Após desjejuar rapidamente no salão principal, Pedro desceu as escadas em direção ao pátio do castelo. Olhou para o céu nublado daquela manhã fria — cuja temperatura magicamente não estava tão baixa como no restante do país. Cruzou os braços, afagou-os com suas mãos para se aquecer. Não havia sinal de Alyssa; a comitiva já deveria ter saído com ela de vassoura.
O jovem guarda que o conduzira até a Sala Imperial se aproximou.
— Eu me chamo Yan, a propósito — disse ele. — Minha função é ser tipo o seu monitor aqui, até você se acostumar com as coisas. A Imperatriz me designou ontem para isso.
— Ah, prazer — respondeu Pedro, virando-se e estendendo a mão. — Você teria um celular para eu poder usar? Esqueci o meu nos Estados Unidos.
— Providenciaremos um novo para você. Enquanto isso, pode usar o telefone que está dentro da gaveta da sua mesa de cabeceira. Ela está lacrada, mas eu posso abrir.
— Ah, obrigado, vou lá então.
O Galardães volt
Eram meados de novembro. Sob o sol que já não aquecia mais como fizera no verão britânico, Pedro cavalgava cortando os campos de Armor em um dos corcéis dos Smiths. Aquela havia se tornado uma das atividades prediletas do brasileiro — lembrava-lhe instintivamente do seu sítio. Cavalgar não dava apenas a sensação de liberdade; o brasileiro também lembrava das vezes em que era pequeno demais para montar sozinho e seu avô, ainda vigoroso, ajudava-a a cavalgar. Recordava também das corridas que travara com seu pai Vladimir pela estrada do sítio, com o rio acompanhando ao lado, até chegarem na Rua da Padaria e no centro de Rio Azul. Modéstia à parte, Pedro ainda cavalgava muito bem. Logo na primeira vez que pediu para pegar um dos cavalos do estábulo do castelo, que ficava do lado de fora das muralhas, o brasileiro partiu em velocidade montado no animal robusto. Era como andar de bicicleta; nunca se esquecia. Dos cavalos de Armor, a maioria era bem amigável,
Logo anoiteceria. Ao fundo, escutava o som de ondas indo ao encontro das pedras. A brisa afagava suas bochechas, prenunciando o vento que se fortaleceria agora que a tarde caía. O sol, reduzido a um círculo laranja quase a tocar o horizonte, produzia uma miríade de tons rosa-alaranjados nas nuvens calmas sobre o céu azul. Março já havia começado, mas suas tão famosas águas que fechavam o verão ainda não haviam chegado. Pedro adorava observar o ocaso de seu apartamento, fosse da varanda do andar de baixo ou do terraço do andar de cima. Brincava com seu filho no chão frio da sacada, olhando por vezes pelo vidro da proteção a movimentação do mar, batendo com suas águas na ilha na direção de seu prédio. Seu filho era esperto, muito esperto para um bebê de quatro meses: encaixava velozmente os objetos de plásticos nos espaços correspondentes da casinha de brinquedo, demandando mais desafios com o olhar silencioso e o sorriso levado. Quando o pai ou a mãe uma vez deram-lhe
A origem da palavra magi remonta à época da Pérsia Antiga, quando Zoroastro foi o primeiro homem a se aprofundar nos estudos dos mistérios da Essência. A partir do Clã Valerius de Roma, o termo adaptou-se à língua latina: magus designava um único portador de Essência, enquanto magi era seu plural. Com o desenvolvimento do estudo da Essência, retomou-se o conceito primordial e as palavras foram unificadas em uma só, adquirindo o sentido mais filosófico inicialmente proposto que pode ser resumido da maneira seguinte: Magi, como pode se perceber ao longo da obra, pode ser usado tanto para homens quanto para mulheres, tanto para um indivíduo quanto para um grupo, tanto como substantivo quanto como adjetivo. Essa noção de magi está presente no cerne da filosofia da Essência, quando um é compreendido como todos e quando todos são compreendidos como um só. Os magi, regidos pelas regras da Essência, estão ligados e formam
Ela sempre esteve entre os seres humanos. Seus portadores, que se denominam “magi”, esconderam-na daqueles que não a possuíam, caminhando entre os demais de maneira totalmente imperceptível, tentando não revelar o Grande Segredo. Sempre que o arcano escapava do círculo dos magi, era novamente escondido, camuflado e alterado para que as pessoas comuns se esquecessem dele. Porém, ela sempre existiu, ainda que escondida. Por mais que os homens negassem, ela sempre foi real. Por mais que a chamassem por outros nomes — magia, ocultismo, bruxaria, milagre, ciência — ela esteve presente através dos séculos, influenciando em grandes acontecimentos da História, alterando os rumos do mundo e deixando-o como o conhecemos. A Essência sempre existiu e não se perderá enquanto existirem portadores magi.
