A viagem até Nova Iorque foi longa, mas tranquila. Pedro sentia dores nas costas devido à desconfortável posição em que dormira dentro do avião — imprensado entre sua prima Maria e um estranho, sem poder espirrar sem receber um olhar lancinante do passageiro ao lado. Com exceção de seu desconforto, tudo ocorrera conforme previsto.
Durante a madrugada, Pedro chegou ao Aeroporto Galeão e deixou Maria dentro do carro, ainda enfeitiçada, enquanto ia até o saguão de entrada encontrar-se com o enviado dos Valerius com a documentação necessária. Alberto Pedrosa estava com uma plaqueta com o nome do jovem e, ao vê-lo, passou-lhe discretamente a identidade e o passaporte falsos.
— Marcelo Costa — falou o Sr. Pedrosa. — Visto B-2 para os Estados Unidos. Você está indo a turismo. Sua família já está lá e você os encontrará para ficarem dez dias e
O serviçal adentrou a sala de pedra trazendo em suas mãos uma carta recém-chegada. Do outro lado do salão iluminado por candelabros, um casal estava sentado em duas cadeiras altas semelhantes a dois tronos, como se estivesse presidindo uma audiência. O lacaio atravessou o salão sobre o tapete envelhecido, cuja cor vermelha estava quase desbotada, e falou desconcertado: — Meus lordes, eu trago... — Uma carta de Melissa Stones, certo? — interrompeu a mulher sentada na cadeira acima do tablado, estendendo sua mão na direção do serviçal. Ela já sabia o que ele tinha em mãos. — Entregue-me. Ele fez o ordenado, deixando a carta nas mãos da mulher de olhos neg
Em um único dia, toda a família de Pedro lhe havia sido arrebatada. A vida havia sido novamente cruel. Como se não bastasse que o Galardães sofresse com a perda de sua prima, o mundo mostrava mais uma vez a sua devastação irrefreável ao desferir um único golpe e tirar-lhe todas as pessoas que mais amava. O mundo era injusto, sim. Injusto e incoerente. Nenhum dos Galardães merecia o desfecho que havia encontrado, mas isso não importava, afinal. A incoerência da vida penetrava em cada célula viva ou morta, em cada átomo da matéria, em cada fluxo de pensamento humano, até mesmo em cada feixe de Essência — aquela magia, a noção mais absurda de todas. Essa incoerência espreguiçava suas mãos pegajosas e
À sua frente estava o próximo desafio do drenador. Seria mais difícil que o anterior, mas ele sabia que venceria. “A morte ultrapassa todos os obstáculos”. A viagem dos dois Valerius atrapalhara seus planos: forçou-o a ter que pisar em território Blackhole antes do programado. Agora deveria haver um sinal de alerta máximo para todos os magi americanos. Deveriam ter erigido inúmeras proteções — todas inúteis quando tivessem que enfrentar seu poder acumulado. E se havia algo que ele aprendera e bem aplicara era que, ao enfrentar um clã, precisava primeiro atacar a cabeça. Fora o que havia feito com os Valerius: destruiu o Senatus por completo e passou a perseguir os outros isoladamente. Seguindo a mesma lógica, o homem erguia-se entre árvores fitando o alto da colina onde estava a Mansão Blackhole, sede do Parlamento. P
A cidade portuária de Rostov do Don era assim denominada por estar às margens do rio Don, considerado limite entre a Ásia e Europa pelos magi da época da Grécia Antiga. Nesses tempos, o rio ainda se chamava Tanaïs, mesmo nome dado à cidade que precedeu Rostov. Para os antigos magi, a região do rio Don era importante rota do Oriente Médio para a Europa e ali proliferou o antigo Clã Bosfaris, um grupo magi de partes diferentes do Cáucaso, que se estabeleceram em Tanaïs para lucrarem com a passagem de independentes. Quando os antepassados dos Drakov Valerius, por volta do Século II ou III, foram estendendo seu domínio até a região do Mar Negro, os remanescentes Bosfaris foram expurgados e seu clã dissolvido. A região, apesar de ter sido negligenciada pelos antepassados dos Drakovs por séculos, integrou o projeto de consolidação do poder Drakov, que no Século XIX já detinham to
