Por que aquele filho da mãe estava me olhando daquele jeito?
Impaciente, repeti a frase:
— Você está preso por contrabando, Leonardo Ramazan.
Ele não mexeu um músculo da face, apenas me olhou ironicamente.
— Posso saber o que eu estou contrabandeando?
Agora ele ia dar uma de inocente?
— Abra essa mala, por favor – indiquei o objeto com a arma.
Alguns clientes próximos à mesa que perceberam a movimentação e as armas apontadas para os dois, se levantaram e saíram assustados. Os dois bandidos porém, mantinha uma calma exasperante.
— Vamos! Mandei abrir a mala!
Com toda calma, provavelmente para me irritar, ele abriu o fecho da maleta e a virou para mim.
Senti meu corpo gelar e encarei o homem que tentava esconder um sorriso em minha frente.
— Que merda é essa? – encarei-o ultrajada.
Lucas deu um passo à frente e encostou a arma na cabeça dele.
— Você está de brincadeira comigo, seu idiota?
Eu tentava entender o que tinha acontecido. Ele era mais perigoso do que eu pensava.
Ele apenas empurrou o cano da arma da cabeça e olhou friamente para o Lucas.
— Cuidado meu amigo, você não tem motivos para encostar uma arma na minha cabeça.
Abaixei a arma e revirei o conteúdo da maleta.
O miserável me olhava, rindo de mim com os olhos e o comparsa dele fingia olhar algo no celular, mas era óbvio que participava daquela brincadeira sem graça.
— Pode me explicar o que é isso? – perguntei meio óbvia.
Ele apontou para o conteúdo da maleta.
— Produtos eróticos delegada, não está vendo?
— Estou vendo o que é, perguntei o que faz aqui a essa hora com essa merda toda aqui dentro.
— Não é merda, são produtos que prometi para o meu amigo. A esposa dele estava querendo variar um pouco...
Senti o sangue subir para o rosto e um calor insuportável me sufocar por baixo da roupa. Estava possessa de ódio daquele homem. Como ele ousava me desafiar daquele jeito? Como tinha descoberto aquela operação? A culpa era do Lucas.
— Se quiser, pode pegar um pra você. Quer dizer, se tiver alguém para usar...
Mirei a arma novamente para ele.
— Me respeite seu cafajeste, ou o levarei preso!
Ele levantou as mãos em sinal de paz.
— Se tiver um motivo, que eu saiba não é proibido vender produtos eróticos.
— E armas? Não é proibido?
Os olhos dele escureceram um pouco e ele crispou os lábios.
— Cuidado delegada, não pode acusar os outros sem provas. Eu não vendo armas.
Lucas se colocou na minha frente.
— Tá se achando o espertinho, não é? De alguma forma você se safou dessa, mas não se preocupe, nós vamos te pegar.
O outro homem que estava com ele finalmente se manifestou. Levantou da mesa e se colocou em minha frente. Ele não era tão diferente do Leonardo. Tinha o mesmo olhar frio e o rosto era uma máscara sem emoção. Apenas fisicamente eles eram diferentes. Enquanto Leonardo era moreno, muito alto e magro, o outro era branco e tinha o corpo musculoso e coberto de tatuagens nos braços. Não sei bem porque, mas eu senti uma coisa estranha ao olhar para o rosto dele, parecia alguém muito familiar, talvez a semelhança física dele com o Lucas. Os dois tinham praticamente a mesma altura, o mesmo tom de pele e até os cabelos pareciam iguais, a diferença é que o do cara à minha frente era curtinho e meio eriçado e o do Lucas era longo e ele os usava preso em um coque. Se o Lucas tivesse um irmão, aquele ali poderia ser considerado como um.
Eles se encararam por um instante e eu senti uma tensão quase física naquele ambiente, mas o homem rapidamente desviou o olhar e me encarou com um meio sorriso.
— E agora delegada, será que posso ir embora com meu amigo, já que viram que não estamos contrabandeando nada.
Ao fixar meu olhar novamente no rosto de Leonardo, admiti que pela primeira vez alguém me causava medo. Aquele homem era a imagem do demônio.
Ele apenas fez uma leve menção de sorriso e me encarou.
— Sinto muito que sua operação foi um fracasso e você não pode ser promovida.
Meu coração deu um salto.
— Como sabe disso?
Ele fechou a mala e fez menção de sair, antes porém, se aproximou de mim e falou próximo ao meu rosto, sem desviar os olhos dos meus:
— Eu sei de tudo, Drª Alina Varela. Tenha cuidado para não sair por ai acusando inocentes. Nem todos encaram isso numa boa.
Aquilo era uma ameaça?
— Você não é inocente e eu vou provar isso!
Ele me encarou desafiador.
— Não perca tempo delegada, eu não tenho nada a esconder da polícia.
