O silêncio na mansão era quase palpável, quebrado apenas pelo eco dos meus passos no piso de mármore enquanto caminhava pelo corredor em direção à biblioteca. Michele havia ordenado que eu me apresentasse ali depois do café da manhã. A formalidade de sua voz e o tom imperioso ainda ressoavam na minha mente, uma mistura de frustração e curiosidade me consumindo.
A porta dupla se abriu com um rangido baixo, revelando um espaço grandioso repleto de estantes que se estendiam do chão ao teto. Livros em capas de couro preenchiam cada centímetro, e a luz suave que entrava pelas altas janelas dava ao ambiente uma aura quase mágica. Michele estava ali, parado próximo a uma das janelas, vestido impecavelmente em um terno escuro que parecia ter sido feito sob medida para ele. Seu rosto estava iluminado pela luz matinal, e, por um momento, fiquei hipnotizada pela simetria de suas feições.
Ele era inacreditavelmente bonito, com linhas fortes e olhos que pareciam penetrar na alma de qualquer um. Mas essa beleza era também intimidadora, como um espinho escondido na flor mais deslumbrante.
— Você está atrasada — ele disse sem sequer se virar para mim.
— Dois minutos não são atraso — retruquei, cruzando os braços, recusando-me a demonstrar a inquietação que sua presença me causava.
Finalmente, ele se virou para me encarar, um sorriso frio curvando seus lábios.
— No meu mundo, Lara, até os segundos contam. É bom que comece a se adaptar a isso.
— E no meu mundo, as pessoas são pontuais quando o compromisso importa. Talvez o problema seja você, e não eu — respondi, mantendo meu olhar fixo no dele.
Por um momento, algo mudou em sua expressão. Talvez fosse surpresa, talvez divertimento, mas desapareceu rápido demais para que eu pudesse ter certeza. Ele indicou uma das poltronas ao lado de uma mesa central, sem se incomodar em responder. Relutante, me sentei, observando enquanto ele pegava um livro de uma das prateleiras.
— Sabe por que eu pedi que viesse aqui? — perguntou, colocando o livro na mesa entre nós. Era uma edição antiga de "A Bela e a Fera".
A ironia não passou despercebida por mim, e soltei uma risada curta.
— Planejando uma aula de moral? Você não parece o tipo de pessoa que acredita em finais felizes.
Ele inclinou ligeiramente a cabeça, um traço de sorriso ainda em seus lábios.
— E você parece acreditar. Isso é interessante, considerando sua situação atual.
— Minha situação é consequência das escolhas de outras pessoas, não minhas. Isso não significa que eu tenha desistido de encontrar um final diferente — retruquei, erguendo o queixo.
Ele riu baixo, um som que parecia ao mesmo tempo genuíno e cruel.
— Você tem espírito, Lara. Mas a realidade não é um conto de fadas. Nesse mundo, ou você aprende a sobreviver, ou é devorada. Simples assim.
— Talvez você não conheça a realidade tanto quanto pensa. Afinal, você vive em uma mansão com seguranças por todos os lados. Quem é realmente o prisioneiro aqui, Michele?
Ele ficou em silêncio, me estudando com aqueles olhos escuros e insondáveis. Então, pegou o livro e abriu em uma página ao acaso, deslizando os dedos pelas palavras impressas.
— A Fera não era realmente um monstro — ele disse, como se falasse mais para si mesmo do que para mim. — Ele era um homem condenado por suas próprias escolhas. Você acha que sou a Fera, Lara?
A pergunta me pegou de surpresa. Havia algo em sua voz, uma sombra de vulnerabilidade que eu não esperava. Mas logo desapareceu, substituída pela fria arrogância que eu já começava a reconhecer.
— Eu acho que você é o homem que se esconde atrás de uma máscara. E talvez nem você saiba quem realmente é — respondi, sem quebrar o contato visual.
Por um instante, pensei ter o atingido. Seus lábios se apertaram em uma linha fina, e ele fechou o livro com um som seco.
— Isso é irrelevante — disse, sua voz voltando ao tom controlado. — O que importa é que você entenda seu lugar aqui.
