- Oh, você não está me entendendo? – o homem gargalha, alta e longamente, chamando minha atenção – Eu poderia jurar que você sabia de algo, mas... você não sabe. Você realmente não o conhece.Ele puxa a mordaça em minha boca. A esta altura, minha mandíbula está dolorida, e eu me pergunto por quanto tempo estive desacordada. Por quanto tempo ele estive virado para a parede, encarando aquele desenho enquanto esperava eu acordar.Tudo me assusta, e tudo me leva a pensar que não vou conseguir sair daqui.Ele soube o momento exato em que deveria me atacar.Ele me amarrou neste quarto.Ele me acusou de ser conivente com o que quer que Aaron tenha feito.O homem caminha para trás, e então se senta na pequena cama. O lençol azul marinho e as almofadas coloridas são um pesadelo. Estar em um quarto tão alegre, com este homem, é um pesadelo.- Eu demorei até conseguir juntar todas as peças e ter uma história completa, mas ficarei feliz em compartilhar com você – ele diz.História?Ele me trouxe
LEBLANC..."Angelic senta-se ao meu lado, e quando a roda-gigante começa a se mover, ela apoia uma mão em meu joelho e aperta levemente – talvez por medo, ou expectativa. Seu rosto está enfeitado com um leve sorriso e olhos azuis refletindo as luzes da porra da cidade inteira. Simplesmente, e inegavelmente, a coisa mais bonita que eu já vi.- É tão lindo quanto eu me lembrava – ela comenta.Coloco minha mão sobre a sua, entrelaçando nossos dedos. E, da forma mais brega possível, gravo este momento na parte mais sólida de mim, como uma gravura em uma pedra. Quero me lembrar do vestido róseo que ela está usando, do cabelo solto, dos lábios avermelhados...- Obrigada – ela se vira para mim – Obrigada por vir comigo.- De nada.Ela avança, e então seus lábios tocam os meus. Este beijo, a priori inocente, me faz sentir como se fosse meu primeiro beijo. É como se toda minha existência, até aqui, simplesmente deixasse de existir. Tudo que existe é ela, os beijos dela, o toque dela, as palavr
LEBLANC...As gotas de água caindo no telhado e escorrendo pela parede até o chão; o cheiro de mofo no lado de dentro, e terra molhada no lado de fora; os cantos dos móveis cobertos por teia de aranha e poeira. Eu noto absolutamente tudo, pois meus sentidos se encontram em alerta máximo.Ouço um pequeno burburinho no andar de cima. Eu e Valentino nos encaramos enquanto uma porta é aberta e fechada, sem vozes, apenas o melancólico som da fechadura. Depois, passos fortes clicam o chão de madeira acima de nós, e meu coração segue o ritmo dos passos.Valentino sabe que eu estou apreensivo. Ele sabe que Angelic é importante para mim, do contrário, eu não estaria aqui. A matemática é simples.Valentino desvia os olhos de mim apenas quando volta a comer, como se não estivesse fazendo um inferno do caralho na minha vida. Como se não estivesse acabando com ela. Ele espeta o tomate com o garfo e come, torturantemente e lentamente.Esfrego as mãos em minhas coxas para me livrar do suor frio. Pel
ANGELIC...Casa.Eu devia me sentir em casa.Mas tudo que eu sinto é um vazio no peito, como se eu estivesse fora de mim mesma. Como se até mesmo este corpo não me pertencesse. E eu queria ser qualquer pessoa entre o céu e inferno; menos eu mesma.Eu me sento no chão. Joelhos dobrados, cabeça baixa, ombros curvados. Eu estou destruída de todas as formas que uma pessoa pode estar.A brisa delicada, porém fria o bastante para arrepiar minha pele, leva as folhas amareladas do outono para longe. O sol não fez questão de aparecer hoje, deixando apenas o céu nublado e cinza me receber.Eu respiro fundo. Quando o ar preenche meus pulmões, eu me sinto viva, e odeio isso. Odeio sentir que estou sob essa pele, e que tudo isso é real. Eu solto o ar, repetindo o processo diversas vezes, porque me concentrar na minha respiração, no piscar dos meus olhos, no toque das roupas em meu corpo, no batimento do meu coração, significa que não preciso pensar em outra coisa. Eu só preciso continuar existindo
