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Capítulo 02 - Leonardo

Não seria fácil me pegar. Eu não vivi anos fugindo das mais inusitadas situações para cair nas mãos daqueles policiais que estavam acostumados a prender batedores de carteira nas esquinas.

Será que eles me consideram tão idiota, a ponto de achar que eu abriria a guarda para uma puta incompetente que fingiu interesse por mim em uma mesa de bar? Logo eu, que aprendi desde cedo a não confiar em ninguém.

Desde o dia que cheguei ao Rio de janeiro que redobrei os cuidados e atenção com tudo que acontecia à minha volta e não foi difícil concluir que eu estava sendo seguido. O incompetente do policial Chamado Lucas Valença nem se deu ao trabalho de disfarçar que me seguia abertamente.

De propósito, comecei a frequentar os mesmos lugares e horários e como imaginei, ele contratou uma garota de programa para tentar arrancar informações.

 Resolvi brincar com aqueles idiotas.

Aceitei a investida da garota, que em momento nenhum eu cogitaria levar para a cama.  Não porque ela fosse garota de programa, mas por que eu nunca faria aquilo com uma garota que parecia ter acabado de sair da adolescência e que me lembrava muito a minha querida Sulamita.

Para facilitar o serviço da coitada, permiti que ela fosse ao meu apartamento e lá eu fingi estar bêbado e caí no sofá, aparentando estar dormindo.

Quase caí na risada ao ver a tentativa desajeitada dela colocar uma escuta embaixo da minha mesa e sair na ponta dos pés, com medo que eu acordasse e a pegasse em fragrante.

— Então vocês querem me surpreender? Vamos ver quem vai ganhar essa.

Combinei com Rafael e passamos a conversar sobre a operação que seria realizada dando nomes, locais e horários onde seria repassado o dinheiro. Ao mesmo tempo, organizei via mensagens o local correto onde eu finalmente daria a tacada final.

Eu estava orgulhoso do meu feito? Nunca.

No entanto eu precisava fazer aquilo. Eu não tinha saída. Eu não tinha opção. Eu fui criado para aquilo. Eu era a inteligência necessária para a máfia de Hilal Ramazan funcionar. Eu era o homem de confiança do chefe. Eu não podia falhar. Sulamita precisava de mim e eu faria de tudo para defendê-la.

—  Leonardo?

A voz parecia vir de longe, mas aos poucos eu percebi que vinha da mulher ajoelhada na cama, me observando vestir a roupa e colocar duas pistolas 9mm, na cintura, por baixo do pesado casaco preto.

— Você já vai?

Me concentrei em calçar as botas calado.

— Responde, Léo.

Suspirei impaciente.

— Não está claro?

Ela fez uma cara amuada e aquilo em vez de me deixar com pena dela, me fez querer sair dali o mais rápido possível.

— Pensei que fosse passar a noite aqui.

Olhei-a fixamente.

— Desde quando eu passo a noite aqui?— falei friamente.

Ela levantou irritada.

— Chega Leonardo, pare de me tratar assim!

Passei a mão pelo cabelo, nervoso.

— O que você quer, afinal?

Ela chegou perto de mim e tentou me abraçar.

— Eu quero você. Você está sempre irritado, não me dá carinho, não transa sem camisinha, não baixa a guarda nem um minuto.

Afastei as mãos dela do meu peito.

— Você nunca reclamou antes.

— É, mas agora estou reclamando. Faz um ano que estamos juntos e quantas vezes nos encontramos? Duas ou três quando você vem ao Brasil.

O que ela queria? Assumir um compromisso? Eu não era homem para ter um compromisso com ninguém.

— Eu quero ter um filho com você.

Coloquei a carteira no bolso da calça.

Filho? Nunca. Eu nunca colocaria uma criança no meio sombrio que eu vivia.

Estava na hora de dar um fim naquela história. Me aproximei dela e mesmo não sentindo emoção nenhuma ao olhar para seu rosto, eu pelo menos devia respeito pelas vezes que ela abriu as pernas para mim.

— Escute Paola, procure outra pessoa para viver seu sonho. Não quero transformar sua vida em um inferno.

— Mas...

Coloquei um dedo sobre seus lábios e ela, pelo menos usou o tempo que ficou comigo para aprender quando devia calar e recuar.

— Acabou. Obrigada por tudo. Apague meu nome do seu telefone e esqueça que um dia me conheceu.

— O que vai fazer?

Peguei a chave do carro e fiz um carinho no rosto dela.

— Vou seguir meu destino. Não se preocupe e não confie em todos que se aproximarem de você.

Virei as costas e mesmo ouvindo o soluço que saiu dos lábios dela, eu não voltei. Minha vida não me permitia voltar atrás por ninguém a não ser minha mãe e Sulamita. Era por elas que eu vivia.

No caminho para o apartamento que eu tinha alugado há duas semanas atrás, fiz duas ou três ligações acertando todos os detalhes das duas operações que seriam realizadas logo mais. Uma delas não podia dar errado. Quando o dia amanhecesse, aquele carregamento de armas estaria a caminho da Turquia e Hilal Ramazam ia entender que podia confiar cegamente em mim e no Rafael. Foram anos de luta para ganhar a confiança dele e não ia ser um bando de policiais querendo mostrar serviço que iria me atrapalhar.

Abri o celular e olhei a foto que eu tinha tirado da internet pesquisando sobre a equipe do policial Lucas Valença. A delegada Alina Varella seria promovida se conseguisse impedir que aquele carregamento de armas saísse do Rio de Janeiro.

