ANGELIC...Meu celular vibra ao lado, e gemo baixinho ao abrir os olhos e tentar alcançá-lo por cima da cabeça, tateando a mesa. Quando cheguei em casa na noite passada, coloquei minhas coisas de qualquer forma pelo quarto.Agarrando o aparelho, tento arrancar o cabo do carregador, mas então percebo que não estava conectado. Merda.Bocejo longamente enquanto deslizo a tela e vejo as ligações perdidas, duas do meu segurança pessoal e uma de Vicenzo. O último deixou uma mensagem dizendo que me encontra na faculdade hoje, e minha cabeça dói só de pensar no primeiro dia de aula após o recesso.Jesus. Por que tão cedo? Pisco algumas vezes mais e então arregalo os olhos ao ver as horas no canto superior direito. Dez da manhã!- Merda! - xingo.Levanto em um pulo. Eu tomei banho ontem à noite, quando cheguei, então pulo o banho da manhã. Corro até o banheiro e escovo os dentes enquanto tento me lembrar dos compromissos desta manhã. Qual seria a primeira aula mesmo? Santo Deus, eu odeio me at
ANGELIC...- Não acredito que Angelic Donneli me convidou para vir ao Bronx - Skyla diz, zombando de mim.Vindo de alguém que dedicou a vida a se tornar digna do amor do próprio pai, fazendo o possível e impossível para ser impecável, é realmente uma surpresa que ela tenha recebido minha ligação a pedindo para me trazer aqui. Eu viria sozinha, mas estava sem carro, e provavelmente demoraria muito até conseguir roubar um da mansão Donneli. Inclusive, isso me faz pensar no quão rápido preciso adquirir independência.Estamos do lado de fora da antiga fábrica. Olho através do vidro levemente embaçado pelo frio. A construção não é antiga, mas o fogo comprometeu a beleza e segurança do prédio. As paredes são manchadas de preto, e algumas partes ruíram. Penso na ONG que minha mãe deixou para mim, destinada a reconstruir prédios como esse e abrigar pessoas necessitadas. Minha próxima providência será fazer esta obra no Bronx.Olho para Skyla, percebendo que não contei muito sobre o motivo de
ANGELIC...Meus pés doem toda vez que batem contra o chão, mas eu me recuso a parar de correr antes dos três benditos quilômetros. Essa deve ser minha melhor qualidade: a persistência. Eu corro como se minha vida dependesse disso, mas finjo que não estou sentindo os músculos inferiores queimarem. Cantarolo a música que está tocando nos fones, para prestar atenção em algo além do cansaço.Maldita curiosidade. Por que eu fui ao Bronx? Por que precisei ver LeBlanc sendo cruel para ter certeza de que ele era cruel? Agora minha cabeça gira ao redor do mesmo assunto.Tento focar na letra da música gritando em meus ouvidos, mas, honestamente, é difícil não pensar no sentimento despertando em mim. É novo, é forte, é quente. E tudo isso é ainda mais intenso perto dele.No entanto, eu sou uma garota religiosa. Eu acredito nos planos de Deus, e sei que Ele jamais planejaria LeBlanc para mim. Eu creio que mereça algo melhor. Ele é um homem atraente, e isso todas as vizinhas podem confirmar, mas i
No entanto, ouvimos as portas às minhas costas abrirem, e ambos olhamos para trás. O senador Mares caminha na nossa direção, com um sorriso cruzando o rosto inteiro.- Angelic, querida. É sempre lindo ver você.- Senador – me levanto quando ele me alcança e apertamos as mãos.Mares é baixo, um pouco mais do que eu, é calvo e tem uma barriga protuberante. O tamanho de seu ego jamais caberia em seu corpo.- Nós fizemos algo grande agora. Por que não vêm brindar? – o senador olha de mim para seu filho, logo atrás.- Claro – Vicenzo concorda, e ouço ele se levantar.O senador solta minha mão, mas apenas para colocar a sua na base das minhas costas e me impulsionar para frente. Eu diria que preciso me vestir mais adequadamente para a ocasião, mas a verdade é que já não me importo mais. Sinto que tudo isso irá desmoronar em pouco tempo, e meu esforço de anos para parecer exemplar será só poeira.- Me diga, querida. Nos vemos novamente na missa amanhã? – Mares pergunta.- Talvez eu não possa
