ANGELIC...A verdade é que estamos afundando. Meu pai nunca diria o quanto, mas eu sei. Margot não fez compras exageradas esta semana, o número de funcionários foi reduzido e a campanha de Elliot Donneli está praticamente parada. Para um político, este é o fundo do poço. Margot até tentou fazer um chá da tarde com suas amigas – esposas de políticos – hoje, mas não teve sucesso. Apenas cinco compareceram.Caminho até a mesa de jantar, onde meu pai e Margot estão sentados, e tomo meu lugar ao lado esquerdo dele. Pego o guardanapo e coloco em meu colo.– Boa noite – digo. O clima ao redor na mesa é fúnebre.– Boa noite – Margot responde. Ela pega o guardanapo e coloca em seu colo, um tanto quanto bruscamente. Meu pai suspira.– O que está acontecendo? – pergunto. Aos poucos, a fome que eu sentia quando saí do quarto some.– Diga à ela – Margot incita.Olho de um para o outro, tentando captar algo. Desde que meu pai foi diagnosticado, os problemas não pararam de surgir. Ele continua sendo
– Vamos trocar – ouço um dos seguranças dizer em algum lugar do jardim. Depois, vejo a luz de sua lanterna se movimentar, indicando que ele está caminhando.De repente, tenho quinze anos novamente e estou fugindo com Skyla para a casa de seu namorado. Bons tempos, aliás.O segurança se movimenta em direção às portas da cozinha para fazer a troca de turno. Neste momento, tomo uma longa respiração, penso uma segunda vez e me decido. Vou pular sobre o portão. Não posso demorar, então seguro as barras com ambas as mãos, coloco o pé direito em uma abertura e subo.O portão é mais alto do que imaginei. Droga. Continuo escalando até o topo, depois jogo as pernas para o outro lado. Olho para baixo, mas a escuridão não me permite ver o chão. Tento encaixar o pé na abertura, porém ele desce e eu escorrego.– Ah! – grito. Consigo firmar as mãos nas barras e não cair espalhada no chão. Olho para dentro da propriedade, para ter certeza de que não ouviram meu grito. Eu creio que não.Com mais cuida
LEBLANC...Eu cresci no Bronx, perto de todas essas pessoas consideradas repugnantes. Sujas mesmo. Uma delas é Lenon, um senhor mais perto da morte do que da vida. De uma forma pouco comum, simpatizo mais com ele do que com qualquer outra pessoa mais jovem.- Dez movimentos e você ganha de mim - Diz Lenon.Eu olho para o tabuleiro entre nós, calculando os movimentos que preciso fazer pelo xeque-mate enquanto tento antecipar seus movimentos.Sim, eu vejo isso. Mas o quão divertido seria isso? Eu pego meu peão na E2.- Não - ele repreende.E ele me dá o mesmo olhar que vejo desde criança, quando aprontava pelo bairro. Mas não posso resistir. Incapaz de segurar meu sorriso, eu o ignoro e mudo para E4. Ele solta um suspiro e balança a cabeça, exasperado com a falta de controle e estratégia que ele falhou em me ensinar todas aquelas longas tardes.Eu gosto de ser meticuloso e certo quando faço algo, mas, as vezes, isso me deixa previsível. E mais perigosa do que o impulso é a previsão.A m
Volto a olhar para fora. É isso que Margot pensa toda vez que olha para Angelic. Ela é a rainha do jogo, pronta para coordenar tudo quando seu pai morrer, inclusive aqueles diamantes que ela sequer sabe que existem. Ela está pronta para qualquer coisa, na verdade, menos para uma noite no Bronx.Me levanto, deixando Lenon recolhendo as peças do jogo, e caminho para fora. Eu gosto de observar ela, não como uma presa, mas como um tabuleiro. Algo que preciso descobrir. Os planos de Margot ainda seriam bem sucedidos com Angelic viva, então por que me contratou? O que essa garota tem?Ela está de costas, e eu me aproximo. O cheiro podre me encontra mais uma vez, a música fica mais alta e as luzes mais fortes. De todas as pessoas do mundo, ela é a última que deveria estar aqui.- O que você está fazendo aqui? – pergunto, fazendo ela pular de susto.- Que... – um grito quase sai de seus lábios – Sr. Campbell.- Eu perguntei...- Eu ouvi, mas não lhe devo satisfações.Sua audácia me faz erguer