Eu me levantei, ignorando o medo que ainda tentava se infiltrar em meu peito.
— Meu lugar aqui? Você pode me manter nessa mansão, Michele, mas nunca vai me possuir. Eu não sou uma de suas conquistas.
Ele também se levantou, e a proximidade entre nós fez meu coração acelerar. Ele era intimidador, cada centímetro de seu corpo irradiando autoridade, mas eu me recusei a recuar.
— Você subestima minha determinação, Lara — ele disse baixinho, quase em um sussurro. — Mas isso faz de você uma adversária interessante. Vamos ver quanto tempo você aguenta.
Eu o encarei, minha respiração rápida, mas meus olhos desafiando os dele.
— Você subestima a minha também — respondi com firmeza.
Por um momento, ficamos em silêncio, presos em uma batalha de vontades que parecia consumir o ar entre nós. Então, ele deu um passo para trás, seu rosto voltando à expressão impassível de sempre.
— A biblioteca é sua para usar — ele disse, sua voz agora mais controlada. — Mas lembre-se, Lara: tudo aqui pertence a mim. Incluindo você.
Eu o observei sair, a tensão em meus ombros finalmente diminuindo quando a porta se fechou atrás dele. Olhei para o livro que ele havia deixado na mesa, a capa com a imagem de uma rosa cercada por espinhos. Peguei-o e o segurei por um momento, sentindo o peso simbólico em minhas mãos.
— Talvez você esteja certo, Michele — murmurei para mim mesma. — Talvez isso não seja um conto de fadas. Mas não significa que eu não possa escrever meu próprio final.
Com essas palavras, me sentei e comecei a ler, determinada a encontrar alguma forma de escapar das correntes invisíveis que ele colocou em mim.
O silêncio no corredor era tão profundo que o som dos meus passos parecia ecoar por toda a mansão. Eu havia passado boa parte da noite refletindo sobre as palavras de Michele e as barreiras que ele parecia determinado a erguer entre nós. Mas minha curiosidade estava longe de ser saciada. Ele era um enigma que eu não conseguia ignorar, por mais que quisesse.A porta do escritório dele estava entreaberta, e, mesmo hesitando, bati levemente. Não esperava uma resposta amigável, mas precisava confrontá-lo. Precisava entender o que ele queria de mim.— Entre — sua voz soou firme, como se já soubesse que eu estava ali.Empurrei a porta devagar e o encontrei sentado à mesa, cercado por pilhas de papéis e uma taça de vinho. A iluminação suave do abajur fazia sombras dançarem pelo rosto dele, destacando suas feições perfeitas, quase como uma escultura. Ele ergueu os olhos, fixando-os em mim, e senti um calafrio percorrer minha espinha.— O que foi agora, Lara? — perguntou ele, a paciência evide
A manhã chegou lentamente, e com ela, a tensão que parecia pairar sobre a mansão como uma névoa pesada. Michele estava longe de ser alguém que perdoava facilmente, e eu sabia que as palavras que trocamos na noite anterior não seriam esquecidas tão cedo.Ao descer para o café, encontrei a sala de jantar vazia. A mesa impecavelmente posta, com pratos de porcelana e talheres que brilhavam sob a luz suave que atravessava as janelas altas, parecia um cenário tirado de um filme. Mas o protagonista, como sempre, estava ausente.— Onde está Michele? — perguntei a uma das empregadas, uma mulher de olhar discreto e movimentos ágeis.— Ele está na biblioteca, senhorita Lara — respondeu ela, com uma reverência quase imperceptível antes de desaparecer pelo corredor.A biblioteca. Eu não sabia o que me atraía mais: o desejo de confrontá-lo novamente ou a curiosidade de vê-lo naquele espaço. Michele tinha algo que o tornava fascinante, mesmo quando ele me irritava profundamente.Caminhei até a porta
