O silêncio no corredor era tão profundo que o som dos meus passos parecia ecoar por toda a mansão. Eu havia passado boa parte da noite refletindo sobre as palavras de Michele e as barreiras que ele parecia determinado a erguer entre nós. Mas minha curiosidade estava longe de ser saciada. Ele era um enigma que eu não conseguia ignorar, por mais que quisesse.
A porta do escritório dele estava entreaberta, e, mesmo hesitando, bati levemente. Não esperava uma resposta amigável, mas precisava confrontá-lo. Precisava entender o que ele queria de mim.
— Entre — sua voz soou firme, como se já soubesse que eu estava ali.
Empurrei a porta devagar e o encontrei sentado à mesa, cercado por pilhas de papéis e uma taça de vinho. A iluminação suave do abajur fazia sombras dançarem pelo rosto dele, destacando suas feições perfeitas, quase como uma escultura. Ele ergueu os olhos, fixando-os em mim, e senti um calafrio percorrer minha espinha.
— O que foi agora, Lara? — perguntou ele, a paciência evidente na forma como suspirou.
— Quero entender — comecei, parando a alguns passos da mesa. — Por que você insiste em agir como se eu fosse uma prisioneira? Você me trouxe para cá, mas não disse por quê. Não me explicou o que espera de mim.
Ele se inclinou para trás na cadeira, cruzando os braços. O olhar frio e calculista parecia analisar cada palavra minha.
— Você faz muitas perguntas. — Ele tomou um gole do vinho, os olhos nunca deixando os meus. — Mas já que insiste, eu vou lhe dar uma resposta. Não espero nada de você, Lara. Sua presença aqui é simplesmente uma consequência.
— Consequência de quê? Das escolhas ruins do meu irmão? — retruquei, cruzando os braços. — Isso não justifica me tratar como uma peça de barganha. Eu não sou parte do seu mundo, Michele.
— Não? — Ele se levantou, a imponência de sua altura fazendo o ar ao meu redor parecer mais pesado. — E ainda assim está aqui, vivendo sob o meu teto, respirando o meu ar. Se não fosse por mim, você não teria sequer essa segurança.
— Segurança? — Minha voz subiu um tom, o calor da indignação tomando conta de mim. — Você me arrancou da minha vida! Isso não é segurança. Isso é controle.
Michele parou diante de mim, tão próximo que podia sentir o calor de sua presença. Seus olhos escuros brilhavam com algo que eu não conseguia identificar — raiva ou fascínio, talvez ambos.
— Controle é tudo neste mundo, Lara. — Sua voz era baixa, quase um sussurro, mas carregada de autoridade. — Se eu não tiver controle, outros terão. E isso nunca termina bem.
Houve um silêncio carregado entre nós. Meu coração batia rápido, mas me recusei a desviar o olhar. Pela primeira vez, eu senti que havia tocado em algo dentro dele, uma verdade que ele tentava esconder.
— Talvez o problema seja que você nunca aprendeu a confiar — murmurei, a voz mais suave. — Não em mim, nem em ninguém.
Ele piscou, como se minha observação tivesse o atingido. Mas a expressão endurecida voltou quase imediatamente, e ele deu um passo para trás, retomando a postura controlada.
— Confiança é uma fraqueza que não posso me dar ao luxo de ter — respondeu ele, virando-se para a janela. — E se você for esperta, aprenderá isso rapidamente.
— Então é isso? Você escolheu viver sozinho nesse castelo, afastando todos com seus espinhos? — Minha voz carregava um misto de desafio e tristeza. — Isso é o que você quer?
Ele não respondeu imediatamente. A luz da lua banhava seu perfil, destacando as linhas severas de seu rosto. Quando finalmente falou, sua voz estava distante.
— O que eu quero nunca importou. — Ele se virou para mim novamente, os olhos brilhando com uma intensidade que me fez prender a respiração. — E talvez, Lara, você esteja começando a entender como o mundo realmente funciona.
Senti um nó na garganta. Havia tanta dor escondida em suas palavras, tanto que ele parecia se recusar a admitir. Ele podia ser arrogante, frio e implacável, mas havia algo mais ali, algo que eu estava determinada a descobrir.
