Ela sempre esteve entre os seres humanos.
Seus portadores, que se denominam “magi”, esconderam-na daqueles que não a possuíam, caminhando entre os demais de maneira totalmente imperceptível, tentando não revelar o Grande Segredo. Sempre que o arcano escapava do círculo dos magi, era novamente escondido, camuflado e alterado para que as pessoas comuns se esquecessem dele.
Porém, ela sempre existiu, ainda que escondida. Por mais que os homens negassem, ela sempre foi real. Por mais que a chamassem por outros nomes — magia, ocultismo, bruxaria, milagre, ciência — ela esteve presente através dos séculos, influenciando em grandes acontecimentos da História, alterando os rumos do mundo e deixando-o como o conhecemos. A Essência sempre existiu e não se perderá enquanto existirem portadores magi.
Helga estava sozinha do lado de fora da casa esperando seu meio-irmão abrir a porta naquele frio de dez graus Celsius que ela bem conhecia. Após alguns minutos, girou a chave na fechadura da porta de entrada com um pouco de dificuldade, já que carregava sete sacolas de compras. E estava preocupada. Muito preocupada. Tocara a campainha várias vezes para que seu meio-irmão abrisse a porta, mas não obtivera nenhuma resposta. Helga não se importaria com isso em um dia comum, mas ela havia sido avisada de que a situação estava complicada. Havia saído para comprar justamente os mantimentos necessários para reabastecer a cozinha. Ela e o irmão não saíam de casa havia muito tempo: ele passara a trabalhar na casinha que dividiam, ela tirou férias no período de início de ano e, caso tivesse que voltar para trabalhar, se demitiria. Ficar muito tempo fora da proteção de sua casa estava fora de cogitação. Após abrir a porta e colocar as sacolas numa mesa próxima, Helga fa
Pedro estava sendo levado por um táxi até o sítio de sua família. O jovem belo e magro, de olhos azuis e vinte e quatro anos, havia chegado de Londres bem cedo naquela mesma manhã. Para ele, o voo havia sido tranquilo, afinal, dormira a noite inteira. Ao chegar ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o Galeão, no Rio de Janeiro, logo tratara com um taxista e conseguira que o mesmo aceitasse a proposta de levá-lo pelo preço de quatrocentos reais até Rio Azul, a cidade na Zona da Mata de Minas Gerais onde morava sua família. Após uma viagem de quatro horas, eles já estavam chegando ao seu destino. Pensando no reencontro com sua mãe e sua família, Pedro observava a vegetação próxima à estrada, sentindo o cheiro de terra molhada e balançando dentro do carro, que chacoalhava por causa dos buracos da estrada de terra. O caminho estava cheio de lama; havia chovido bastante naquela região. Pedro vira em uma televisão do aeroporto que, nas redondezas de Rio A
A esguia mulher de trinta e poucos anos ajeitou-se na cama do hotel, sentando-se. Era alta e, na posição em que se encontrava anteriormente, suas pernas saíam do colchão. Sua expressão era temerosa, os lábios tremiam de vez em quando. Os olhos escuros estavam atentos a qualquer movimento dentro do quarto. Sua preocupação vinha do fato de que havia acordado há menos de vinte minutos e não encontrara seu marido. Ela o fizera prometer que não se separariam mais. Todos os passos deveriam ser dados juntos, para a própria proteção do casal. Entretanto, ele era teimoso e saíra do quarto — ou ela assim esperava que fosse. O pensamento pessimista veio então à tona; era aquele tipo de ideia mais nefasta à qual as pessoas sempre tendem, imaginando que o pior aconteceu. Sem querer, a mulher se viu pensando nas hipóteses mais dramáticas: era bem possível que ele tivesse apenas saído e, enquanto isso, ela fosse atacada. Também era bem possível que ele tivesse sido sequestrado, ass
Malena foi a primeira a acordar, não deviam nem ser nove horas. Tirou a camisola de cetim, penteou os cabelos ondulados e foi até o armário decidir que roupa usaria. Escolheu uma simples camisa bege e brilhosa que era confortável ao tocar-lhe a pele. A peça tinha a gola um pouco babada caindo sobre os seios, ainda levantados. A idade não lhe caíra tão mal, pensou. Tudo era natural, reflexo do repúdio dela às técnicas da Essência para esconder os traços da velhice. A mineira escolheu também uma saia justa marrom que vinha até o joelho e, como sempre, saltos altos, desta vez de couro. Vestiu-se, maquiou-se e desceu. A maquiagem ela não passava sempre, mas como aquele dia viriam os Valerius, precisava estar mais bem arrumada. Albinha já estava na cozinha. Quando a empregada a escutou descer as escadas, perguntou qual seria o almoço. Malena disse-lhe que ela ia fazer uma ligação antes de dar as instruções. Temia que talvez fosse preciso fazer comida para os Valerius, mas
