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Capítulo 04- Leonardo

Pisar em solo turco deveria ser confortador para mim, afinal eu cresci ali, mas não era assim que eu me sentia. Aquele país era mais uma prisão do que exatamente meu lar. Mas era lá que eu deveria permanecer. Pelo menos até cumprir o que prometi para minha mãe.

Eu e o Rafael descemos do avião e caminhamos por entre a multidão barulhenta do aeroporto de Istambul. Eu tinha pressa de chegar logo em casa e ver como estava a Sulamita.  Casa era uma maneira prática de dizer, pois eu não me sentia em casa na mansão de Hilal Ramazan. Aquela monumento que ocupava um quarteirão inteiro no centro de Istambul estava longe ser o meu lar, mas foi lá que eu nasci e vivi minha vida inteira. Era lá que estava minha história e ela não era nada bonita.

O Rafael percebeu que eu estava introspectivo durante toda a viagem. Não que eu fosse diferente, mas nos últimos tempos eu estava cada vez mais calado e pensativo. Estava chegando a hora de tomar algumas decisões e isso envolvia o Rafael.

— Ei cara, está tudo bem?

Joguei a mala no banco de trás do meu carro, que tinha ficado no estacionamento do aeroporto e encarei meu amigo.

— Está tudo na mesma, bem nunca esteve, não é?

Rafael respirou fundo.

— Para onde vamos primeiro?

Ele perguntava se iríamos para a mansão ou para o apartamento que dividimos em um bairro mais calmo e sossegado da cidade. Um cantinho só nosso para quando eu queria fugir da insanidade daquela mansão recheada de cobras.

— Preciso ver a Sulamita primeiro, você vem?

— Claro, também estou preocupado com ela.

Rafael era um cara do bem. Por isso que eu confiava nele.

— Ela confia em você, sabia? Sulamita, que não confia em ninguém.

O Rafael pareceu meio constrangido.

— Ela me vê como um escudo de proteção, talvez.

Fiz menção de dar um soco de brincadeira no braço dele.

— E você vai protege-la até o fim. Vai desistir agora do que combinamos?

— Claro que não, eu dou minha palavra.

— Ótimo, então se prepare, porque será logo.

— E ela? Você já disse isso a ela?

Apertei os lábios com força.

— Não. Preciso ir com calma. Ela vai entender.

Rafael também estava meio estranho nos últimos tempos. Não era só eu. Acho que ele também estava meio cansado daquela situação. Principalmente ele, que passava mais tempo com a Sulamita e via o quanto ela estava frágil e sozinha.

— Tudo bem, faça como achar melhor.

Olhei bem meu amigo.

— Você tá legal?

Ele demorou para responder e quando fez, não olhou pra mim.

— Não, mas também não quero conversar agora.

Voltei minha atenção para o trânsito e logo depois, estacionava em frente à mansão da minha estranha família.

O segurança abriu o portão e percorri o imenso jardim até a garagem que abrigava uma infinidade de carros. Cada membro da família tinha seu próprio carro, mas nunca saía com eles, pois Hilal Ramazam fazia questão que todos da família saíssem com o motorista e um segurança que só faltava entrar junto no banheiro.

Para meu desprazer, a pessoa que veio ao meu encontro foi a antipática Samia Zafer, que se dizia minha madrasta, mas me olhava como se me devorasse com os olhos. O idiota do meu pai veria o tipo de mulher que tinha se tirasse os olhos das mesas de pôquer e a boca dos copos de whisky.

— Léo, Que bom que você voltou!

Passei por ela sem responder e entrei em casa com um destino certo.

Subi as escadas correndo, seguido pelo Rafael e bati na porta do quarto ao lado do meu.

Ela abriu a porta e se jogou nos meus braços.

Aquele era o melhor abraço do mundo. Quente, cheiroso e macio.

Apertei-a tanto que ela parecia sem ar, então a afastei um pouco de mim e olhei bem para ela.

— Está tudo bem?

Ela afirmou com a cabeça.

Mas não estava.

Eu a conhecia bem. Ela estava triste.

— Saiu do quarto esses dias?

Ela negou.

Observei que ela estava ainda mais magra e os longos cabelos pretos estavam opacos e sem vida.

— Amanhã o Rafael vai te levar ao salão e comprar umas roupas, pode ser?

Ela então olhou para o Rafael.

Às vezes eu achava que ela tinha medo dele, ou era só timidez mesmo.

— Oi Sula....

Ela fez um sinal de legal com os dedos.

Toquei os cabelos dela, com carinho. Ela tinha lindos cabelos pretos e lisos, que chegavam até a cintura e olhos grandes e pretos de cílios longos. Ela tinha verdadeiramente os traços turcos, infelizmente, mas meu amor por ela ia além do que ela representava fisicamente.

— Então, Vamos sair desse quarto? Vou te levar para comer um sanduiche, cheios daquelas coisas estranhas que você gosta.

Ela fez sinais com as mãos.

— Quer comer pizza? Pronto. Comeremos pizza. Vamos sair pra você se arrumar e te esperamos lá embaixo.

Fechei a porta e encarei o Rafael.

— Ela não está bem.

Rafael concordou.

— Se pelo menos ela me dissesse o que sente, mas não, tenho que ler nos olhos dela.