Guardei a arma na cintura e cheguei bem perto dele. Era alta o suficiente para encará-lo na mesma direção e falei com a voz fria:
— Pode comemorar sua vitória de hoje, mas saiba que estarei de olho em você e vou te pegar, custe o que custar.
Ele finalmente deu uma risada. O desgraçado era lindo quando sorria.
— Quem não quer ser pego por uma delegada dessas? Estou à sua disposição.
Aquilo era o cúmulo do absurdo, Desde quando eu tinha uma conversa daquelas com um bandido?
Virei as costas e fiz sinal para o Lucas.
— Vamos embora! E você vai me explicar como deu uma mancada dessas.
Meia hora depois, eu andava de um lado para outro na sala do Lucas, enquanto a Gabriela tentava me acalmar:
— Toma aqui um café e respira, mulher!
— Não quero café! Quero a cabeça daquele turco desgraçado. Ele me fez de idiota!
Lucas me passou um copo de Whisky.
— Ele é meio turco. A mãe é brasileira.
— Não importa! Eu quero ele na cadeia e só assim Hilal Ramazam vai sair da toca.
— Será que não devemos esquecer essa história?
Eu virei o copo de uma vez na boca e tossi, com os olhos cheios de lágrimas.
— Nunca! Minha reputação está em jogo.
Lucas levantou as mãos.
— Está bem, voltamos à estava zero e vamos tentar descobrir outros crimes dessa máfia que está tentando dominar o Rio de Janeiro.
Olhei curiosa para ele.
— Você conhece o outro cara que estava com ele?
O Lucas franziu a testa.
— Não. Não conheço.
— Estranho, mas vocês são muitos parecidos.
— Infelizmente!
Peguei minha bolsa e apontei o dedo para o Lucas.
— Não falhe dessa vez, ou eu te demito da minha equipe.
Ele segurou meu dedo e mordeu.
— Nunca que eu vou deixar de te ver todos os dias. Nem que eu tenha que matar Leonardo Ramazan.
Puxei o dedo com força e encarei a Gabriela.
— Até quando você vai aguentar isso, hein?
Ela se jogou nos braços do Lucas.
— Daqui a pouco ele vai sussurrar no meu ouvido que me ama e que eu sou a mulher da vida dele.
Fiz cara de nojo, com o beijo melado que eles trocaram na minha frente.
— Eu odeio vocês!
Bati a porta e me dirigi ao meu Ecosport vermelho. Olhei o relógio. Eram duas da manhã e a rua estava meio deserta.
Liguei o som do carro e dirigi em alta velocidade, pensando em tudo que tinha acontecido naquela noite inusitada. A imagem do sorriso debochado de Leonardo me oferecendo um daqueles objetos obscenos, passou em minha mente e intimamente eu me imaginei usando uma coisas daquelas com ele. Sim, o homem era gostoso pra caramba! Bem que diziam que os bandidos tinham um certo charme e agora eu estava quase concordando. Pensamentos apenas! Nunca que eu me rebaixaria a ir para a cama com um tipo como ele.
Virei a esquina da minha rua e como de costume, fiz um raio x da área para ver se havia algo estranho. Na minha posição, eu não podia facilitar. Sempre era possível haver alguém querendo cobrar vingança por ter passado alguns dias na cadeia.
Minha mãe tinha razão de andar preocupada. Ligaria para ela quando chegasse em casa.
Como de praxe, acionei o controle do portão antes de parar o carro e pela primeira vez, ele não funcionou.
Estranho.
Em alerta, peguei a pistola e diminui a velocidade, sem desligar o carro.
Tentei o portão novamente e nada.
Eram duas da manhã e a portaria estava em silêncio.
Desci do carro com a arma em punho e verifiquei o portão.
— Quer ajuda?
Meu coração saltou dentro do peito.
Virei lentamente e não sei porquê, mas não fiquei surpresa ao ver quem era.
— O que faz aqui?
Ele olhou a rua deserta e voltou— se para mim.
— Não é seguro morar em lugar desses, delegada.
Como ele tinha descoberto meu endereço?
— Moro aqui faz dez anos e nunca fui nem assaltada.
Ele encolheu os ombros.
— Sempre há uma primeira vez.
Novamente aquele tom de ameaça.
Me aproximei dele com a arma em punho.
— Olha aqui Leonardo Ramazan, agora estamos sozinhos, pare com esse showzinho e não me ameace.
Ele se aproximou agora com passos firmes e um olhar frio, como gelo.
— Então cuide da sua vida e não meta o nariz onde não é chamada - A voz dele era fria e seca.
Eu me arrepiei da cabeça aos pés.
Ele não parecia estar brincando. Eu poderia estar correndo perigo, mas não ia deixar ele perceber que tinha conseguido me amedrontar.
— Saia da minha frente!