Fazia quase dez anos desde o dia em que colocara os pés na ilha de Santa Helena pela última vez. Para a Smith, aquele pedaço de terra continuava remotamente triste. À sua frente estava a casa branca, simples, de não mais que seis janelas e um telhado azul a cobrir os cômodos. Erguia-se solitária sobre o morro, metros e metros acima do nível do mar, cujo bater das ondas nas falésias podia ser escutado dali de cima. O vento sussurrava por entre os cabelos da mulher da mesma forma desagradável de antes, embaraçando seus longos fios negros pelo ar. Além disso, ele deixou a ponta de seu nariz ligeiramente mais fria e a alvura de seu rosto reforçada. Além da temperatura mais baixa, a qual ela já estava acostumada na Inglaterra, o ar carregava algo diferente. Pelo contrário, não carregava. A mulher sabia que havia algo errado ali. O lugar isolado não podia estar tão solitário. Algo não estava certo. “Não consigo sentí-la”.
Pedro levou pouco mais de quinze minutos para chegar ao sítio e espantar-se com a segurança instalada no portal da propriedade. Havia um homem uniformizado, parecendo ser da SWAT, com óculos escuros, colete e roupa cobrindo o corpo todo. O homem levantou a mão, fazendo sinal para que Pedro parasse. — Identifique-se. Ao se aproximar, Pedro pôde ver que da testa do segurança escorria suor. Fazia calor, certamente era difícil para ele ficar dentro de roupas pretas completamente fechadas — até luva ele usava. — Eu sou Pedro, moro aqui — respondeu, quase rindo. — Você está com os Valerius, não é? — o homem não respondeu, estava sério demais para isso. — Bem, a minha mãe está em reunião agora com eles. Ninguém avisou que eu poderia chegar? O homem hesitou por um momento, encarando o escritor por um longo tempo. Por fim, aproximou-se e fez uma revista em Pedro. “Que absurdo”, pensou o escritor, “estou sendo revistado para entrar na minha
Alejandra não acreditava em como aquela cidade era abençoada pelo sol. Não era à toa que Natal era chamada de Cidade do Sol: por quase trezentos dias predominava o astro-rei irradiando luz e calor. A espanhola orgulhava-se da escolha que havia feito para sua lua-de-mel. Seu marido tentara convencê-la a ir a Ibiza, Sicília, Veneza; até a Grécia havia sido uma opção dada por Fernando. Entretanto, a magi decidira ir para a Londres Nordestina, a linda e ensolarada cidade de Natal, e não houve argumento de Fernando que a fizesse mudar de ideia. De fato, a cidade era muito agradável. No início da lua-de-mel, quando o casal ainda não temia sair do hotel, eles conheceram as belas dunas de Genipabu, onde Alejandra cavalgou sobre um dromedário e fez um passeio de bugre com muita emoção. Conheceram o maior cajueiro do mundo, que se extendia por uma área equivalente a um quarteirão. Saborearam as castanhas de ca
Pedro dormira por cima da colcha da cama e, ao acordar, ainda vestia as roupas do dia anterior — nem se trocara! Passou um desodorante que encontrou em seu armário, para disfarçar qualquer cheiro desagradável que pudesse exalar, e foi até o banheiro escovar os dentes. Depois, desceu para a sala de jantar. Sentados à mesa, saboreando o café-da-manhã, estavam o casal Voyevoda, a mãe de Pedro e Maria. “Não era um sonho, tudo foi real...”, pensou Pedro, ao ver que o casal de Valerius estava ali presente. Para seu infortúnio, toda a reunião do dia anterior havia acontecido. Um silêncio instaurou-se na sala de jantar quando ele chegou. Malena olhou o filho, temendo dizer qualquer coisa. Foi Mirela quem quebrou a inação: — Bom dia, Sr. Pedro. — Bom dia — respondeu ele, desajeitado. O escritor sentou-se, servindo-se. Luca Voyevoda prosseguiu sua conversa com Malena a respeito da história da Alfaiataria Gal, a qual a mineira contava com muito