— Você pode acreditar nisso, Michele, mas eu não. — Minha voz era firme, mas calma. — Eu não sou como você. E não vou me perder nesse jogo de poder que você parece tão determinado a jogar.
Por um instante, pensei ter visto um lampejo de surpresa em seus olhos. Mas ele rapidamente o mascarou com um sorriso sarcástico.
— Veremos quanto tempo dura essa determinação. — Ele se aproximou novamente, inclinando-se ligeiramente para que nossos olhares ficassem no mesmo nível. — Mas lembre-se, Lara, este mundo não perdoa os fracos. E eu não sou um conto de fadas.
— Talvez não — respondi, meu coração batendo tão alto que parecia ecoar pela sala. — Mas até as feras podem aprender a amar.
As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Michele me encarou, seus olhos fixos nos meus, como se estivesse tentando decifrar o que eu acabara de dizer. Mas antes que ele pudesse responder, virei-me e saí da sala, meu coração acelerado e minha mente cheia de perguntas.
Enquanto caminhava de volta para o meu quarto, não pude deixar de pensar na troca de palavras. Talvez Michele estivesse certo sobre muitas coisas. Talvez eu fosse ingênua por acreditar que havia bondade em alguém como ele. Mas, ao mesmo tempo, algo me dizia que por trás daquela fachada fria e impenetrável, havia mais do que ele queria mostrar.
E, por mais que eu soubesse que estava brincando com fogo, não conseguia evitar. Eu queria entender quem ele realmente era. Porque ele era assim. E, talvez, só talvez, provar a ele que mesmo as feras merecem um final diferente.
Eu estava disposta a tentar. Mesmo que isso significasse enfrentar os espinhos de perto.
A manhã chegou lentamente, e com ela, a tensão que parecia pairar sobre a mansão como uma névoa pesada. Michele estava longe de ser alguém que perdoava facilmente, e eu sabia que as palavras que trocamos na noite anterior não seriam esquecidas tão cedo.Ao descer para o café, encontrei a sala de jantar vazia. A mesa impecavelmente posta, com pratos de porcelana e talheres que brilhavam sob a luz suave que atravessava as janelas altas, parecia um cenário tirado de um filme. Mas o protagonista, como sempre, estava ausente.— Onde está Michele? — perguntei a uma das empregadas, uma mulher de olhar discreto e movimentos ágeis.— Ele está na biblioteca, senhorita Lara — respondeu ela, com uma reverência quase imperceptível antes de desaparecer pelo corredor.A biblioteca. Eu não sabia o que me atraía mais: o desejo de confrontá-lo novamente ou a curiosidade de vê-lo naquele espaço. Michele tinha algo que o tornava fascinante, mesmo quando ele me irritava profundamente.Caminhei até a porta
Apesar da morte dos meus pais eu estava feliz, finalmente meu irmão e eu tínhamos encontrado alguma espécie de conforto na casa que herdamos da nossa mãe, na verdade, a casa era da nossa avó, e com a morte dos nossos pais decidimos nos mudar para ela.Marco sempre foi alguém reservado, ele nunca foi alguém de conversar muito, sempre calado e resolvendo as coisas dele, eu sempre tentei questionar o que ele fazia, mas ele nunca me disse de onde vinha o dinheiro ou com quem estava andando.Até eu descobrir que ele havia se metido com uns caras da pesada.— Como pode pegar dinheiro emprestado com esses caras? Você é maluco Marco? — gritei olhando para o meu irmão que estava agora sentado na mesa da cozinha antiga da nossa nova casa.— Eu precisei Lara, ou você pensa que tudo saiu de graça? O enterro dos nossos pais, a mudança para cá, não sei em que mundo você vive mergulhada nesses seus livros, mas eu vivo em um mundo real, onde tudo é preciso pagar.— Mas e agora? O que vamos fazer? — o
