Noely Sartori
— Para ser mais gratificante, preciso urgente que comece a ocupar a sua vaga amanhã.
— Amanhã?! — exclamo tão de repente, que não percebi o meu tom de voz alto.
— Sr. Carter, eu já disse para ela começar na segunda.
— Pois eu quero que a Srta. Noely comece o quanto antes. Caso não tenha visto nos jornais, o que é improvável, deve saber que essa empresa se encontra prestes a falir.
E isso muda o fato de eu ser obrigada a começar a trabalhar no sábado?
Reprimo os lábios, segurando-me para não responder.
— Tudo bem, começarei amanhã.
— Acaba de alcançar uma expectativa da empresa — ele diz, com as mãos nos bolsos.
Não sei se o seu tom foi debochado ou ele é assim mesmo, mas sorrio fraco, tentando não fuzilar o meu novo chefe para não ser despedida em menos de uma hora de contratação. O que tem de beleza, tem de exigência.
O que custava me deixar começar na segunda?
Tudo bem, entendo que a empresa esteja praticamente no fundo do poço e que ele possa estar desesperado, querendo soluções o quanto antes, por isso, eu vou relevar e ser profissional.
O sr. Carter se despede de nós e vai embora com o seu perfume marcante, de homem poderoso. Eu faço o mesmo ao pegar a minha carteira e ir embora da sala da Flávia. Antes de ir, ela me pediu milhares de desculpas, só que está tudo certo. Isso não é o fim do mundo. Preciso também de emprego, tenho um carro e uma casa financiada para pagar. E por mais que eu seja formada em Harvard, isso ainda não muda a realidade que eu e minha mãe vivemos. Quero dar o melhor para ela. É a minha prioridade.
Quando chego em casa, aviso a minha prima que não vou mais ao barzinho com ela e os nossos amigos, pois amanhã vou precisar acordar cedo para trabalhar. Também, explico o motivo, que é o Sr. Carter. Ela fica puta da vida, sem acreditar que vou começar a “escravidão” em pleno sábado, vou nem detalhar os nomes que ela chamou meu novo chefe. Só torço para que ele não seja o pior do mundo.
— Filha?
Minha mãe chega em casa e me encontra sentada no sofá, com o notebook no colo. Estava lendo mais notícias sobre a ELW, principalmente sobre o Sr. Carter Bastos. Ele tem 36 anos, já foi casado e morou por vinte anos nos Estados Unidos. Faz dois meses que voltou para o Brasil, e para ficar e assumir a empresa ao lado do irmão mais novo, o Sr. Breno Bastos. Agora, sobre o seu pai, o Sebastião Bastos, é um desgraçado com D maiúsculo. Além de desviar dinheiro da própria empresa e atrasar salários por meses, ele foi acusado de racismo pela secretária. Ela relata e prova, por áudios gravados, que ele a chamava de preta incompetente, também exigia que a moça alisasse os cabelos e usasse bases mais claras no rosto.
Que absurdo! Que esse homem não apareça na minha frente, pois sou capaz de matar esse racista nojento na base do salto. E pior, acha que ele está preso? Merda nenhuma. Esses ricos privilegiados se safam com facilidade, só basta ter dinheiro.
Eu conto para a minha mãe que consegui o emprego na ELW e relato desse histórico do ex-dono da empresa. Ela também fica chocada e revoltada por esse cara não estar preso, pagando pelos seus crimes. Brasil, né? Por outro lado, ela fica feliz por mim.
— Sei que adora um desafio, e esse é um desafio dos grandes. Estou orgulhosa de você, filha — ela me abraça —, mas tenho uma dúvida, será que esse filho dele não é igual ao pai? Já fico receosa e preocupada por você.
— Não sei dizer, se for, não temerei pedir demissão, não se preocupe.
— Quero só o seu bem, isso inclui a saúde mental no ambiente de trabalho.
Sorrio e pulo no seu colo.
— Mãe, relaxa. Precisamos desse serviço, vou dar o melhor de mim.
