Pedro levou pouco mais de quinze minutos para chegar ao sítio e espantar-se com a segurança instalada no portal da propriedade. Havia um homem uniformizado, parecendo ser da SWAT, com óculos escuros, colete e roupa cobrindo o corpo todo. O homem levantou a mão, fazendo sinal para que Pedro parasse.
— Identifique-se.
Ao se aproximar, Pedro pôde ver que da testa do segurança escorria suor. Fazia calor, certamente era difícil para ele ficar dentro de roupas pretas completamente fechadas — até luva ele usava.
— Eu sou Pedro, moro aqui — respondeu, quase rindo. — Você está com os Valerius, não é? — o homem não respondeu, estava sério demais para isso. — Bem, a minha mãe está em reunião agora com eles. Ninguém avisou que eu poderia chegar?
O homem hesitou por um momento, encarando o escritor por um longo tempo. Por fim, aproximou-se e fez uma revista em Pedro.
“Que absurdo”, pensou o escritor, “estou sendo revistado para entrar na minha
Alejandra não acreditava em como aquela cidade era abençoada pelo sol. Não era à toa que Natal era chamada de Cidade do Sol: por quase trezentos dias predominava o astro-rei irradiando luz e calor. A espanhola orgulhava-se da escolha que havia feito para sua lua-de-mel. Seu marido tentara convencê-la a ir a Ibiza, Sicília, Veneza; até a Grécia havia sido uma opção dada por Fernando. Entretanto, a magi decidira ir para a Londres Nordestina, a linda e ensolarada cidade de Natal, e não houve argumento de Fernando que a fizesse mudar de ideia. De fato, a cidade era muito agradável. No início da lua-de-mel, quando o casal ainda não temia sair do hotel, eles conheceram as belas dunas de Genipabu, onde Alejandra cavalgou sobre um dromedário e fez um passeio de bugre com muita emoção. Conheceram o maior cajueiro do mundo, que se extendia por uma área equivalente a um quarteirão. Saborearam as castanhas de ca
Pedro dormira por cima da colcha da cama e, ao acordar, ainda vestia as roupas do dia anterior — nem se trocara! Passou um desodorante que encontrou em seu armário, para disfarçar qualquer cheiro desagradável que pudesse exalar, e foi até o banheiro escovar os dentes. Depois, desceu para a sala de jantar. Sentados à mesa, saboreando o café-da-manhã, estavam o casal Voyevoda, a mãe de Pedro e Maria. “Não era um sonho, tudo foi real...”, pensou Pedro, ao ver que o casal de Valerius estava ali presente. Para seu infortúnio, toda a reunião do dia anterior havia acontecido. Um silêncio instaurou-se na sala de jantar quando ele chegou. Malena olhou o filho, temendo dizer qualquer coisa. Foi Mirela quem quebrou a inação: — Bom dia, Sr. Pedro. — Bom dia — respondeu ele, desajeitado. O escritor sentou-se, servindo-se. Luca Voyevoda prosseguiu sua conversa com Malena a respeito da história da Alfaiataria Gal, a qual a mineira contava com muito
Do meio da selva de pedra de São Paulo, os Valerius fiscalizavam todos os magi independentes do Brasil. De xamãs, pajés e feiticeiros do interior da Floresta Amazônica a curandeiros e sacerdotes da Bahia; de alquimistas do Pantanal a mágicos e bruxos metropolitanos; todos eram vigiados secretamente a partir do prédio sede do Grupo e do Banco Valerius. Antes de se tornar Magister, Edgar Valerius já vigiava secretamente os independentes brasileiros, mantendo arquivos e fichas de cada um deles. Nas últimas semanas, com a liderança do círculo, Edgar e sua esposa Astra se perguntavam se deveriam começar a cuidar dos independentes da Europa, território sob jurisdição do clã. O edifício sede onde trabalhava a família Valerius era uma construção imponente e moderna, bem próxima à Avenida Paulista. Era retangular, todo de vidro negro espelhado, e ficava perto do centro da grande capital do Estado de São Paulo. Tirando um shopping center ao seu lado, a sede do banco não