ANGELIC...Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.Começo contando os segundos, que se tornam minutos e horas. Eu não havia notado nesta manhã, mas não fechei o registro da torneira direito, então as gotas de água caem na pia. Conto os segundos conforme os pingos descem.Já contei mais de vinte mil pingos.Estou no chão do banheiro. A luz acabou há, mais ou menos, dez mil pingos atrás. A única iluminação vem da luz do luar. Minha cabeça está encostada na banheira enquanto encaro a arma, que eu sequer tive coragem de tocar. Foi aquilo que matou um homem diante dos meus olhos.Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.Com o passar do tempo, eu acho que deixei de ter muita noção do que é real e do que minha cabeça criou. Eu dormi e sonhei com o corpo sangrando descendo a escada. Senti sede e bebi a água da pia. Também senti fome, mas sobre isso não pude fazer muito.E LeBlanc. Eu alucinei com ele. Por várias vezes, tive a impressão de que ele che
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.Acordo com o susto. Minha testa está suada e o corpo completamente arrepiado. Minha garganta seca e os olhos marejados. Aos poucos, entendo que tive um pesadelo. Sonhei com o bendito corpo descendo as escadas.Santo Deus! Quanto tempo até esquecer a noite passada?Olho meu relógio de cabeceira. Quatro da madrugada. Faz menos de trinta minutos que a polícia saiu da mansão, eu tomei um banho e dormi. Sequer me preocupei em comer algo, apesar de estar com fome. Pensei que o cansaço fosse me dopar o suficiente para não precisar de remédios. Me enganei.Me sento na cama, sabendo que não dormirei mais. Repriso tudo que conversei com o detetive, principalmente a parte em que ele garante que a segurança do condomínio foi redobrada, e que a perícia continua assim que amanhecer.Eu estou segura. Preciso acreditar que estou segura.Me levanto da cama. O detetive não se contentará com nosso depoimento. A única pessoa que dirá algo rele
ANGELIC...Saio da oficina e caminho os poucos passos até o carro. Antes de entrar, olho ao redor. Os carros de corrida saem cantando pneu pelo asfalto, e as pessoas ao redor gritam e jogam bebida para cima.Felicidade. Não importa se dura cinco segundos ou cinco horas, se estas pessoas estarão infelizes em suas realidades quando o sol nascer. Agora, estão felizes, e isso é tudo que importa. Ao contrário da maioria das pessoas ao meu redor, estas sabem que terão um pedacinho de felicidade toda vez que se reunirem aqui.Entro no carro. O perfume de LeBlanc toma o lugar que o cheiro da rua ocupava na minha cabeça.Procuro o cartão-chave no bolso do shortinho e não encontro. Vou tateando o carro; os bancos, o painel, o console. Me abaixo para procurar no assoalho. Tateio o chão do carro em busca da chave, entretanto, acabo esbarrando em outro objeto. Gelado e maior do que o cartão-chave.Retiro a mão depressa. O que é isso?Ligo a luz interna para ver melhor, e acabo encontrando o cartão
Minhas mãos soam e tremem. Eu engatilhei uma arma que nunca cheguei perto de usar, e agora preciso manter a postura. Não posso demostrar que acabei de me arrepender de vir aqui.Quando seus passos estão perto demais de mim, eu aponto para o chão e disparo. O tiro emite um barulho alto, que reverbera por todo prédio. Eu poderia jurar que senti a construção tremer. No entanto, LeBlanc sequer move um dedo ou arregala os olhos. Não importa o que eu faça, ele nunca soa surpreso.- Vamos, Angelic. Mire em mim - pede.Ele para à alguns passos de distância, não por eu ter atirado, mas simplesmente porque quer.- Aquelas pessoas na minha casa estavam atrás de você ou trabalhavam para você - afirmo. Minha voz parece menos firme do que quando cheguei, e odeio isso.- Nem um, nem outro.Olho para os olhos dele, algo que havia evitado fazer. O verde brilhando na meia-luz, parecendo pronto para me atacar. Na verdade, seus olhos estão tão vívidos que parecem ter esperado a vida inteira por este mome