A manhã chegou lentamente, e com ela, a tensão que parecia pairar sobre a mansão como uma névoa pesada. Michele estava longe de ser alguém que perdoava facilmente, e eu sabia que as palavras que trocamos na noite anterior não seriam esquecidas tão cedo.
Ao descer para o café, encontrei a sala de jantar vazia. A mesa impecavelmente posta, com pratos de porcelana e talheres que brilhavam sob a luz suave que atravessava as janelas altas, parecia um cenário tirado de um filme. Mas o protagonista, como sempre, estava ausente.
— Onde está Michele? — perguntei a uma das empregadas, uma mulher de olhar discreto e movimentos ágeis.
— Ele está na biblioteca, senhorita Lara — respondeu ela, com uma reverência quase imperceptível antes de desaparecer pelo corredor.
A biblioteca. Eu não sabia o que me atraía mais: o desejo de confrontá-lo novamente ou a curiosidade de vê-lo naquele espaço. Michele tinha algo que o tornava fascinante, mesmo quando ele me irritava profundamente.
Caminhei até a porta da biblioteca e parei, respirando fundo antes de entrar. Quando abri a porta, fui recebida pelo aroma de couro e papel envelhecido. As prateleiras altas estavam abarrotadas de livros, e Michele estava de pé diante de uma delas, folheando um volume grosso com uma expressão de concentração que o fazia parecer ainda mais distante.
Ele não olhou para mim imediatamente, mas sabia que eu estava ali.
— Algum motivo para me encarar como se eu fosse parte da decoração? — perguntou ele, sem levantar os olhos do livro.
— Pensei que talvez você tivesse algo a dizer sobre ontem à noite — retruquei, cruzando os braços. — Ou está mais confortável fingindo que não aconteceu?
Ele fechou o livro com um estalo e finalmente me olhou. Seu olhar era intenso, mas havia algo diferente. Menos frio, talvez. Mais curioso.
— O que você espera que eu diga? — perguntou ele, colocando o livro de volta na prateleira. — Que você estava certa? Que sou uma fera presa no meu próprio castelo?
— Não precisa admitir nada para mim, Michele. Mas talvez devesse admitir para si mesmo.
Por um momento, ele apenas me observou, como se estivesse tentando decidir se valia a pena responder. Finalmente, ele deu um passo à frente, reduzindo a distância entre nós.
— Você é insistente, eu dou isso a você — disse ele, com um sorriso irônico. — Mas se está esperando que eu me abra como um personagem de romance, vai se decepcionar. Meu mundo não é feito de sentimentos, Lara. É feito de lógica, poder e controle.
— Talvez seja por isso que ele é tão vazio — retruquei, sem me importar em medir as palavras.
Seus olhos se estreitaram, mas ele não se afastou. Pelo contrário, ele inclinou a cabeça, como se estivesse me estudando.
— E o que você sabe sobre vazio? — perguntou ele, a voz baixa, quase um desafio. — Você cresceu cercada por conforto, protegida das sombras que governam este mundo.
— Você não sabe nada sobre mim — respondi, com a mesma intensidade. — Só porque meu irmão fez escolhas erradas, não significa que minha vida tenha sido um mar de rosas. Eu perdi tanto quanto você, Michele. Talvez até mais.
Ele riu, mas não havia humor em seu tom.
— Você acha que sabe o que é perder, Lara? Perder não é um evento único. É algo que te segue, que te consome, até que não reste mais nada.
— Então é isso? Você acha que a dor justifica se afastar de tudo e de todos? — Minha voz era firme, mas meu coração batia acelerado. — É mais fácil se esconder atrás dessa máscara de arrogância do que admitir que está quebrado, não é?
Houve um silêncio carregado entre nós. Eu sabia que estava me arriscando, mas não podia recuar. Michele finalmente deu um passo para trás, passando a mão pelos cabelos em um gesto frustrado.
— Você é mais irritante do que eu imaginava — murmurou ele, mas havia um tom quase divertido em sua voz. — Mas não pense que pode entrar na minha mente, Lara. Não é tão simples assim.