Pedro havia acordado bem cedo naquele dia. Às sete horas da manhã já estava de café-da-manhã tomado. Os Valerius já haviam chegado e perambulavam pela propriedade juntos dos Galardães conjurando feitiços. Dessa vez, o escritor não viu nenhum sinal dos seguranças armados e, ao perguntar a sua tia Rosário, foi informado de que eles haviam sido todos dispensados. O jovem Galardães, depois de desjejuar, arrumou sua cama e juntou parte de suas roupas para levar em uma mala ao aposento de seus pais, pois o seu quarto seria agora usado por Edgar e Astra, conforme ordens de sua mãe. Ele e Tomás iriam dormir na sala, enquanto os Magisters estivessem na casa. Maria dormiria junto da mãe Rosário e Suzana dividiria o quarto com Valesca. Sebastião, devido à sua fragilidade, continuaria sozinho em seu quarto. O escritor pegou por fim o seu notebook,
Pedro agora tinha uma meta. Ele vislumbrava um caminho, uma sucessão de passos a seguir, uma missão a cumprir. Talvez a felicidade que ele sentia viesse da própria importância que ele parecia ter adquirido. Interceder pelos Valerius, atuar junto aos Blackholes: o escritor agora estava incumbido a fazer a diferença, que era o que ele mais queria. Queria acabar com aquela ameaça. A impotência que ele sentia diante da sombra que se aproximava parecia ter ganhado um feixe de esperança, um vislumbre de poder de ação. Ele poderia fazer algo — era isso o que o motivava. Lidar com os Blackholes não pareceu, em seu primeiro pensamento, uma tarefa muito complicada, mas conforme ele ia arrumando suas roupas e seus pais iam lhe explicando as minúcias do clã americano, ele compreendia a complexidade do que estava prestes a fazer. — Eles são muito mais fortes do que você imagina — falou Velkan Valerius, ainda deitado na cama sob o quadro de Lara. — E embora seja difícil pa
A viagem até Nova Iorque foi longa, mas tranquila. Pedro sentia dores nas costas devido à desconfortável posição em que dormira dentro do avião — imprensado entre sua prima Maria e um estranho, sem poder espirrar sem receber um olhar lancinante do passageiro ao lado. Com exceção de seu desconforto, tudo ocorrera conforme previsto. Durante a madrugada, Pedro chegou ao Aeroporto Galeão e deixou Maria dentro do carro, ainda enfeitiçada, enquanto ia até o saguão de entrada encontrar-se com o enviado dos Valerius com a documentação necessária. Alberto Pedrosa estava com uma plaqueta com o nome do jovem e, ao vê-lo, passou-lhe discretamente a identidade e o passaporte falsos. — Marcelo Costa — falou o Sr. Pedrosa. — Visto B-2 para os Estados Unidos. Você está indo a turismo. Sua família já está lá e você os encontrará para ficarem dez dias e
O serviçal adentrou a sala de pedra trazendo em suas mãos uma carta recém-chegada. Do outro lado do salão iluminado por candelabros, um casal estava sentado em duas cadeiras altas semelhantes a dois tronos, como se estivesse presidindo uma audiência. O lacaio atravessou o salão sobre o tapete envelhecido, cuja cor vermelha estava quase desbotada, e falou desconcertado: — Meus lordes, eu trago... — Uma carta de Melissa Stones, certo? — interrompeu a mulher sentada na cadeira acima do tablado, estendendo sua mão na direção do serviçal. Ela já sabia o que ele tinha em mãos. — Entregue-me. Ele fez o ordenado, deixando a carta nas mãos da mulher de olhos neg
Em um único dia, toda a família de Pedro lhe havia sido arrebatada. A vida havia sido novamente cruel. Como se não bastasse que o Galardães sofresse com a perda de sua prima, o mundo mostrava mais uma vez a sua devastação irrefreável ao desferir um único golpe e tirar-lhe todas as pessoas que mais amava. O mundo era injusto, sim. Injusto e incoerente. Nenhum dos Galardães merecia o desfecho que havia encontrado, mas isso não importava, afinal. A incoerência da vida penetrava em cada célula viva ou morta, em cada átomo da matéria, em cada fluxo de pensamento humano, até mesmo em cada feixe de Essência — aquela magia, a noção mais absurda de todas. Essa incoerência espreguiçava suas mãos pegajosas e