Ao redor da Mansão Blackhole, sucederam-se horas de enfrentamento direto, correrias e aflição, muita aflição. Cada Espírito identificava-se com um dos quatro elementos e usava-o contra os Blackholes. No terraço, os parlamentares enfrentavam sozinhos dois dos Espíritos, o do ar e o do fogo, enquanto o da terra tentava invadir a mansão, indo de encontro a um grupo de magi, e o da água era o que estava em pior situação, recuado na Praia de Saigon e enfrentando um grupo ainda maior de Blackholes.
Em Saigon, o Espírito da Água tinha maior acesso ao seu elemento, tanto que ele tentava usar as ondas para tragar os magi e aprisioná-los no mar. Ele estava enfraquecido, pois seus esforços não surtiam efeitos e os Blackholes, com seu fogo poderoso, secavam as torrentes de água que tentavam engolí-los e repeliam os ventos gélidos da nevasca, lançando raios e provocando redemoinhos que deixavam o ser perturbado.
Contudo, aquela vitória no mar não correspondia à
Na manhã seguinte ao banquete dos Smiths, o brasileiro despertou. Um novo dia se iniciava — e que dia turbulento fora o anterior. Os flashes passaram-lhe rapidamente pelos pensamentos, como uma compilação do que fora feito, da aliança que fora selada. Se tudo corresse como planejado, a Força Condal estaria auxiliando o Parlamento provavelmente naquele instante e logo o drenador cairia. Lembrou-se do jantar. Após a saída dos condes, os convidados da mesa se sentiram deslocados, perturbados. Talbatus Smith, que já tinha uma expressão compenetrada, continuara a comer ignorando os outros; Amelia Valerius mexia os olhos de um lado para o outro, como se não soubesse para onde olhar com segurança; Ronald, por fim, parecia não gostar de ter sido colocado pela condessa naquela mesa — quanto mais ouvia o barulho do salão principal, mais se arrependia de não estar comendo e bebendo por lá. Alyssa olhava com pesar para Pedro, mas o comportamento da europeia Valerius lhe chamara mais a a
Após desjejuar rapidamente no salão principal, Pedro desceu as escadas em direção ao pátio do castelo. Olhou para o céu nublado daquela manhã fria — cuja temperatura magicamente não estava tão baixa como no restante do país. Cruzou os braços, afagou-os com suas mãos para se aquecer. Não havia sinal de Alyssa; a comitiva já deveria ter saído com ela de vassoura. O jovem guarda que o conduzira até a Sala Imperial se aproximou. — Eu me chamo Yan, a propósito — disse ele. — Minha função é ser tipo o seu monitor aqui, até você se acostumar com as coisas. A Imperatriz me designou ontem para isso. — Ah, prazer — respondeu Pedro, virando-se e estendendo a mão. — Você teria um celular para eu poder usar? Esqueci o meu nos Estados Unidos. — Providenciaremos um novo para você. Enquanto isso, pode usar o telefone que está dentro da gaveta da sua mesa de cabeceira. Ela está lacrada, mas eu posso abrir. — Ah, obrigado, vou lá então. O Galardães volt
Eram meados de novembro. Sob o sol que já não aquecia mais como fizera no verão britânico, Pedro cavalgava cortando os campos de Armor em um dos corcéis dos Smiths. Aquela havia se tornado uma das atividades prediletas do brasileiro — lembrava-lhe instintivamente do seu sítio. Cavalgar não dava apenas a sensação de liberdade; o brasileiro também lembrava das vezes em que era pequeno demais para montar sozinho e seu avô, ainda vigoroso, ajudava-a a cavalgar. Recordava também das corridas que travara com seu pai Vladimir pela estrada do sítio, com o rio acompanhando ao lado, até chegarem na Rua da Padaria e no centro de Rio Azul. Modéstia à parte, Pedro ainda cavalgava muito bem. Logo na primeira vez que pediu para pegar um dos cavalos do estábulo do castelo, que ficava do lado de fora das muralhas, o brasileiro partiu em velocidade montado no animal robusto. Era como andar de bicicleta; nunca se esquecia. Dos cavalos de Armor, a maioria era bem amigável,