Rafael parecia agoniado.

— Você não tem ideia mesmo do motivo que a levou a parar de falar?

— Porra! nenhuma ideia.

— Isso é muito estranho...

Não deu tempo responder. Do alto da escada eu o vi.

Hilal Ramazan me aguardava na sala.

Descia as escadas lentamente e me aproximei dele, beijando sua mão.

— Oi vovô.

Ele apenas fez uma leve reverência e virou as costas.

— Venham ao meu escritório, quero falar com os dois.

Olhei para Rafael e ele parecia ainda mais estranho. Lógico que eu sabia o quanto ele odiava meu avô, mas nos últimos tempos ele parecia prestes a explodir.

— Calma cara, segura a onda aí. Vamos ver o que ele quer.

O homem sentado na cadeira alta, atrás da mesa de madeira de primeira qualidade nos encarava seriamente.

Hilal era um homem indecifrável. Estava sempre bem vestido, de terno e gravata, sapatos brilhantes, relógio de ouro e um cigarro entre os dedos. Estava na casa dos setenta anos, mas não aparentava ter toda essa idade. Tinha casado aos dezoitos anos e tivera apenas um filho, meu pai Zeki. Ficou viúvo aos trinta anos e nunca mais se casou com ninguém. Comandava a família e os negócios com mãos de ferro e tudo tinha que ser à maneira dele. Era misterioso e muitos de seus negócios era secretos e nem eu sabia exatamente do que se tratava. Sabíamos apenas que toda a fortuna da família tinha uma origem. Era dinheiro sujo, vindo do tráfico de armas e drogas.

— E então? Como foram lá no Brasil?

Sentamos em frente à mesa dele. Era sempre tenso falar de negócios com Hilal Ramazan.

— Não foi como planejado, mas no final tudo deu certo.

Ele pegou dois cheques e nos entregou silenciosamente.

Era uma quantia exorbitante, uma espécie de recompensa pelo nosso trabalho sujo, mas naquele momento aquele dinheiro era o de menos. O importante era a confiança dele no nosso trabalho.

Era hora de começar meu plano.

— O Rafael foi fundamental na operação, não teria conseguido sem ele.

Hilal o encarou seriamente.

— Estou começando a confiar de verdade em você, garoto.

Rafael o encarou de cabeça erguida.

— Obrigada.

— Soube que tiveram problemas com uma delegada que investigava a operação.

Merda!

— Nada demais, consegui resolver o problema.

— O Zaruk me falou que a mulher prometeu que não ia desistir até me pegar.

Inferno!

— Não acredito que ela continue essa investigação.

Ele me olhou friamente.

— Não cheguei onde estou acreditando nas coisas, Leonardo. Eu faço o que deve ser feito.

O que ele queria dizer?

— Não entendi.

Ele levantou e parou em minha frente. Eu fiz o mesmo e o encarei de frente. Eu não tinha medo dele. Eu o odiava. Mas precisava estar do lado dele naquele momento.

— Entendeu muito bem. Volte ao Brasil e mate aquela delegada.

O sangue gelou em minhas veias.

— Porquê?

Ele acendeu o cigarro.

— Porque eu não quero ter essa nuvem pairando sobre mim, entendeu? Eu estou entrando em um negócio grande no Rio de Janeiro e não quero essa delegada de merda me investigando.

— É necessário mesmo matar a moça?

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Porquê? Está com peninha? Posso mandar outra pessoa.

— Não! pode deixar comigo.

Ele virou as costas.

— Podem sair.

Limpei a garganta.

— O Rafael vai ficar. A Sulamita não parece bem e ele vai levá-la para sair um pouco e também vai ao médico.

Ele sentou pensativo.

— A Sulamita ficará bem aqui sem vocês.

Rafael se manifestou pela primeira vez.

— Eu gostaria de ficar, senhor. Sou pago para acompanhá-la e o Leonardo não precisa de mim no Brasil.

Ele pensou um pouco.

— Tudo bem, mas quero um relatório detalhado do que ela faz quando sai de casa. Não quero que ela tenha contato com ninguém na rua. Não tire os olhos de cima dela.

— Pode ter certeza que não tirarei.

Saí do escritório e encontrei a Sula me esperando na sala. Estava tão linda! parecia mais alegre do que alguns minutos atrás. Ela sempre se animava quando saía comigo e o Rafael.

Estendi a mão para ela.

— Vamos?

Ela assentiu com a cabeça.

Ela trocou um sorriso tímido com o Rafael e eu tentei não pensar naquela ideia maluca que vez ou outra vinha em minha mente. Ela sentia alguma coisa por ele? Claro que não. Era loucura minha e um pouco de ciúmes também. Rafael era meu amigo, não seria capaz de tentar nada com ela, ou seria?

Entramos no carro e pelo menos por alguns instantes, nosso objetivo era fazer a Sulamita sorrir um pouco.

Mais tarde eu pensaria na ordem que teria de cumprir logo mais.

Mais tarde eu arranjaria uma forma de tirar Alina Varella do caminho de Hilal Ramazan. Ela estava condenada. Se não fosse eu, seria outra pessoa. Então era melhor que eu mesmo cuidasse daquela mulher louca, que não mediu as consequências ao desafiar o homem mais poderoso e cruel da Turquia.

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