Ela assente e permanece quieta, alisando o meu cabelo. É tão gostoso o carinho que fecho os olhos.
— Filha... preciso te dizer uma coisa.
— O que, mãe?
— É sobre o seu irmão.
Então abro os olhos e me emburro.
— Não quero saber de nada relacionado a eles, ao meu pai e ao meu irmão, já te disse mãe!
— Noely, fica calma e me escuta.
— Escutar o quê? Eu odeio esses dois, sabe o quão mal foram conosco?
— Nicolas é o meu filho, o meu menino... eu sofro.
— Ah, e imagino que seu “menino” veio te procurar? O que foi? Lembrou agora que tem uma mãe, a qual abandonou ao lado do nosso pai milionário, para viver igual playboy, enquanto eu e a senhora passávamos necessidades, sem um alimento sequer em casa? Vivemos um inferno, mãe, como pode esquecer de todo esse sofrimento?
— Eu não esqueci, filha. Eu só...
— Ótimo, pois eu vou lembrá-la toda vez que vier falar do Nicolas e do meu pai. Eles nos deixaram passando fome! E só não fomos viver igual mendigas na rua, porque a tia Ana e tio Tales permitiram que morássemos de favor com eles. Principalmente a senhora, enquanto eu estudava igual a uma condenada em Massachusetts, para manter a minha bolsa em Harvard, que conquistei com muito estudo e dedicação, sem a ajuda do papai rico.
— É o meu orgulho, filha. Também fiz meus sacrifícios para você sempre estar estudando, nunca deixei que abandonasse o seu futuro. Eu faria tudo de novo, sairia mil vezes naquele sol quente para vender salgado e te ajudar a ser diferente da sua mãe.
— Nunca quis ser diferente de você, só queria nos dar o melhor. A senhora é o meu orgulho, sempre farei de tudo para recompensar os sacrifícios que fez por mim. Essa casa ainda não é o bastante, quero você longe de serviços braçais. Entendeu, mãe? E por esses motivos, por tudo que passamos e construímos sozinhas, não aceitarei qualquer aproximação do Nicolas, nem do meu pai. Não volte a falar desses infelizes comigo. Não são mais a nossa família.
— Tudo bem, querida... tem razão, desculpe-me.
Tento não chorar e beijo a sua testa, chamando-a para jantarmos, pois quero dormir cedo. Amanhã começa o início da minha nova vida profissional, preciso estar descansada e focada.
Noely SartoriOlho para a minha maquiagem concluída, a roupa justa, os saltos scarpin da Prada e respiro meu perfume caríssimo da Dior, que quase custou um rim. Para trabalhar nessas empresas de milionários preciso sempre estar vestida à altura. Aprendi isso da pior forma possível, depois de ser humilhada por mulheres metidas, que te olham dos pés à cabeça, e com aquela cara de nojo insuportável.Depois de pronta e após tomar o meu maravilhoso café da manhã, despeço-me da minha mãe com a sua bênção e vou para o meu primeiro dia na ELW.Minha sala fica no mesmo andar que a sala do CEO e do Co-CEO, provavelmente é o irmão do Sr. Carter. — Olá, bom dia, deve ser a Srta. Noely — a secretária bonita e vulgar me cumprimenta.Fico meio chocada. Como ela pode se vestir desse jeito, com uma saia tão curta e uma blusa tão decotada num ambiente de trabalho? — Olá, como é o seu nome?— Sou a Beatriz, a secretária do Sr. Carter e do Sr. Breno, acho que também da senhorita. — Ah, sim... está há