Apesar da morte dos meus pais eu estava feliz, finalmente meu irmão e eu tínhamos encontrado alguma espécie de conforto na casa que herdamos da nossa mãe, na verdade, a casa era da nossa avó, e com a morte dos nossos pais decidimos nos mudar para ela.Marco sempre foi alguém reservado, ele nunca foi alguém de conversar muito, sempre calado e resolvendo as coisas dele, eu sempre tentei questionar o que ele fazia, mas ele nunca me disse de onde vinha o dinheiro ou com quem estava andando.Até eu descobrir que ele havia se metido com uns caras da pesada.— Como pode pegar dinheiro emprestado com esses caras? Você é maluco Marco? — gritei olhando para o meu irmão que estava agora sentado na mesa da cozinha antiga da nossa nova casa.— Eu precisei Lara, ou você pensa que tudo saiu de graça? O enterro dos nossos pais, a mudança para cá, não sei em que mundo você vive mergulhada nesses seus livros, mas eu vivo em um mundo real, onde tudo é preciso pagar.— Mas e agora? O que vamos fazer? — o
O som dos meus passos ecoava no mármore frio do corredor enquanto eu seguia Michele. Cada movimento meu parecia ser observado, como se o simples ato de respirar fosse uma afronta. A mansão era grandiosa, mas tinha algo opressor nela, como se fosse feita para engolir qualquer vestígio de liberdade. Eu olhava ao redor, tentando entender a magnitude daquele lugar. Cada detalhe, do tapete luxuoso ao lustre de cristal, parecia tentar me convencer de que eu era insignificante.Michele não me dava atenção. Ele caminhava na frente, sua postura ereta e imponente, o olhar fixo à frente. Os seguranças que nos acompanhavam não ousavam levantar os olhos. Era como se eu fosse invisível para todos, exceto para ele.Eu tentava não pensar no que me aguardava, mas a sensação de estar sendo conduzida para algo pior a cada passo me consumia. Michele parou diante de uma porta feita de madeira escura, com entalhes que pareciam relatar batalhas antigas. Ele abriu a porta e entrou sem dizer uma palavra. Hesi
A porta do meu quarto se abriu bruscamente, me arrancando do sono leve. Ainda meio grogue, virei-me para encarar quem ousava invadir meu espaço tão cedo. Lá estava ele, Michele Lombardi, com sua presença avassaladora. Vestido impecavelmente em um terno cinza-escuro, ele parecia um rei em seu trono, mas seu olhar gelado e implacável me lembrava de que, para ele, eu não passava de uma prisioneira.— Levante-se — ordenou ele, sua voz firme como sempre. — Temos um dia cheio.— Cheio de quê? Você planeja me trancar em mais um quarto? — retruquei, sentando-me na cama e tentando afastar o torpor do sono.Seu olhar ficou ainda mais penetrante. Ele não estava acostumado a ser desafiado, mas algo em mim se recusava a baixar a cabeça.— Lembre-se de onde está, Lara. Aqui, minha palavra é lei. — Ele deu um passo à frente, reduzindo ainda mais a distância entre nós. — Se preferir ficar neste quarto para sempre, isso pode ser arranjado. Mas acho que você vai querer ver o que preparei.Levantei-me l
Aquela noite foi inquieta. A cama luxuosa e os lençóis macios eram um contraste doloroso com a prisão invisível que me envolvia. Olhei para o teto do quarto imenso, sentindo o peso da situação me sufocar. Michele Lombardi era como uma sombra constante em meus pensamentos, e, por mais que eu quisesse odiá-lo, havia algo em seus olhos que não me deixava em paz.O som de passos firmes pelo corredor me fez sentar na cama. Meu coração disparou, mas a porta permaneceu fechada. Eu estava sozinha. Ou pelo menos era o que parecia.Na manhã seguinte, uma batida suave na porta me tirou dos meus pensamentos. Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu, revelando uma mulher bem vestida. Ela carregava uma bandeja de café da manhã, e sua expressão era neutra.— Senhorita Lara, o senhor Lombardi deseja vê-la no jardim após o café. — Sua voz era educada, mas firme, como se não houvesse espaço para recusa.— Eu realmente não tenho escolha, não é? — respondi, com uma ironia que mal escondia minha f