O salão de baile dos Blackholes estava belíssimo naquela noite de festa. Quando Pedro adentrou o salão, trajando o mais fino terno que encontrara no armário de seu quarto, não pôde deixar de se deslumbrar com o cenário. As paredes ricas em detalhes dourados contrastavam com o brilho dos pequenos pingentes de cristal brilhantes, levitando abaixo dos panos de seda que cobriam o teto ordinário em um efeito luxuoso. As mesas cobertas por toalhas nas cores vinho e branco ostentavam, cada uma, pequenos feixes de luz a levitarem lentamente nos centros das mesas, girando em sintonia. Flores brancas decoravam cada pilastra de mármore do salão. Ao fundo, um palco havia sido montado, com cortinas vermelhas e veludosas. O aspecto suntuoso do aposento era reforçado ainda mais pela elegância das pessoas ali dentro. Os magi eram, inegavelmente, elegantes por natureza: tal como Malena tinha bom gosto, os americanos usavam vestes que provavelmente custavam o preço de um terreno em R
A primeira imagem que penetrou pelos olhos de Pedro quando eles se abriram foi a expressão angelical de Alyssa, dormindo nua ao seu lado. Os lençóis de seda cobriam-lhe metade do corpo, deixando os seios à mostra, erguendo-se e abaixando-se lentamente conforme sua respiração tranquila. Ele não ousou se mexer: corria o risco de acordar Alyssa e tirá-la daquela postura tão perfeita. Pelo menos por uma noite, ela havia sido sua e ele havia sido dela.E havia sido indescritível. Ele ainda podia sentir os dedos dela a se cravarem em suas costas, suas pernas e braços entrelaçados nos seus, o gosto dela a enlouquecer o seu âmago. Levou sua mãos às madeixas de ouro da magi, contemplando sua beleza, e a americana não reagiu; prosseguia adormecida após uma noite agitada e prazerosa.O Galardães finalmente se virou para o lado, tentando observar pe
Primeiro, Pedro sentiu um calor; depois, o breu. Apertou forte a mão de Alyssa; temia que estivessem sendo queimados. Quando conseguiu se concentrar novamente em onde queria ir, sentiu seu corpo ser lançado como um foguete abismo adentro. Não desgarrou nem por um segundo dos dedos da Blackhole. Deu-se por si em pé acima de um buraco negro, que cuspia a relva e diminuía de tamanho. O vau se fechou e o brasileiro sentiu a terra por baixo do sapato. Haviam chegado ao destino? Olhou para Alyssa, ao seu lado, também sem saber se o feitiço dera certo. — Estamos no Reino Unido? — perguntou ele. — Há uma Essência parecida aqui — falou ela, olhando o lugar onde estavam. — Dá para sentir, é muito forte. Chegamos sim ao território Smith. Os dois estavam em terreno gramado, circundado por algumas árvores desfolhadas. Estava frio, não tanto como nos último
Depois de pronto e devidamente vestido com um smoking completo, Pedro foi conduzido por dois magi de vermelho para o segundo andar do edifício. Lá, o brasileiro seguiu a guarda através do grande salão, passando por toda a corte do clã inglês; figuras que dançavam, riam e festejavam entre si. O banquete principal seria servido ali, e os bares eram ocupados enquanto os pratos não eram servidos nas grandes mesas postas próximo das paredes do salão. Os soldados de vermelho, no entanto, continuaram caminhando até alcançarem, do outro lado da entrada do salão, as portas da sala do trono. O aposento estava aberto, permitindo ao brasileiro ver que havia uma outra mesa, de poucos lugares, posta no centro do aposento onde antes ele e Alyssa encontraram os lordes Smiths. Pedro entendeu que deveria entrar e prosseguiu, enquanto a escolta mantinha-se na entrada. Ali estavam o homem de sobretudo vinho, que inicialmente comandara a escolta até o castelo, e um casal de quarenta ano