O gramado cercando a igreja está molhado após a chuva de ontem, o que o deixa ainda mais bonito. As paredes do templo são brancas, mas as pilastras de sustentação são douradas.Caminho para dentro do templo sagrado lentamente, quase como se não quisesse estar aqui. Eu sei que esta deveria ser a casa de Deus, mas conhecendo todas as pessoas que frequentam este ambiente, incluindo o padre, não me sinto em um ambiente santo. Tanta soberba e falsidade por trás destes tijolos me enoja.É um templo grande e pomposo, feito exatamente para a elite. É um lugar onde pessoas com pouco dinheiro não se sentiriam bem. Até os benditos cálices são feitos de ouro puro. A parte boa é que eu posso me encontrar verdadeiramente com Deus, independentemente do quão corrompidas as outras pessoas sejam.Mas, neste ponto, eu também sou corrompida. Só de lembrar dos olhos daquele homem em mim, fixos em meus detalhes como se tivesse a obrigação de não esquecer, eu aqueço.Sim, eu preciso me confessar, desta vez
LEBLANC...Há tantas merdas no mundo para entreter velhos com problemas. O xadrez, por exemplo, ou o velho jogo de cartas. Mas o ser humano sempre faz as piores escolhas, mesmo tendo dezenas de opções. Este é o caso de Elliot Donneli, que acaba de acender seu terceiro cigarro. Ele não fuma diante da família, então aproveita esses momentos para acabar com o resto de vida que lhe resta. Não é muita.Estamos jogando sinuca, algo que fiz muito quando estava em Igreja Morta, uma prisão na Suécia. Este jogo exige habilidade intelectual e prática. Não adianta ser um gênio atrapalhado, muito menos um atleta estúpido. Elliot não é ruim, mas ele está mais interessado em me agradar e conseguir o financiamento de sua candidatura do que em jogar, de fato.- O comitê político fará um brinde em comemoração ao meu aniversário. Será uma data importante.- Eu imagino – dou uma tacada em uma das bolas pares, que são as minhas, e encaçapo a número 6. Faço mais uma jogada, mas erro de propósito. Elliot nã
- E se eu quiser outro tipo de serviço agora? – sua voz não passa de um sussurro. Margot tenta colocar a mão em meu rosto, porém seguro seu pulso. Prefiro acreditar que ela não é burra ao ponto de tentar me pagar com sexo.- Então teria que me pagar por ele.- Eu pagaria, acredite.Ela se aproxima mais. Solto seu pulso, mas sei que suas investidas não chegaram ao fim. Margot sabe que é bonita, e que a maioria dos homens não pensariam uma segunda vez antes de levá-la para a cama. A diferença é que não envolvo sexo em meus trabalhos. Nunca.- Não tente fazer isso comigo. Você sabe que não tenho perfil para ser seu amante.- Eu sei – ela se recompõe – Mas não me custava tentar.Margot sobe o decote, que estou certo de que ela desceu cinco segundos antes de entrar aqui, e parte para fora da sala. Sozinho, sinto a necessidade de revirar os olhos. Eu havia me esquecido do porquê de eu não me envolver a fundo nos serviços, agora me lembrei.Penduro o taco no suporte na parede e pego meu sobr
ANGELIC...Por muitos anos, eu me acostumei com o que era fácil. Me acostumei com a vida simples da elite, sem muitas complicações. Sempre que precisava de um carro novo, eu tinha. Sempre que queria ver uma amiga, ia às compras. Perder minha mãe e ver meu pai se afastar foi difícil de lidar, mas eu acho que também me acostumei com isso. Tudo financeiramente e nada emocionalmente.Entretanto, agora, sinto que tudo desmoronou. E não apenas por estarmos perdendo dinheiro e prestígio, mas também por saber que a cada dia estamos mais presos nas garras de Bruce. Ele está nos cercando, fazendo todos acreditarem que é um bom moço e nos deixando dependentes. Sinto um frio na barriga ao pensar nisso.Dirijo em direção ao Bronx, desta vez sozinha, rezando para que nada ruim aconteça. Está anoitecendo, mas, de alguma forma, eu acho que este é o melhor horário para se estar aqui. Até mesmo os monstros dormem à noite.No entanto, para ser sincera, não sei o que vou encontrar lá. Quero ver Bruce? Co