— Eu não quero entrar na sua mente, Michele. Só quero entender por que você insiste em ser uma fera, quando claramente não precisa ser.
Ele me olhou por um longo momento, e pela primeira vez, parecia não ter uma resposta pronta. Em vez disso, ele se virou e caminhou até uma das janelas, olhando para os jardins lá fora.
— Você não entende o que significa viver neste mundo, Lara. É fácil julgar de fora, mas aqui dentro... é diferente. — Sua voz era quase um sussurro, carregada de algo que parecia pesar.
— Então me explique — insisti, dando um passo na direção dele. — Se é tão diferente, me mostre.
Ele riu novamente, mas dessa vez, parecia cansado.
— Você é teimosa, eu admito. Mas cuidado, Lara. Quanto mais se aproxima de uma fera, maior a chance de se machucar nos espinhos.
— Talvez eu não me importe com os espinhos — respondi, sem hesitar.
Ele finalmente se virou para mim, seus olhos escuros brilhando com algo que eu não conseguia decifrar. Era como se, por um instante, a máscara tivesse caído. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele deu um passo para trás, retomando sua postura controlada.
— Tenho trabalho a fazer — disse ele, encerrando a conversa. — Sugiro que aproveite o dia para explorar a mansão, se isso a mantiver ocupada.
Sabia que ele estava se afastando novamente, construindo suas barreiras. Mas, ao mesmo tempo, senti que havia conseguido um pequeno avanço, por menor que fosse. Havia algo por trás daquela fachada fria e arrogante, algo que ele parecia desesperado para proteger.
E eu estava determinada a descobrir o que era.
Apesar da morte dos meus pais eu estava feliz, finalmente meu irmão e eu tínhamos encontrado alguma espécie de conforto na casa que herdamos da nossa mãe, na verdade, a casa era da nossa avó, e com a morte dos nossos pais decidimos nos mudar para ela.Marco sempre foi alguém reservado, ele nunca foi alguém de conversar muito, sempre calado e resolvendo as coisas dele, eu sempre tentei questionar o que ele fazia, mas ele nunca me disse de onde vinha o dinheiro ou com quem estava andando.Até eu descobrir que ele havia se metido com uns caras da pesada.— Como pode pegar dinheiro emprestado com esses caras? Você é maluco Marco? — gritei olhando para o meu irmão que estava agora sentado na mesa da cozinha antiga da nossa nova casa.— Eu precisei Lara, ou você pensa que tudo saiu de graça? O enterro dos nossos pais, a mudança para cá, não sei em que mundo você vive mergulhada nesses seus livros, mas eu vivo em um mundo real, onde tudo é preciso pagar.— Mas e agora? O que vamos fazer? — o
O som dos meus passos ecoava no mármore frio do corredor enquanto eu seguia Michele. Cada movimento meu parecia ser observado, como se o simples ato de respirar fosse uma afronta. A mansão era grandiosa, mas tinha algo opressor nela, como se fosse feita para engolir qualquer vestígio de liberdade. Eu olhava ao redor, tentando entender a magnitude daquele lugar. Cada detalhe, do tapete luxuoso ao lustre de cristal, parecia tentar me convencer de que eu era insignificante.Michele não me dava atenção. Ele caminhava na frente, sua postura ereta e imponente, o olhar fixo à frente. Os seguranças que nos acompanhavam não ousavam levantar os olhos. Era como se eu fosse invisível para todos, exceto para ele.Eu tentava não pensar no que me aguardava, mas a sensação de estar sendo conduzida para algo pior a cada passo me consumia. Michele parou diante de uma porta feita de madeira escura, com entalhes que pareciam relatar batalhas antigas. Ele abriu a porta e entrou sem dizer uma palavra. Hesi