ANGELIC...Quando acordo pela manhã, minha cabeça está explodindo. A noite passada, aos poucos, se infiltra em minha memória, e eu espero que o arrependimento venha, mas ele não vem. Até que eu abra os olhos, era como se tudo fosse um sonho. Um bom sonho.Skyla não me deu muitas informações sobre o porquê dela frequentar o Bronx. Não que seja errado, mas não é o tipo de lugar que a herdeira de uma petrolífera visita. No entanto, eu não odiei. Talvez até tenha gostado dos carros modificados, das pessoas que não se importam com a opinião alheia e do cheiro de rua. Talvez.Contragosto, abro os olhos. Todas as cortinas estão fechadas, então o quarto está deliciosamente escuro. Me levanto, e sequer me preocupo em colocar o robe sobre a camisola. Eu costumo ser muito formal e obediente, mas os últimos dias me mostraram que meu comportamento não vai mudar nosso futuro. O fracasso é quase definitivo para a família Donneli.Vou ao banheiro, escovo os dentes e arrumo o cabelo. Meu rosto está co
O gramado cercando a igreja está molhado após a chuva de ontem, o que o deixa ainda mais bonito. As paredes do templo são brancas, mas as pilastras de sustentação são douradas.Caminho para dentro do templo sagrado lentamente, quase como se não quisesse estar aqui. Eu sei que esta deveria ser a casa de Deus, mas conhecendo todas as pessoas que frequentam este ambiente, incluindo o padre, não me sinto em um ambiente santo. Tanta soberba e falsidade por trás destes tijolos me enoja.É um templo grande e pomposo, feito exatamente para a elite. É um lugar onde pessoas com pouco dinheiro não se sentiriam bem. Até os benditos cálices são feitos de ouro puro. A parte boa é que eu posso me encontrar verdadeiramente com Deus, independentemente do quão corrompidas as outras pessoas sejam.Mas, neste ponto, eu também sou corrompida. Só de lembrar dos olhos daquele homem em mim, fixos em meus detalhes como se tivesse a obrigação de não esquecer, eu aqueço.Sim, eu preciso me confessar, desta vez
LEBLANC...Há tantas merdas no mundo para entreter velhos com problemas. O xadrez, por exemplo, ou o velho jogo de cartas. Mas o ser humano sempre faz as piores escolhas, mesmo tendo dezenas de opções. Este é o caso de Elliot Donneli, que acaba de acender seu terceiro cigarro. Ele não fuma diante da família, então aproveita esses momentos para acabar com o resto de vida que lhe resta. Não é muita.Estamos jogando sinuca, algo que fiz muito quando estava em Igreja Morta, uma prisão na Suécia. Este jogo exige habilidade intelectual e prática. Não adianta ser um gênio atrapalhado, muito menos um atleta estúpido. Elliot não é ruim, mas ele está mais interessado em me agradar e conseguir o financiamento de sua candidatura do que em jogar, de fato.- O comitê político fará um brinde em comemoração ao meu aniversário. Será uma data importante.- Eu imagino – dou uma tacada em uma das bolas pares, que são as minhas, e encaçapo a número 6. Faço mais uma jogada, mas erro de propósito. Elliot nã
- E se eu quiser outro tipo de serviço agora? – sua voz não passa de um sussurro. Margot tenta colocar a mão em meu rosto, porém seguro seu pulso. Prefiro acreditar que ela não é burra ao ponto de tentar me pagar com sexo.- Então teria que me pagar por ele.- Eu pagaria, acredite.Ela se aproxima mais. Solto seu pulso, mas sei que suas investidas não chegaram ao fim. Margot sabe que é bonita, e que a maioria dos homens não pensariam uma segunda vez antes de levá-la para a cama. A diferença é que não envolvo sexo em meus trabalhos. Nunca.- Não tente fazer isso comigo. Você sabe que não tenho perfil para ser seu amante.- Eu sei – ela se recompõe – Mas não me custava tentar.Margot sobe o decote, que estou certo de que ela desceu cinco segundos antes de entrar aqui, e parte para fora da sala. Sozinho, sinto a necessidade de revirar os olhos. Eu havia me esquecido do porquê de eu não me envolver a fundo nos serviços, agora me lembrei.Penduro o taco no suporte na parede e pego meu sobr