ANGELIC...Meu celular vibra ao lado, e gemo baixinho ao abrir os olhos e tentar alcançá-lo por cima da cabeça, tateando a mesa. Quando cheguei em casa na noite passada, coloquei minhas coisas de qualquer forma pelo quarto.Agarrando o aparelho, tento arrancar o cabo do carregador, mas então percebo que não estava conectado. Merda.Bocejo longamente enquanto deslizo a tela e vejo as ligações perdidas, duas do meu segurança pessoal e uma de Vicenzo. O último deixou uma mensagem dizendo que me encontra na faculdade hoje, e minha cabeça dói só de pensar no primeiro dia de aula após o recesso.Jesus. Por que tão cedo? Pisco algumas vezes mais e então arregalo os olhos ao ver as horas no canto superior direito. Dez da manhã!- Merda! - xingo.Levanto em um pulo. Eu tomei banho ontem à noite, quando cheguei, então pulo o banho da manhã. Corro até o banheiro e escovo os dentes enquanto tento me lembrar dos compromissos desta manhã. Qual seria a primeira aula mesmo? Santo Deus, eu odeio me at
ANGELIC...- Não acredito que Angelic Donneli me convidou para vir ao Bronx - Skyla diz, zombando de mim.Vindo de alguém que dedicou a vida a se tornar digna do amor do próprio pai, fazendo o possível e impossível para ser impecável, é realmente uma surpresa que ela tenha recebido minha ligação a pedindo para me trazer aqui. Eu viria sozinha, mas estava sem carro, e provavelmente demoraria muito até conseguir roubar um da mansão Donneli. Inclusive, isso me faz pensar no quão rápido preciso adquirir independência.Estamos do lado de fora da antiga fábrica. Olho através do vidro levemente embaçado pelo frio. A construção não é antiga, mas o fogo comprometeu a beleza e segurança do prédio. As paredes são manchadas de preto, e algumas partes ruíram. Penso na ONG que minha mãe deixou para mim, destinada a reconstruir prédios como esse e abrigar pessoas necessitadas. Minha próxima providência será fazer esta obra no Bronx.Olho para Skyla, percebendo que não contei muito sobre o motivo de
ANGELIC...Meus pés doem toda vez que batem contra o chão, mas eu me recuso a parar de correr antes dos três benditos quilômetros. Essa deve ser minha melhor qualidade: a persistência. Eu corro como se minha vida dependesse disso, mas finjo que não estou sentindo os músculos inferiores queimarem. Cantarolo a música que está tocando nos fones, para prestar atenção em algo além do cansaço.Maldita curiosidade. Por que eu fui ao Bronx? Por que precisei ver LeBlanc sendo cruel para ter certeza de que ele era cruel? Agora minha cabeça gira ao redor do mesmo assunto.Tento focar na letra da música gritando em meus ouvidos, mas, honestamente, é difícil não pensar no sentimento despertando em mim. É novo, é forte, é quente. E tudo isso é ainda mais intenso perto dele.No entanto, eu sou uma garota religiosa. Eu acredito nos planos de Deus, e sei que Ele jamais planejaria LeBlanc para mim. Eu creio que mereça algo melhor. Ele é um homem atraente, e isso todas as vizinhas podem confirmar, mas i
No entanto, ouvimos as portas às minhas costas abrirem, e ambos olhamos para trás. O senador Mares caminha na nossa direção, com um sorriso cruzando o rosto inteiro.- Angelic, querida. É sempre lindo ver você.- Senador – me levanto quando ele me alcança e apertamos as mãos.Mares é baixo, um pouco mais do que eu, é calvo e tem uma barriga protuberante. O tamanho de seu ego jamais caberia em seu corpo.- Nós fizemos algo grande agora. Por que não vêm brindar? – o senador olha de mim para seu filho, logo atrás.- Claro – Vicenzo concorda, e ouço ele se levantar.O senador solta minha mão, mas apenas para colocar a sua na base das minhas costas e me impulsionar para frente. Eu diria que preciso me vestir mais adequadamente para a ocasião, mas a verdade é que já não me importo mais. Sinto que tudo isso irá desmoronar em pouco tempo, e meu esforço de anos para parecer exemplar será só poeira.- Me diga, querida. Nos vemos novamente na missa amanhã? – Mares pergunta.- Talvez eu não possa