Paro ao lado dele. Não sinto seu perfume de imediato, então sei que não estou suficientemente perto. Olho para a mesa. Há mais algumas armas a serem limpas, e por mais idiota que pareça, eu não sinto medo. Ele poderia me machucar hoje tanto quanto poderia em outras ocasiões.LeBlanc limpa o cano do revólver com uma flanela macia. Suas mãos são hábeis e suaves, como as de alguém que faz isso há muitos anos. Ele coloca a peça acinzentada sobre a mesa, pega outra arma e começa a limpá-la.Observo, um tanto quanto admirada. Não é sobre o poder que uma arma lhe dá, mas sim sobre o que faz com ele. LeBlanc age como se esse poder fosse simplesmente nada.Quase naturalmente, minha mão vai até a arma que ele acabou de deixar sobre a mesa. Espero uma repreensão, mas ela não vem. Pego o revólver. É mais leve do que eu supus. Enquanto observo os detalhes da peça, meu cérebro processa uma informação. LeBlanc nunca me impede de fazer o que eu quero, ou me repreende por fazer errado. Ele apenas fica
LEBLANC...Certa vez, eu conheci um homem em um bar no interior da Holanda. Ele havia perdido o olho esquerdo em uma briga de rua contra outro homem. Eu me lembro de ter pensado no quão corajoso ele era. Não por ter brigado, mas por ter brigado até perder seu olho. Por não reconhecer os limites. Por não recuar.Agora, vejo Angelic descer as escadas, olhando ao redor do primeiro andar do armazém. Desço logo atrás dela, absorvendo seus movimentos. Ela é tão corajosa quanto o homem que conheci no bar, e tem metade da altura e do peso dele. Ela não tem medo de vir até mim quando quer, onde quer. Ela também não enxerga os limites.E então sou obrigado a pensar. O que diferencia a estupidez da coragem? Até onde Angelic, ou o homem do bar, foram simplesmente irracionais?A resposta é simples. Pessoas corajosas não pensam muito.- Eu vou levar você para casa - anuncio.Ela se vira para mim. Sua expressão está séria, porque ela não gosta de receber ordens. No entanto, seus olhos não encontram
ANGELIC...- Estamos fazendo o possível, senhor. Assim que tiver mais notícias, entrarei em contato - ouço a voz do detetive Pierce soar no primeiro andar.Desço os degraus receosamente. Desde que vi o corpo de Antony ontem, pendurado em seu próprio teto, não consegui pensar em outra coisa. Eu sonhei com seu sangue manchando o carpete. Fiz uma denúncia anônima para relatar o acontecido, e já esperava que o detetive viesse nos visitar.- Bom dia - saúdo. Paro no meio da escada.Três pares de olhos de voltam para mim. Elliot Donneli, vestindo roupas casuais porque acabou de voltar do hospital, Margot, ainda usando seu robe de cetim - o que indica que ela não estava preparada para a visita - e o detetive Pierce.- Antony está morto - Margot anuncia, sem o menor indício de tristeza em sua fala - Foi encontrado pendurado no teto da própria casa.Tomo uma longa respiração. Encaro o detetive, esperando que ele tenha algo a dizer, porém ele apenas balança a cabeça, confirmando.- Eu gostaria
- Não mesmo. Eu não sou uma propriedade - retiro sua mão da minha coxa e a coloco em sua própria perna.- Não foi uma pergunta - afirma.Eu o encaro pela primeira vez. Estou irritada com sua territorialidade. Em que momento nosso jogo se tornou uma conquista sobre o outro? Ele pensou que, ao me beijar, estaria me passando para seu próprio nome? Nem mesmo Elliot seria tão babaca!Me preparo para lhe dizer isso, mas então o coral termina de cantar. A igreja fica em absoluto silêncio enquanto as crianças devolvem os microfones e o Padre Bee se levanta. Engulo minhas palavras, e meu orgulho, como se fossem espinhos.Os olhos verdes de LeBlanc estão fixos nos meus, me desafiando a dizer o que quero.- Filhos - o padre murmura - Façamos a oração final. Todos de pé.Toda a igreja se levanta, inclusive eu e o homem ao meu lado.- Eu vou me preparar para me confessar - aviso.Me preparo para sair pela direita, para não ter que passar entre LeBlanc e o banco da frente. No entanto, paro ao ouvir