A porta do meu quarto se abriu bruscamente, me arrancando do sono leve. Ainda meio grogue, virei-me para encarar quem ousava invadir meu espaço tão cedo. Lá estava ele, Michele Lombardi, com sua presença avassaladora. Vestido impecavelmente em um terno cinza-escuro, ele parecia um rei em seu trono, mas seu olhar gelado e implacável me lembrava de que, para ele, eu não passava de uma prisioneira.— Levante-se — ordenou ele, sua voz firme como sempre. — Temos um dia cheio.— Cheio de quê? Você planeja me trancar em mais um quarto? — retruquei, sentando-me na cama e tentando afastar o torpor do sono.Seu olhar ficou ainda mais penetrante. Ele não estava acostumado a ser desafiado, mas algo em mim se recusava a baixar a cabeça.— Lembre-se de onde está, Lara. Aqui, minha palavra é lei. — Ele deu um passo à frente, reduzindo ainda mais a distância entre nós. — Se preferir ficar neste quarto para sempre, isso pode ser arranjado. Mas acho que você vai querer ver o que preparei.Levantei-me l
Aquela noite foi inquieta. A cama luxuosa e os lençóis macios eram um contraste doloroso com a prisão invisível que me envolvia. Olhei para o teto do quarto imenso, sentindo o peso da situação me sufocar. Michele Lombardi era como uma sombra constante em meus pensamentos, e, por mais que eu quisesse odiá-lo, havia algo em seus olhos que não me deixava em paz.O som de passos firmes pelo corredor me fez sentar na cama. Meu coração disparou, mas a porta permaneceu fechada. Eu estava sozinha. Ou pelo menos era o que parecia.Na manhã seguinte, uma batida suave na porta me tirou dos meus pensamentos. Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu, revelando uma mulher bem vestida. Ela carregava uma bandeja de café da manhã, e sua expressão era neutra.— Senhorita Lara, o senhor Lombardi deseja vê-la no jardim após o café. — Sua voz era educada, mas firme, como se não houvesse espaço para recusa.— Eu realmente não tenho escolha, não é? — respondi, com uma ironia que mal escondia minha f
O silêncio na mansão era quase palpável, quebrado apenas pelo eco dos meus passos no piso de mármore enquanto caminhava pelo corredor em direção à biblioteca. Michele havia ordenado que eu me apresentasse ali depois do café da manhã. A formalidade de sua voz e o tom imperioso ainda ressoavam na minha mente, uma mistura de frustração e curiosidade me consumindo.A porta dupla se abriu com um rangido baixo, revelando um espaço grandioso repleto de estantes que se estendiam do chão ao teto. Livros em capas de couro preenchiam cada centímetro, e a luz suave que entrava pelas altas janelas dava ao ambiente uma aura quase mágica. Michele estava ali, parado próximo a uma das janelas, vestido impecavelmente em um terno escuro que parecia ter sido feito sob medida para ele. Seu rosto estava iluminado pela luz matinal, e, por um momento, fiquei hipnotizada pela simetria de suas feições.Ele era inacreditavelmente bonito, com linhas fortes e olhos que pareciam penetrar na alma de qualquer um. Ma
O silêncio no corredor era tão profundo que o som dos meus passos parecia ecoar por toda a mansão. Eu havia passado boa parte da noite refletindo sobre as palavras de Michele e as barreiras que ele parecia determinado a erguer entre nós. Mas minha curiosidade estava longe de ser saciada. Ele era um enigma que eu não conseguia ignorar, por mais que quisesse.A porta do escritório dele estava entreaberta, e, mesmo hesitando, bati levemente. Não esperava uma resposta amigável, mas precisava confrontá-lo. Precisava entender o que ele queria de mim.— Entre — sua voz soou firme, como se já soubesse que eu estava ali.Empurrei a porta devagar e o encontrei sentado à mesa, cercado por pilhas de papéis e uma taça de vinho. A iluminação suave do abajur fazia sombras dançarem pelo rosto dele, destacando suas feições perfeitas, quase como uma escultura. Ele ergueu os olhos, fixando-os em mim, e senti um calafrio percorrer minha espinha.— O que foi agora, Lara? — perguntou ele, a paciência evide