Helga estava sozinha do lado de fora da casa esperando seu meio-irmão abrir a porta naquele frio de dez graus Celsius que ela bem conhecia. Após alguns minutos, girou a chave na fechadura da porta de entrada com um pouco de dificuldade, já que carregava sete sacolas de compras. E estava preocupada. Muito preocupada. Tocara a campainha várias vezes para que seu meio-irmão abrisse a porta, mas não obtivera nenhuma resposta. Helga não se importaria com isso em um dia comum, mas ela havia sido avisada de que a situação estava complicada. Havia saído para comprar justamente os mantimentos necessários para reabastecer a cozinha. Ela e o irmão não saíam de casa havia muito tempo: ele passara a trabalhar na casinha que dividiam, ela tirou férias no período de início de ano e, caso tivesse que voltar para trabalhar, se demitiria. Ficar muito tempo fora da proteção de sua casa estava fora de cogitação. Após abrir a porta e colocar as sacolas numa mesa próxima, Helga fa
Pedro estava sendo levado por um táxi até o sítio de sua família. O jovem belo e magro, de olhos azuis e vinte e quatro anos, havia chegado de Londres bem cedo naquela mesma manhã. Para ele, o voo havia sido tranquilo, afinal, dormira a noite inteira. Ao chegar ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o Galeão, no Rio de Janeiro, logo tratara com um taxista e conseguira que o mesmo aceitasse a proposta de levá-lo pelo preço de quatrocentos reais até Rio Azul, a cidade na Zona da Mata de Minas Gerais onde morava sua família. Após uma viagem de quatro horas, eles já estavam chegando ao seu destino. Pensando no reencontro com sua mãe e sua família, Pedro observava a vegetação próxima à estrada, sentindo o cheiro de terra molhada e balançando dentro do carro, que chacoalhava por causa dos buracos da estrada de terra. O caminho estava cheio de lama; havia chovido bastante naquela região. Pedro vira em uma televisão do aeroporto que, nas redondezas de Rio A
A esguia mulher de trinta e poucos anos ajeitou-se na cama do hotel, sentando-se. Era alta e, na posição em que se encontrava anteriormente, suas pernas saíam do colchão. Sua expressão era temerosa, os lábios tremiam de vez em quando. Os olhos escuros estavam atentos a qualquer movimento dentro do quarto. Sua preocupação vinha do fato de que havia acordado há menos de vinte minutos e não encontrara seu marido. Ela o fizera prometer que não se separariam mais. Todos os passos deveriam ser dados juntos, para a própria proteção do casal. Entretanto, ele era teimoso e saíra do quarto — ou ela assim esperava que fosse. O pensamento pessimista veio então à tona; era aquele tipo de ideia mais nefasta à qual as pessoas sempre tendem, imaginando que o pior aconteceu. Sem querer, a mulher se viu pensando nas hipóteses mais dramáticas: era bem possível que ele tivesse apenas saído e, enquanto isso, ela fosse atacada. Também era bem possível que ele tivesse sido sequestrado, ass
Malena foi a primeira a acordar, não deviam nem ser nove horas. Tirou a camisola de cetim, penteou os cabelos ondulados e foi até o armário decidir que roupa usaria. Escolheu uma simples camisa bege e brilhosa que era confortável ao tocar-lhe a pele. A peça tinha a gola um pouco babada caindo sobre os seios, ainda levantados. A idade não lhe caíra tão mal, pensou. Tudo era natural, reflexo do repúdio dela às técnicas da Essência para esconder os traços da velhice. A mineira escolheu também uma saia justa marrom que vinha até o joelho e, como sempre, saltos altos, desta vez de couro. Vestiu-se, maquiou-se e desceu. A maquiagem ela não passava sempre, mas como aquele dia viriam os Valerius, precisava estar mais bem arrumada. Albinha já estava na cozinha. Quando a empregada a escutou descer as escadas, perguntou qual seria o almoço. Malena disse-lhe que ela ia fazer uma ligação antes de dar as instruções. Temia que talvez fosse preciso fazer comida para os Valerius, mas