lado. Olho para baixo, mas a escuridão não me permite ver o chão. Tento encaixar o pé na abertura, porém ele desce e eu escorrego.– Ah! – grito. Consigo firmar as mãos nas barras e não cair espalhada no chão. Olho para dentro da propriedade, para ter certeza de que não ouviram meu grito. Eu creio que não.Com mais cuida
LEBLANC...Eu cresci no Bronx, perto de todas essas pessoas consideradas repugnantes. Sujas mesmo. Uma delas é Lenon, um senhor mais perto da morte do que da vida. De uma forma pouco comum, simpatizo mais com ele do que com qualquer outra pessoa mais jovem.- Dez movimentos e você ganha de mim - Diz Lenon.Eu olho para o tabuleiro entre nós, calculando os movimentos que preciso fazer pelo xeque-mate enquanto tento antecipar seus movimentos.Sim, eu vejo isso. Mas o quão divertido seria isso? Eu pego meu peão na E2.- Não - ele repreende.E ele me dá o mesmo olhar que vejo desde criança, quando aprontava pelo bairro. Mas não posso resistir. Incapaz de segurar meu sorriso, eu o ignoro e mudo para E4. Ele solta um suspiro e balança a cabeça, exasperado com a falta de controle e estratégia que ele falhou em me ensinar todas aquelas longas tardes.Eu gosto de ser meticuloso e certo quando faço algo, mas, as vezes, isso me deixa previsível. E mais perigosa do que o impulso é a previsão.A m
Volto a olhar para fora. É isso que Margot pensa toda vez que olha para Angelic. Ela é a rainha do jogo, pronta para coordenar tudo quando seu pai morrer, inclusive aqueles diamantes que ela sequer sabe que existem. Ela está pronta para qualquer coisa, na verdade, menos para uma noite no Bronx.Me levanto, deixando Lenon recolhendo as peças do jogo, e caminho para fora. Eu gosto de observar ela, não como uma presa, mas como um tabuleiro. Algo que preciso descobrir. Os planos de Margot ainda seriam bem sucedidos com Angelic viva, então por que me contratou? O que essa garota tem?Ela está de costas, e eu me aproximo. O cheiro podre me encontra mais uma vez, a música fica mais alta e as luzes mais fortes. De todas as pessoas do mundo, ela é a última que deveria estar aqui.- O que você está fazendo aqui? – pergunto, fazendo ela pular de susto.- Que... – um grito quase sai de seus lábios – Sr. Campbell.- Eu perguntei...- Eu ouvi, mas não lhe devo satisfações.Sua audácia me faz erguer