Capítulo 2

Noely Sartori

— Para ser mais gratificante, preciso urgente que comece a ocupar a sua vaga amanhã.

— Amanhã?! — exclamo tão de repente, que não percebi o meu tom de voz alto.

— Sr. Carter, eu já disse para ela começar na segunda.

— Pois eu quero que a Srta. Noely comece o quanto antes. Caso não tenha visto nos jornais, o que é improvável, deve saber que essa empresa se encontra prestes a falir. 

E isso muda o fato de eu ser obrigada a começar a trabalhar no sábado?

Reprimo os lábios, segurando-me para não responder. 

— Tudo bem, começarei amanhã.

— Acaba de alcançar uma expectativa da empresa — ele diz, com as mãos nos bolsos.

Não sei se o seu tom foi debochado ou ele é assim mesmo, mas sorrio fraco, tentando não fuzilar o meu novo chefe para não ser despedida em menos de uma hora de contratação. O que tem de beleza, tem de exigência.

O que custava me deixar começar na segunda? 

Tudo bem, entendo que a empresa esteja praticamente no fundo do poço e que ele possa estar desesperado, querendo soluções o quanto antes, por isso, eu vou relevar e ser profissional.

O sr. Carter se despede de nós e vai embora com o seu perfume marcante, de homem poderoso. Eu faço o mesmo ao pegar a minha carteira e ir embora da sala da Flávia. Antes de ir, ela me pediu milhares de desculpas, só que está tudo certo. Isso não é o fim do mundo. Preciso também de emprego, tenho um carro e uma casa financiada para pagar. E por mais que eu seja formada em Harvard, isso ainda não muda a realidade que eu e minha mãe vivemos. Quero dar o melhor para ela. É a minha prioridade.

Quando chego em casa, aviso a minha prima que não vou mais ao barzinho com ela e os nossos amigos, pois amanhã vou precisar acordar cedo para trabalhar. Também, explico o motivo, que é o Sr. Carter. Ela fica puta da vida, sem acreditar que vou começar a “escravidão” em pleno sábado, vou nem detalhar os nomes que ela chamou meu novo chefe. Só torço para que ele não seja o pior do mundo.

— Filha? 

Minha mãe chega em casa e me encontra sentada no sofá, com o notebook no colo. Estava lendo mais notícias sobre a ELW, principalmente sobre o Sr. Carter Bastos. Ele tem 36 anos, já foi casado e morou por vinte anos nos Estados Unidos. Faz dois meses que voltou para o Brasil, e para ficar e assumir a empresa ao lado do irmão mais novo, o Sr. Breno Bastos. Agora, sobre o seu pai, o Sebastião Bastos, é um desgraçado com D maiúsculo. Além de desviar dinheiro da própria empresa e atrasar salários por meses, ele foi acusado de racismo pela secretária. Ela relata e prova, por áudios gravados, que ele a chamava de preta incompetente, também exigia que a moça alisasse os cabelos e usasse bases mais claras no rosto.

Que absurdo! Que esse homem não apareça na minha frente, pois sou capaz de matar esse racista nojento na base do salto. E pior, acha que ele está preso? Merda nenhuma. Esses ricos privilegiados se safam com facilidade, só basta ter dinheiro.

Eu conto para a minha mãe que consegui o emprego na ELW e relato desse histórico do ex-dono da empresa. Ela também fica chocada e revoltada por esse cara não estar preso, pagando pelos seus crimes. Brasil, né? Por outro lado, ela fica feliz por mim.

— Sei que adora um desafio, e esse é um desafio dos grandes. Estou orgulhosa de você, filha — ela me abraça —, mas tenho uma dúvida, será que esse filho dele não é igual ao pai? Já fico receosa e preocupada por você.

— Não sei dizer, se for, não temerei pedir demissão, não se preocupe.

— Quero só o seu bem, isso inclui a saúde mental no ambiente de trabalho.

Sorrio e pulo no seu colo.

— Mãe, relaxa. Precisamos desse serviço, vou dar o melhor de mim.

Ela assente e permanece quieta, alisando o meu cabelo. É tão gostoso o carinho que fecho os olhos.

— Filha... preciso te dizer uma coisa.

— O que, mãe? 

— É sobre o seu irmão.

Então abro os olhos e me emburro.

— Não quero saber de nada relacionado a eles, ao meu pai e ao meu irmão, já te disse mãe!

— Noely, fica calma e me escuta.

— Escutar o quê? Eu odeio esses dois, sabe o quão mal foram conosco?

— Nicolas é o meu filho, o meu menino... eu sofro.

— Ah, e imagino que seu “menino” veio te procurar? O que foi? Lembrou agora que tem uma mãe, a qual abandonou ao lado do nosso pai milionário, para viver igual playboy, enquanto eu e a senhora passávamos necessidades, sem um alimento sequer em casa? Vivemos um inferno, mãe, como pode esquecer de todo esse sofrimento? 

— Eu não esqueci, filha. Eu só...

— Ótimo, pois eu vou lembrá-la toda vez que vier falar do Nicolas e do meu pai. Eles nos deixaram passando fome! E só não fomos viver igual mendigas na rua, porque a tia Ana e tio Tales permitiram que morássemos de favor com eles. Principalmente a senhora, enquanto eu estudava igual a uma condenada em Massachusetts, para manter a minha bolsa em Harvard, que conquistei com muito estudo e dedicação, sem a ajuda do papai rico.

— É o meu orgulho, filha. Também fiz meus sacrifícios para você sempre estar estudando, nunca deixei que abandonasse o seu futuro. Eu faria tudo de novo, sairia mil vezes naquele sol quente para vender salgado e te ajudar a ser diferente da sua mãe.

— Nunca quis ser diferente de você, só queria nos dar o melhor. A senhora é o meu orgulho, sempre farei de tudo para recompensar os sacrifícios que fez por mim. Essa casa ainda não é o bastante, quero você longe de serviços braçais. Entendeu, mãe? E por esses motivos, por tudo que passamos e construímos sozinhas, não aceitarei qualquer aproximação do Nicolas, nem do meu pai. Não volte a falar desses infelizes comigo. Não são mais a nossa família.

— Tudo bem, querida... tem razão, desculpe-me.

Tento não chorar e beijo a sua testa, chamando-a para jantarmos, pois quero dormir cedo. Amanhã começa o início da minha nova vida profissional, preciso estar descansada e focada.

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