capítulo 3

CAPÍTULO: A NOITE QUE NÃO ERA MINHA

O dia amanheceu arrastado, e cada parte do meu corpo protestava contra os movimentos forçados da noite anterior.

A dança, os saltos, os olhares sujos... tudo pesava como se eu carregasse o mundo nas costas.

Estiquei o corpo devagar, sentindo dores que não deveriam existir em alguém da minha idade.

Suspirei, olhando para o teto e pensando: "Espero que aquele arrogante não apareça hoje."

Hoje era sábado. A boate Little Club nunca fechava, nem em feriado, muito menos em fim de semana.

Mas para mim, isso era uma dádiva amarga: mais movimento, mais gorjetas, mais dinheiro para pagar o tratamento da minha mãe.

**

Depois de uma ducha rápida, arrumei-me com pressa e fui para a cozinha.

Minha mãe, Dona Flávia, já estava sentada à mesa, com um sorriso que não disfarçava o cansaço.

— Bom dia, meu amor. — ela disse, com a voz suave. — Achei que você fosse dormir até mais tarde hoje.

— Hoje eu quero ficar com vocês. — falei, servindo café para nós duas. — E o Joaquim?

— Ainda dormindo. — ela sorriu. — Não tive coragem de acordá-lo.

Depois de uns minutos de silêncio, ela voltou a falar, hesitante:

— Jade, você não pensa em procurar outro trabalho, filha?

Se descobrirem o que tem por trás dessa máscara...

Fechei os olhos por um instante.

— Mãe, eu tô bem.

Você já faz muito, cuidando de mim e do Joaquim.

Eu só tô tentando retribuir.

Mas eu via nos olhos dela: preocupação e medo.

Medo do mundo. Medo do que podiam fazer comigo.

**

Passei o dia inteiro com eles.

Fomos ao parque, fizemos um piquenique improvisado.

Por algumas horas, rimos como uma família normal.

Quase consegui acreditar que éramos.

Mas nos momentos em que minha mãe pensava que eu não estava olhando, ela parecia triste.

Perdida em pensamentos.

Algo estava errado.

Eu sentia.

**

Antes de sair de casa, Joaquim me abraçou forte.

— Maninha, daqui uns anos você não vai mais precisar trabalhar tanto. Eu vou cuidar de vocês.

— Eu já sou a mulher mais orgulhosa do mundo só por ouvir isso, pirralho. — sorri, contendo as lágrimas.

Minha mãe veio até mim, apoiando-se na parede.

— Cuide-se, filha. E... não esqueça a máscara.

— Nunca esqueço, mãe.

Dei um beijo nela, outro no Joaquim, e saí.

O coração pesado.

**

No táxi a caminho da boate, vesti a máscara no rosto.

Era mais que uma proteção física — era a única barreira entre mim e um mundo que queria me devorar viva.

**

Cheguei na Little Club e, logo de cara, senti o ar diferente.

As luzes apagadas. O salão vazio.

Corri para o camarim, encontrando Alice e Laura, minhas únicas amigas naquele lugar.

— Vocês ouviram? — perguntou Alice, tensa. — Hoje só uma de nós vai dançar.

— E adivinha quem? — completou Laura.

— Como assim? — franzi o cenho.

Alice cruzou os braços.

— O verdadeiro dono da boate pediu que fosse "a Pantera".

Meu sangue gelou.

— Dono? Não é o Diogo?

— Diogo é fachada. — disse Laura. — O verdadeiro dono nunca quis ser mencionado.

Antes que eu pudesse perguntar mais, Diogo entrou.

O rosto dele, sério como nunca.

— Meninas, podem ir.

A Pantera fica.

Alice e Laura me olharam com pena antes de se despedirem.

Fiquei sozinha.

O estômago embrulhado.

**

Diogo se aproximou, baixo e direto:

— Jade, hoje... é diferente.

O verdadeiro dono pediu para que só você dançasse.

Assim que eles chegarem, vou ter que sair.

Me desculpa.

Ele parecia sincero.

Assustado, até.

Mas isso só piorava as coisas.

**

Vesti o figurino curto, ajustando o top e o shortinho no corpo.

A máscara no rosto, como uma segunda pele.

Subi ao palco.

O salão inteiro estava mergulhado numa penumbra sufocante.

**

A batida da música começou.

Grave.

Suja.

Fiquei imóvel por alguns segundos.

Sentindo cada respiração presa no peito.

Então me forcei a mover o corpo.

Deslizei as mãos pelas coxas, girei os quadris, deslizei no chão...

Cada movimento era uma batalha contra o medo.

Eu dançava... mas não era uma apresentação.

Era uma sentença.

**

Então, as luzes se acenderam.

E lá estava ele.

Ravi Trajano Telles.

O arrogante.

O predador.

**

Sentado no centro do salão, copo de uísque na mão, as pernas abertas num gesto de domínio, ele me observava com olhos negros como pecado.

E eu entendi.

Toda aquela encenação.

Toda aquela reunião.

Era para mim.

**

Ravi se levantou devagar, como um rei vindo cobrar tributo.

Cada passo dele ecoava na minha cabeça.

Ele parou diante de mim, tão perto que senti seu cheiro: fumaça, couro e algo primal, masculino, que fazia minhas pernas fraquejarem de medo.

Se aproximou mais.

Abaixou a cabeça até meu ouvido.

Sua voz saiu rouca, cruel:

— Como eu devo agir com uma vadia que ousou levantar a mão para mim... no meu território?

Meu corpo inteiro congelou.

Ele riu baixo, roçando os lábios gelados no meu pescoço.

— Mostre seu talento, Pantera.

Dance para mim.

Dance para nós.

**

Foi então que vi.

Quatro homens, nas sombras.

Assistindo.

Esperando.

Cada olhar era uma ameaça silenciosa.

**

Eu poderia correr.

Gritar.

Mas a imagem da minha mãe, do meu irmão, me prendeu ali.

Engoli em seco, trêmula.

E continuei a dançar.

Não por prazer.

Não por eles.

Mas pela vida que eu precisava proteger.

**

Enquanto me movia no palco, sentindo o olhar predador de Ravi me despir a cada segundo, entendi uma coisa:

Eu tinha acabado de entrar no jogo dele.

E ele não jogava para perder.

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