ANGELIC...Meus dedos tremem enquanto desdobro o papel, lentamente, com medo do que vou encontrar. Meu lado pessimista não aguenta mais receber notícias ruins, no entanto, a esperança ainda cintila em mim, implorando por algo bom. Qualquer coisa que me faça sentir viva.Então, com o último resquício de energia e coragem que tenho, deslizo os olhos pela letra cursiva."Eu não saberia nomear meus sentimentos por você. Dizer simplesmente que é paixão, ou até mesmo o famigerado amor, seria muito resumido. Seria clichê, porque até mesmo os mais antigos romances já falavam sobre o ato de amar. Portanto, quero lhe trazer uma informação.Quando um ser humano morre, a primeira função a parar de funcionar é a circulação sanguínea. O corpo esfria, e então gradualmente começa a petrificar.Quando alguém morre, a oxigenação para de acontecer e o organismo se desequilibra. Minerais importantes deixam de ser produzidos. Com isso, as células se desestabilizam e passam a digerir o próprio corpo.A mai
LEBLANC...O dinheiro move o mundo, e não estou sendo superficial quando digo isso. Até mesmo as igrejas são cheias de pinturas milionárias e padres corruptos. Digo, até que ponto somos capazes de chegar pelo poder aquisitivo? Porque tudo tem um preço, alguns são apenas mais altos.Eu, particularmente, gosto das mansões beira-mar e carros esportivos. Meu caráter é altamente questionável se você tiver um milhão de dólares para me oferecer. Mas não dirija a palavra à mim com menos do que isso.No entanto, o dinheiro não está em primeiro lugar. O respeito está.Estaciono minha última compra em frente à mansão Campbell, propriedade de uma das famílias mais ricas da Itália. Após descer do carro, alinho o terno preto, apesar de ter certeza de que ele está perfeito.Caminho até a porta de entrada da casa e, enquanto isso, volto ao pensamento anterior. O dinheiro é tudo. Meu último serviço foi prestado ao único filho de Daniel Campbell. Ele queria que seu pai dormisse o sono dos justos, para
ANGELIC...Quando você acorda e dorme sob a atenção, literalmente, de todo mundo, é difícil ter alguma personalidade. Sorrir, ser gentil e recatada, não falar, não se afastar... as regras se tornam a única coisa segura. Ter amigos, uma vida adolescente comum ou uma infância livre não entram na lista de prioridades. Nada além dos protocolos entra.Existe uma gaiola de ouro, e as coisas fora dela são frutos proibidos. Você se pergunta o que há lá fora, e quer viver tudo que puder viver, mas existe um limite bem demarcado. Este limite, para mim, é meu pai.O presidente do país, e um dos homens mais ricos dentro dele. O tipo de pessoa que ama sua posição social, e, eventualmente, sua única filha. Há quem diga que ele preferiria ter um filho, mas se contentou em ter uma garota e poder moldá-la de acordo com sua vontade.- Como está o perímetro? - Marcos, meu segurança pessoal, pergunta enquanto pressiona o ponto em seu ouvido. Ele escuta a resposta - Vamos entrar em um minuto.Estamos no e
É sério? Ele levou minutos me encarando, me instigou a vir até aqui e fugiu?Ele caminha para o outro lado do salão, tão longe quanto pode. O homem anda despretensiosamente, como se não quisesse ser o centro das atenção, mas sendo de qualquer forma.As mulheres se entreolham com um sorrisinho do tipo "se meu marido fosse assim...", porque a maioria dos políticos tem nada além de cabelos grisalhos e barriga avantajada.Seu olhar permanece voltado para frente, fixo, e nunca olha para trás, para os meros mortais. Mas apesar de toda imponência que ele exala, não é do tipo arrogante. É do tipo que não precisa mostrar aos outros quem realmente é.- Querida - meu pai diz, e só então eu percebo que estou parada ao seu lado, encarando as costas do desconhecido.- Papai - tomo uma longa respiração e aprumo a postura.- Tom Saint estava importunando você?- Um pouco - me viro completamente para ele - Quem era aquele homem?- Bruce Campbell. A família dele é dona de um dos maiores vinhedos da eur