Ele se aproximou do portão e recolocou a peça no lugar.
— Agora seu controle vai funcionar. Só queria lhe avisar para sair do meu caminho e esquecer essa idiotice de investigar meus negócios.
Encarei-o, de cabeça erguida.
— Seus crimes, você quer dizer, não é?
Ele se aproximou e segurou meu queixo com força, apertando tanto que senti meus dentes trincarem.
— Estou te dando um conselho garota, pare de brincar de detetive enquanto é tempo.
Empurrei a mão dele com força.
— Eu não estou brincando!
Ele apontou o dedo para meu rosto e fez um sinal de tiro.
— Eu também não.
Ele virou as costas e saiu andando lentamente.
Levei as mãos ao meu maxilar e massageei, assustada.
Os dedos dele eram macios e frios. Mas os olhos queimavam feito labaredas.
Ele ainda estava à minha vista. Minha vontade era apertar o gatilho e mandar aquele cretino para o inferno, mas eu não era uma assassina como ele. Eu cumpriria a lei.
Entrei novamente no carro e acionei o portão.
Pisar em solo turco deveria ser confortador para mim, afinal eu cresci ali, mas não era assim que eu me sentia. Aquele país era mais uma prisão do que exatamente meu lar. Mas era lá que eu deveria permanecer. Pelo menos até cumprir o que prometi para minha mãe.Eu e o Rafael descemos do avião e caminhamos por entre a multidão barulhenta do aeroporto de Istambul. Eu tinha pressa de chegar logo em casa e ver como estava a Sulamita. Casa era uma maneira prática de dizer, pois eu não me sentia em casa na mansão de Hilal Ramazan. Aquela monumento que ocupava um quarteirão inteiro no centro de Istambul estava longe ser o meu lar, mas foi lá que eu nasci e vivi minha vida inteira. Era lá que estava minha história e ela não era nada bonita.O Rafael percebeu que eu estava introspectivo durante toda a viagem. Não que eu fosse diferente, mas nos últimos tempos eu estava cada vez mais calado e pensativo. Estava chegando a hora de tomar algumas decisões e isso envolvia o Rafael.— Ei cara, está
— Quer para com isso, mãe? não foi nada demais.Eu estava agoniada com aquela preocupação toda da minha mãe. Ela não parava quieta. Perguntava se eu estava sentindo dor, fome, sono...— Como não foi nada, Alina? Você sofreu uma tentativa de homicídio!Suspirei nervosa.— Não foi tentativa nenhuma, eu perdi a direção do carro!— Depois que alguém tentou te jogar para fora da pista.— Não foi assim!Lucas se manifestou de pé ao lado da janela do quarto do hospital:— Claro que foi Alina, você mesma me contou.Linguarudo!— Quer calar a boca, Lucas?— Tá vendo, você quer esconder de mim. Você está correndo perigo!Tentei sentar na cama, mas a dor nas costelas me obrigou a deitar de novo.— Não precisa tanto alarde, isso é comum na minha profissão.Julieta Varella colocou as mãos na cintura e apontou o dedo indicador para mim.— Você vai sair desse emprego.Nunca!— De jeito nenhum mãe, se acalme por favor — falei tentando parecer calma.Lucas se aproximou e sentou na cama ao meu lado.—
Pensei não ter escutado direito.— Não entendi. O que você disse?— O que você ouviu. Você precisa ir comigo para a Turquia.Ele estava ficando louco.— Nunca! O que diabos eu vou fazer lá?— Salvar sua vida, garota.Eu estava meio tonta e me apoiei no carro para não cair.Ele percebeu meu desequilíbrio e segurou meu braço com força, abrindo a porta do carro e me fazendo sentar no banco de trás.— Respire fundo, você vai precisar de calma daqui para a frente.Empurrei a mão dele, que segurava meu braço.— Me solte, não quero que chegue perto de mim.Ele sorriu de forma enigmática e apoiou os braços na porta aberta, me encarando.— Será um pouco difícil depois do que teremos de fazer.— Que merda você tá falando?Eu já estava me sentindo melhor e levantei passando por baixo dos braços dele.— Nós vamos nos casar.Minha reação foi uma sonora gargalhada.— Não diga! Não acha que é uma piada um pouco sem graça não?Ele ficou calado, me olhando.— Avise a sua mãe que você precisa fazer uma
De volta ao apartamento que eu nem tinha me dado ao trabalho de desalugar, me joguei no sofá, exausto. Que diabos eu estava fazendo? Por que não matei logo aquela delegada insolente e fui cuidar da minha vida?O certo é que eu precisava dormir.Tirei a roupa e entrei embaixo do chuveiro frio, pensando no problema que eu mesmo tinha criado. Onde estava com a cabeça quando pensei em me casar com aquela maluca? Mas só existia essa forma de salvar a vida dela. Hilal Ramazan a descobriria até no inferno e quanto mais ela se escondesse seria pior. Só levando-a para minha família é que ela estaria segura. Como se não bastasse Sulamita e minha mãe, agora mais uma mulher iria depender de mim, era mais um problema em meio a tantos que me rodeavam. No entanto, não tive coragem de cumprir a ordem do meu avô. Não era justo matá-la, quando ela apenas estava cumprindo seu dever. Ela não tinha como saber que estava atiçando um lobo faminto, que devorava todos que atravessavam o caminho dele. Eu mesmo