Dei um sorrisinho de canto, esperando o sinal abrir.

— Sinto muito, Dr. linda de olhos verdes, mas não será dessa vez que você será promovida.

Já no apartamento, tomei um banho e fiz um sanduiche reforçado. Vai que aquela delegada gostosa resolvesse colocar as asinhas de fora e me deixar dormir na prisão.

Me preparei para o show de logo mais, vestindo minha roupa de batalha. A mesma de sempre: Calça jeans preta e todo o resto da mesma cor. Para não complicar minha situação, coloquei uma pistola na cintura e guardaria a outra no carro.

Nem precisei me olhar no espelho para saber que meu rosto parecia uma máscara de pedra. Há muito tempo que eu não me permitia demonstrar nenhuma emoção. Apenas meu coração sabia dos tormentos da minha alma e talvez para um bom observador, fosse possível ver que meus olhos pretos não brilhavam e meus lábios estavam sempre em uma linha dura e rígida. De resto, eu era apenas um homem estranho que andava sempre sozinho e vestido de preto. Causava medo em alguns, indiferença em outros, curiosidade e interesse em algumas mulheres, preocupação em minha mãe e confiança e proteção para a Sulamita.

Em mim mesmo, eu preferia não pensar. Se um dia eu cumprisse a minha missão, talvez ainda restasse esperança para mim, caso contrário minha existência teria sido em vão. Tudo que fiz a vida inteira não teria nenhum sentido e eu pretendia cumprir minha missão. Iria devolver a vida para minha mãe e Sulamita. As únicas mulheres que importavam para mim.

Peguei a maleta preta e conferi se o conteúdo estava correto. Nada podia dar errado às 00:15 naquele restaurante.

Liguei para Rafael e combinamos que ele chegaria primeiro e me avisaria se o “circo” estava armado.

Se eles tinham pessoal para armar uma emboscada, eu tinha em dobro.

A lei tem limites. O crime, não.

Eu disse que não confiava em ninguém? Eu confio no Rafael.

É ele que vai me ajudar a conseguir o que eu quero. Hilal Ramazam precisa confiar no Rafael a ponto de aceitá-lo na família e ele prometeu que estaria comigo até o fim.

Ele foi instruído nos mínimos detalhes de como deveria se comportar e de como medir cada passo e cada palavra para adquirir o respeito e a confiança do homem mais temido da máfia turca.

Eu precisava de alguém da minha inteira confiança para saber de tudo que acontecia com a Sulamita, mesmo quando eu não estava em casa.

Não foi fácil conseguir que Hilal o contratasse como segurança particular da família, mas eu estava disposto a tudo e aos poucos infiltrei o Rafael na nossa casa e hoje, depois de mim, ele era o homem que mais tinha acesso aos segredos de Hilal Ramazan.

O que ele ganhava com isso? Nada. Apenas justiça.

A mãe do Rafael foi uma das vítimas da crueldade de Hilal.

Rafael é brasileiro, ao contrário de mim, que tenho mãe brasileira e pai turco. Nasci na Turquia, mas meu coração é brasileiro. Minha mãe foi expulsa do país e eu não tive a mesma sorte. Hoje, não sei se agradeço a Deus ou não, o fato de ter permanecido lá. Caso contrário, não sei o que seria da vida da Sulamita e agora eu estava preso àquela casa e àquela família de uma forma que só a morte nos separaria. E a morte me cercava. Fui condicionado a matar ou morrer e como a segunda opção não me era permitida ainda, eu precisava me defender.

Foi um golpe do destino o Rafael ter entrado na minha vida. Sorri, ao lembrar o dia em que nos conhecemos há dez anos atrás. Tinha sido minha primeira viagem ao Brasil, a mando de Hilal e foi justamente ali que nossas vidas tinham se entrelaçado.

O Rafael era bem jovem, tinham vinte anos na época e já era policial.  Ele foi até aquele aeroporto com a incumbência de me prender, mas o destino nos levou para outro caminho e quando ele pediu ajuda para libertar a mãe dele na Turquia, eu vi que ali eu poderia ter um parceiro para todos os momentos. Encontramos a mãe dele, mas a história não terminou ali, ao contrário, começou a nossa busca por vingança e justiça. O Rafael era tão vítima quando eu, das maldades de Hilal Ramazan.

Nos tornamos amigos e ele pediu demissão da polícia e foi morar na Turquia comigo. Tudo para se aproximar de Hilal e vingar a morte da mãe. Eu confiava nele. Eu o ensinei a ter calma e sangue frio para esperar a hora certa de dar o bote. E nós fizemos isso calmamente.

Com o tempo percebi que o Rafael poderia me ajudar de outra forma. Ele e a Sulamita se deram bem logo de cara, e então eu propus que ele se tornasse segurança em nossa casa e passasse a cuidar da Sula na minha ausência.

Tudo estava saindo conforme nós planejamos.

Os meios justificavam os fins? Para mim, sim.

E era por isso que naquela noite eles não iriam me pegar. Ainda não.

Estacionei o carro nos fundos do restaurante e de longe pude ver duas viaturas paradas estrategicamente em cada saída do restaurante.

Conferi novamente o conteúdo da maleta e saí do carro.

Imbecis. Não era ali que eles deveriam estar. Naquela hora, o chefe da Matinha estava enchendo os bolsos em outro ponto da cidade e dentro de alguns instantes as armas estariam voando para a Turquia no jatinho particular de Hilal Ramazan.

Ajeitei a gola do casado e caminhei firme para a entrada do restaurante.

A festa ia começar.

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