O som dos meus passos ecoava no mármore frio do corredor enquanto eu seguia Michele. Cada movimento meu parecia ser observado, como se o simples ato de respirar fosse uma afronta. A mansão era grandiosa, mas tinha algo opressor nela, como se fosse feita para engolir qualquer vestígio de liberdade. Eu olhava ao redor, tentando entender a magnitude daquele lugar. Cada detalhe, do tapete luxuoso ao lustre de cristal, parecia tentar me convencer de que eu era insignificante.Michele não me dava atenção. Ele caminhava na frente, sua postura ereta e imponente, o olhar fixo à frente. Os seguranças que nos acompanhavam não ousavam levantar os olhos. Era como se eu fosse invisível para todos, exceto para ele.Eu tentava não pensar no que me aguardava, mas a sensação de estar sendo conduzida para algo pior a cada passo me consumia. Michele parou diante de uma porta feita de madeira escura, com entalhes que pareciam relatar batalhas antigas. Ele abriu a porta e entrou sem dizer uma palavra. Hesi
A porta do meu quarto se abriu bruscamente, me arrancando do sono leve. Ainda meio grogue, virei-me para encarar quem ousava invadir meu espaço tão cedo. Lá estava ele, Michele Lombardi, com sua presença avassaladora. Vestido impecavelmente em um terno cinza-escuro, ele parecia um rei em seu trono, mas seu olhar gelado e implacável me lembrava de que, para ele, eu não passava de uma prisioneira.— Levante-se — ordenou ele, sua voz firme como sempre. — Temos um dia cheio.— Cheio de quê? Você planeja me trancar em mais um quarto? — retruquei, sentando-me na cama e tentando afastar o torpor do sono.Seu olhar ficou ainda mais penetrante. Ele não estava acostumado a ser desafiado, mas algo em mim se recusava a baixar a cabeça.— Lembre-se de onde está, Lara. Aqui, minha palavra é lei. — Ele deu um passo à frente, reduzindo ainda mais a distância entre nós. — Se preferir ficar neste quarto para sempre, isso pode ser arranjado. Mas acho que você vai querer ver o que preparei.Levantei-me l
Aquela noite foi inquieta. A cama luxuosa e os lençóis macios eram um contraste doloroso com a prisão invisível que me envolvia. Olhei para o teto do quarto imenso, sentindo o peso da situação me sufocar. Michele Lombardi era como uma sombra constante em meus pensamentos, e, por mais que eu quisesse odiá-lo, havia algo em seus olhos que não me deixava em paz.O som de passos firmes pelo corredor me fez sentar na cama. Meu coração disparou, mas a porta permaneceu fechada. Eu estava sozinha. Ou pelo menos era o que parecia.Na manhã seguinte, uma batida suave na porta me tirou dos meus pensamentos. Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu, revelando uma mulher bem vestida. Ela carregava uma bandeja de café da manhã, e sua expressão era neutra.— Senhorita Lara, o senhor Lombardi deseja vê-la no jardim após o café. — Sua voz era educada, mas firme, como se não houvesse espaço para recusa.— Eu realmente não tenho escolha, não é? — respondi, com uma ironia que mal escondia minha f
O silêncio na mansão era quase palpável, quebrado apenas pelo eco dos meus passos no piso de mármore enquanto caminhava pelo corredor em direção à biblioteca. Michele havia ordenado que eu me apresentasse ali depois do café da manhã. A formalidade de sua voz e o tom imperioso ainda ressoavam na minha mente, uma mistura de frustração e curiosidade me consumindo.A porta dupla se abriu com um rangido baixo, revelando um espaço grandioso repleto de estantes que se estendiam do chão ao teto. Livros em capas de couro preenchiam cada centímetro, e a luz suave que entrava pelas altas janelas dava ao ambiente uma aura quase mágica. Michele estava ali, parado próximo a uma das janelas, vestido impecavelmente em um terno escuro que parecia ter sido feito sob medida para ele. Seu rosto estava iluminado pela luz matinal, e, por um momento, fiquei hipnotizada pela simetria de suas feições.Ele era inacreditavelmente bonito, com linhas fortes e olhos que pareciam penetrar na alma de qualquer um. Ma