Logo anoiteceria. Ao fundo, escutava o som de ondas indo ao encontro das pedras. A brisa afagava suas bochechas, prenunciando o vento que se fortaleceria agora que a tarde caía. O sol, reduzido a um círculo laranja quase a tocar o horizonte, produzia uma miríade de tons rosa-alaranjados nas nuvens calmas sobre o céu azul. Março já havia começado, mas suas tão famosas águas que fechavam o verão ainda não haviam chegado. Pedro adorava observar o ocaso de seu apartamento, fosse da varanda do andar de baixo ou do terraço do andar de cima. Brincava com seu filho no chão frio da sacada, olhando por vezes pelo vidro da proteção a movimentação do mar, batendo com suas águas na ilha na direção de seu prédio. Seu filho era esperto, muito esperto para um bebê de quatro meses: encaixava velozmente os objetos de plásticos nos espaços correspondentes da casinha de brinquedo, demandando mais desafios com o olhar silencioso e o sorriso levado. Quando o pai ou a mãe uma vez deram-lhe
A origem da palavra magi remonta à época da Pérsia Antiga, quando Zoroastro foi o primeiro homem a se aprofundar nos estudos dos mistérios da Essência. A partir do Clã Valerius de Roma, o termo adaptou-se à língua latina: magus designava um único portador de Essência, enquanto magi era seu plural. Com o desenvolvimento do estudo da Essência, retomou-se o conceito primordial e as palavras foram unificadas em uma só, adquirindo o sentido mais filosófico inicialmente proposto que pode ser resumido da maneira seguinte: Magi, como pode se perceber ao longo da obra, pode ser usado tanto para homens quanto para mulheres, tanto para um indivíduo quanto para um grupo, tanto como substantivo quanto como adjetivo. Essa noção de magi está presente no cerne da filosofia da Essência, quando um é compreendido como todos e quando todos são compreendidos como um só. Os magi, regidos pelas regras da Essência, estão ligados e formam
Ela sempre esteve entre os seres humanos. Seus portadores, que se denominam “magi”, esconderam-na daqueles que não a possuíam, caminhando entre os demais de maneira totalmente imperceptível, tentando não revelar o Grande Segredo. Sempre que o arcano escapava do círculo dos magi, era novamente escondido, camuflado e alterado para que as pessoas comuns se esquecessem dele. Porém, ela sempre existiu, ainda que escondida. Por mais que os homens negassem, ela sempre foi real. Por mais que a chamassem por outros nomes — magia, ocultismo, bruxaria, milagre, ciência — ela esteve presente através dos séculos, influenciando em grandes acontecimentos da História, alterando os rumos do mundo e deixando-o como o conhecemos. A Essência sempre existiu e não se perderá enquanto existirem portadores magi.
Helga estava sozinha do lado de fora da casa esperando seu meio-irmão abrir a porta naquele frio de dez graus Celsius que ela bem conhecia. Após alguns minutos, girou a chave na fechadura da porta de entrada com um pouco de dificuldade, já que carregava sete sacolas de compras. E estava preocupada. Muito preocupada. Tocara a campainha várias vezes para que seu meio-irmão abrisse a porta, mas não obtivera nenhuma resposta. Helga não se importaria com isso em um dia comum, mas ela havia sido avisada de que a situação estava complicada. Havia saído para comprar justamente os mantimentos necessários para reabastecer a cozinha. Ela e o irmão não saíam de casa havia muito tempo: ele passara a trabalhar na casinha que dividiam, ela tirou férias no período de início de ano e, caso tivesse que voltar para trabalhar, se demitiria. Ficar muito tempo fora da proteção de sua casa estava fora de cogitação. Após abrir a porta e colocar as sacolas numa mesa próxima, Helga fa
Pedro estava sendo levado por um táxi até o sítio de sua família. O jovem belo e magro, de olhos azuis e vinte e quatro anos, havia chegado de Londres bem cedo naquela mesma manhã. Para ele, o voo havia sido tranquilo, afinal, dormira a noite inteira. Ao chegar ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o Galeão, no Rio de Janeiro, logo tratara com um taxista e conseguira que o mesmo aceitasse a proposta de levá-lo pelo preço de quatrocentos reais até Rio Azul, a cidade na Zona da Mata de Minas Gerais onde morava sua família. Após uma viagem de quatro horas, eles já estavam chegando ao seu destino. Pensando no reencontro com sua mãe e sua família, Pedro observava a vegetação próxima à estrada, sentindo o cheiro de terra molhada e balançando dentro do carro, que chacoalhava por causa dos buracos da estrada de terra. O caminho estava cheio de lama; havia chovido bastante naquela região. Pedro vira em uma televisão do aeroporto que, nas redondezas de Rio A