Tudo estava calmo.O Lucas tinha conseguido um segurança para me acompanhar e eu estava mais tranquila.Eu não conhecia o homem, mas ele parecia profissional. Sempre ficava a uma certa distância e até mesmo quando eu entrava no banheiro, percebia que ele ficava por perto. Era melhor assim. Até que a polícia descobrisse algo sobre os dois atentados que aconteceram na última semana, eu me sentia mais segura sabendo que tinha alguém para me defender.Graças a Deus, Leonardo Ramazam tinha sumido. Mais um motivo para eu achar que aquelas tentativas foram sim, a mando dele.Naquele tarde de sexta-feira, eu saí do prédio da delegacia e resolvi dar um passeio no shopping. Tinha ligado mais cedo para minha mãe e ela estava bem, cuidando das mulheres que viviam no abrigo para testemunhas e mulheres vítimas de violência doméstica.Avisei ao segurança que pretendia jantar no shopping e talvez assistir um filme.Estava sentada terminando meu sanduiche, quando meu celular apitou com um aviso de me
A Turquia nunca foi o meu sonho de viagem internacional e muito menos para casar com um meio turco de cara amarrada, que dormiu a maior parte do voo.Eu estava louca? Talvez.O certo é que eu tinha acabado de desembarcar no aeroporto de Istanbul com a promessa de me tornar membro da família do maior mafioso da Turquia.Leonardo estava mais estranho do que estivera nos últimos dois dias. Calado e pensativo. Não que eu me importasse com o comportamento dele, mas será que eu estava tentando me salvar e na verdade estava indo para a toca do lobo?Ninguém entendeu minha viagem repentina. O Lucas praticamente surtou.— Que diabo de viagem é essa, Alina? O que você vai fazer na Turquia?— Não me faça perguntas Lucas. Por favor.— Como não fazer perguntas Alina? Essa viagem está muito estranha.Sem saber o que fazer, eu esbravejei com ele:— Vai cuidar da sua namoradinha, deixa que eu sei o que estou fazendo.Ele tinha levantado as mãos exasperado.— Você está louca, com certeza.A reação da
Não ia ser fácil.— Você pode repetir o que você falou? – Hilal Ramazan perguntou calmo demais para a situação que se apresentava ali.Respirei fundo.— Essa moça é a delegada Alina Varela e eu a trouxe aqui por que pretendo me casar com ela.Ele colocou o cigarro lentamente sobre o cinzeiro e me olhou.— Por quê?Estávamos sentados em frente à mesa dele no escritório e Alina o encarava desafiadora. Porque ela não podia colaborar?— Por que eu gosto dela e ela também gosta de mim, então eu a pedi em casamento.— Eu mandei você matá-la – ele falou como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.Levantei e coloquei as mãos sobre o tampo da mesa dele encarando-o.— E pelo visto não confiou em mim, por que mandou seu cão de guarda fazer o mesmo.— E estava certo, não estava?— Isso não importa agora. Eu amo essa mulher e vou me casar com ela.Ele desviou o olhar para Alina.— Desde quando conhece meu neto, delegada?Vamos lá, garota!— Desde muito tempo, senhor.— Que tempo? Explique m
Aquela casa parecia uma mansão mal assombrada.Senti um calafrio ao descer as escadas, na ponta dos pés. Se aquele doido achava que eu ia ficar trancada dentro de um quarto, estava enganado.A casa estava em silêncio e eu atravessei a sala devagar, procurando uma alma vida dentro daquele mausoléu.Ouvi vozes vindas de um cômodo e parecia ser uma discussão acalorada pelo timbre de voz, mas como eu não entendia uma palavra em turco, apenas segui a direção daquelas vozes e entrei na cozinha.Uma mulher alta, muito bem vestida, gritava com alguém que imaginei ser a cozinheira ou algo assim. Ela esbravejava apontando um vestido queimado e imaginei que a coitada tinha provocado a tragédia ao tentar passar a peça.A mulher negra e mais velha que a dondoca, não parecia intimidada com os gritos da outra.Sem saber o que fazer, continuei ali parada, até que a mulher percebeu minha presença e virou— se para mim com uma expressão nada agradável.— Defol buradan!O que diabos ela disse?— bu evde