ANGELIC...Jogo o copo cheio de café na lixeira mais próxima enquanto caminho pelo corredor da faculdade. Definitivamente, o pior café que já comprei.É engraçado voltar para minha vida normal e perceber que nada está realmente normal. No verão passado, eu caminhava por este mesmo corredor, mas era uma pessoa diferente. Tudo era diferente, e agora... e agora LeBlanc existe.Eu não gosto dele, no entanto, gosto da pessoa que sou com ele.Meu celular vibra, e eu o pesco na bolsa. Quando vejo que é uma ligação de Margot, sinto uma enorme vontade de reusar a chamada. Mas, levando em consideração a doença de Elliot, a fama da família na mídia e o detetive no nosso encalço, decido atender.- Margot?- Você leu as notícias esta manhã? - ela ralha, sem ao menos me cumprimentar.Ouço ruídos ao fundo, e isso me faz lembrar que faltam apenas alguns dias para o aniversário de Elliot. Não seria Margot Donneli se não fizesse uma festa de arromba.- Ainda não. O que houve? - pergunto.Saio do prédio
LEBLANC...Quando chegamos à mansão Donneli, é como se toda energia vital de Angelic fosse drenada. Ela desce do carro quando abro a porta, entra na casa e olha ao redor. E, neste momento, não passa de uma garota assustada, incerta sobre o futuro. Angelic caminha na minha frente, e enquanto eu planejo ir até o escritório de Elliot, ela começa a subir os degraus da escada.- Você sabe que meu pai não tem salvação, não é? - Angelic diz, de repente, ainda de costas para mim.Salvação...Não. Ele não tem salvação. Mas ela ainda está aqui, não está? Vivendo dia após dia como se o sobrenome de sua família valesse mais do que sua própria vida.- Eu não estou aqui por ele - respondo.Angelic olha para mim por cima do ombro, e quando ela faz isso, quase posso ver mais do que o exterior. Eu não acredito nessa merda de alma, no entanto... se alguém tem uma, essa pessoa é Angelic.No instante em ela se vira para frente e termina de subir os degraus, me dou conta de que estou aqui por um motivo: c
Respiro fundo. Sei do que sua pergunta se trata.Não é óbvio?Por algum acaso ela estaria aqui se soubesse que fui contratado para causar seu funeral?Encaro Victoria, erguendo uma sobrancelha, tanto para sua pergunta retórica quanto para a ingenuidade em pensar que eu a responderia.- Está bem - ela ergue as mãos - Pela forma como você olha para ela, eu apenas pensei que estivesse juntos.- A forma como eu olho para ela?Como alguém que acabou de compra-la e não quer vê-la arrumando encrenca?- Sim, coração - ela se inclina para frente - Como se ela fosse quebrar se você desviasse a atenção pela porra de um segundo.Quase retruco. Angelic é uma das mulheres mais fortes que eu já conheci. Sequer por um segundo eu pensei que ela poderia quebrar. E não se trata de força física, se trata do emocional. Se trata de uma garota que abdicou a vida para ser leal à família. Por isso, quase retruco. Quase.- Mas eu me sinto na obrigação de dizer - Victoria murmura - Se descobrirem que você tem u
ANGELIC...Quando me afasto minimamente, encaro seus olhos verdes. Agora, a cor está tão intensa que seus olhos chegam a parecer pretos. Posso ver a raiva flutuar em seu rosto, pela expressão fechada, maxilar tencionado e respiração forte.Eu nunca tive medo dele. Talvez porque nunca soube do que ele é realmente capaz. No entanto, quando sua mão fecha ao redor do meu cabelo acima da nuca, e ele puxa levemente, mantendo minha cabeça imóvel enquanto aproxima os lábios dos meus, eu me pergunto: o que LeBlanc faria se estivéssemos sozinhos?Sua boca paira sobre a minha, próxima o suficiente para que eu sinta seu hálito quente.A bebida que eu tomei há alguns minutos começa a fazer efeito. Meu sangue aquece. De repente, a música alta não importa. As pessoas ao nosso redor não importam.- Nós não íamos dançar? - sussurro.- Não - ele balança a cabeça - Nós vamos para minha casa.LeBlanc agarra meu pulso e me puxa em direção ao elevador. Quase me desequilibro sobre os saltos, mas a necessida