Capítulo 6 - A Dança da Fera

O silêncio no corredor era tão profundo que o som dos meus passos parecia ecoar por toda a mansão. Eu havia passado boa parte da noite refletindo sobre as palavras de Michele e as barreiras que ele parecia determinado a erguer entre nós. Mas minha curiosidade estava longe de ser saciada. Ele era um enigma que eu não conseguia ignorar, por mais que quisesse.

A porta do escritório dele estava entreaberta, e, mesmo hesitando, bati levemente. Não esperava uma resposta amigável, mas precisava confrontá-lo. Precisava entender o que ele queria de mim.

— Entre — sua voz soou firme, como se já soubesse que eu estava ali.

Empurrei a porta devagar e o encontrei sentado à mesa, cercado por pilhas de papéis e uma taça de vinho. A iluminação suave do abajur fazia sombras dançarem pelo rosto dele, destacando suas feições perfeitas, quase como uma escultura. Ele ergueu os olhos, fixando-os em mim, e senti um calafrio percorrer minha espinha.

— O que foi agora, Lara? — perguntou ele, a paciência evidente na forma como suspirou.

— Quero entender — comecei, parando a alguns passos da mesa. — Por que você insiste em agir como se eu fosse uma prisioneira? Você me trouxe para cá, mas não disse por quê. Não me explicou o que espera de mim.

Ele se inclinou para trás na cadeira, cruzando os braços. O olhar frio e calculista parecia analisar cada palavra minha.

— Você faz muitas perguntas. — Ele tomou um gole do vinho, os olhos nunca deixando os meus. — Mas já que insiste, eu vou lhe dar uma resposta. Não espero nada de você, Lara. Sua presença aqui é simplesmente uma consequência.

— Consequência de quê? Das escolhas ruins do meu irmão? — retruquei, cruzando os braços. — Isso não justifica me tratar como uma peça de barganha. Eu não sou parte do seu mundo, Michele.

— Não? — Ele se levantou, a imponência de sua altura fazendo o ar ao meu redor parecer mais pesado. — E ainda assim está aqui, vivendo sob o meu teto, respirando o meu ar. Se não fosse por mim, você não teria sequer essa segurança.

— Segurança? — Minha voz subiu um tom, o calor da indignação tomando conta de mim. — Você me arrancou da minha vida! Isso não é segurança. Isso é controle.

Michele parou diante de mim, tão próximo que podia sentir o calor de sua presença. Seus olhos escuros brilhavam com algo que eu não conseguia identificar — raiva ou fascínio, talvez ambos.

— Controle é tudo neste mundo, Lara. — Sua voz era baixa, quase um sussurro, mas carregada de autoridade. — Se eu não tiver controle, outros terão. E isso nunca termina bem.

Houve um silêncio carregado entre nós. Meu coração batia rápido, mas me recusei a desviar o olhar. Pela primeira vez, eu senti que havia tocado em algo dentro dele, uma verdade que ele tentava esconder.

— Talvez o problema seja que você nunca aprendeu a confiar — murmurei, a voz mais suave. — Não em mim, nem em ninguém.

Ele piscou, como se minha observação tivesse o atingido. Mas a expressão endurecida voltou quase imediatamente, e ele deu um passo para trás, retomando a postura controlada.

— Confiança é uma fraqueza que não posso me dar ao luxo de ter — respondeu ele, virando-se para a janela. — E se você for esperta, aprenderá isso rapidamente.

— Então é isso? Você escolheu viver sozinho nesse castelo, afastando todos com seus espinhos? — Minha voz carregava um misto de desafio e tristeza. — Isso é o que você quer?

Ele não respondeu imediatamente. A luz da lua banhava seu perfil, destacando as linhas severas de seu rosto. Quando finalmente falou, sua voz estava distante.

— O que eu quero nunca importou. — Ele se virou para mim novamente, os olhos brilhando com uma intensidade que me fez prender a respiração. — E talvez, Lara, você esteja começando a entender como o mundo realmente funciona.

Senti um nó na garganta. Havia tanta dor escondida em suas palavras, tanto que ele parecia se recusar a admitir. Ele podia ser arrogante, frio e implacável, mas havia algo mais ali, algo que eu estava determinada a descobrir.

— Você pode acreditar nisso, Michele, mas eu não. — Minha voz era firme, mas calma. — Eu não sou como você. E não vou me perder nesse jogo de poder que você parece tão determinado a jogar.

Por um instante, pensei ter visto um lampejo de surpresa em seus olhos. Mas ele rapidamente o mascarou com um sorriso sarcástico.

— Veremos quanto tempo dura essa determinação. — Ele se aproximou novamente, inclinando-se ligeiramente para que nossos olhares ficassem no mesmo nível. — Mas lembre-se, Lara, este mundo não perdoa os fracos. E eu não sou um conto de fadas.

— Talvez não — respondi, meu coração batendo tão alto que parecia ecoar pela sala. — Mas até as feras podem aprender a amar.

As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Michele me encarou, seus olhos fixos nos meus, como se estivesse tentando decifrar o que eu acabara de dizer. Mas antes que ele pudesse responder, virei-me e saí da sala, meu coração acelerado e minha mente cheia de perguntas.

Enquanto caminhava de volta para o meu quarto, não pude deixar de pensar na troca de palavras. Talvez Michele estivesse certo sobre muitas coisas. Talvez eu fosse ingênua por acreditar que havia bondade em alguém como ele. Mas, ao mesmo tempo, algo me dizia que por trás daquela fachada fria e impenetrável, havia mais do que ele queria mostrar.

E, por mais que eu soubesse que estava brincando com fogo, não conseguia evitar. Eu queria entender quem ele realmente era. Porque ele era assim. E, talvez, só talvez, provar a ele que mesmo as feras merecem um final diferente.

Eu estava disposta a tentar. Mesmo que isso significasse enfrentar os espinhos de perto.

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