Noely Sartori— Ok... — Desvio dos seus olhos.— Acho que nos daremos muito bem, Srta. Noely. — Ele sorri, e eu volto a fitá-lo.— Talvez sim, o senhor é bem objetivo com as coisas.— Eu tenho um prazo de três meses, preciso ser.— E posso perguntar o motivo? Já perguntando...— Pretendo me aposentar e curtir a vida, isso responde?— A-Aposentar com trinta anos?— Olha, andou pesquisando sobre mim?Mordo o lábio, envergonhada.Que droga, ele foi rápido nessa.— Eu li a sua idade em algum daqueles papéis. — Hum..., mas não tem uma semana que estou na empresa.— Ah, eu... enfim, o senhor vai se aposentar.Ele volta a sorrir, bem diferente do chefe que invadiu a minha sala agora há pouco.— Eu tenho uma outra vida fora do Brasil, só estou aqui para evitar a falência dos negócios da minha família, por mais que eu não ligue se isso acontecer. — Então, não está nem aí para a empresa? — Eu estou, esse prazo foi o que dei para mim.— Entendi, tenho três meses para também garantir o meu emp
Noely SartoriFico incomodada, pois ele tem o mesmo grau de beleza do Sr. Carter. A diferença é só na altura e no corpo menos musculoso, de resto, são gêmeos, saíram da mesma capa de revista.— Srta. Noely, na minha sala.Falando nele, eu olho por cima dos ombros do Sr. Breno e o vejo entrando na sua sala, após me chamar em voz alta.— Com licença, senhor. — Afasto-me e vou rapidamente para a sala do CEO.— Bom dia, Sr. Carter — digo, ao fechar a porta do escritório.— Bom dia, estudou tudo o que precisava estudar?Ele se afasta da mesa e vai até o aparador do canto, servindo-se de álcool logo cedo. Parece bem nervoso.Respiro fundo, sentindo o cheiro do seu perfume e do condicionador que passou nos cabelos.— Sim, o senhor vai colocar em ação o primeiro plano, de reduzir o salário dos funcionários por três meses?— Meu irmão fará o serviço de comunicar essa informação a eles.— Ok... Está tudo bem com o senhor? — pergunto de repente, surpreendida por ele estar virando o terceiro copo
— Eu terminei de deliberar alguns investimentos, para apresentar ao Sr. Carter. Aí vim tomar um café e aguardá-lo chegar.— Hum... acho que o nosso CEO não volta hoje. — Sério? Aconteceu alguma coisa?— Algo a ver com a ex-mulher dele, não sei direito, meu irmão é bem misterioso com a sua vida pessoal.— Entendi, o senhor também é. Acho que todos somos.— Minha vida pessoal não tem muito segredo, nem mistérios. Eu sou bem normal. Incluindo a rotina.— Parando para analisar, a minha é bem normal também. Eu acordo, vou trabalhar, chego em casa, durmo e no outro dia vou trabalhar de novo. É assim todos os dias. — Dou de ombros.— Temos muitas coisas em comum, incluindo gostos alimentares.— Não mesmo, você gosta de frutos do mar, e eu detesto. Não gosta de doces e eu amo.Ele começa a rir.— Pensa pelo lado bom, eu te dou todas as minhas sobremesas quando vamos almoçar juntos.É a minha vez de rir.— Isso é maravilhoso!O Sr. Breno desvia de mim e olha as horas no relógio de pulso.— Te
Carter Bastos— Sempre é muito cheirosa, mas esta noite, seu cheiro é ainda mais de enlouquecer.Sorrio, aceitando a mão que me estende, cavalheiro.— O seu perfume também é... não sei.— Não sabe?— Cheiroso demais, deixa-me confusa.Ele ri e me leva até a porta do carro, fecha e dá a volta para igualmente entrar.— Que interessante, o meu perfume lhe deixar confusa.— É embaraçoso, meu Deus, você está me fazendo ficar com vergonha.— Acho que gosto de te deixar com vergonha. — Ele dá sua piscadinha costumeira e pisa com calma no acelerador.Em meia hora chegamos ao local, uma balada bem "gourmetizada", onde só tem ricos da elite.Nós nos acomodamos em uma mesa bem privada do segundo andar.— Eu estava precisando espairecer a mente um pouco — Breno confessa, após o garçom recolher os nossos pedidos. — Mas vai ser difícil fazer isso com você, dona Noely.— Por quê?— Porque desde que pisou os pés na porta dessa boate, nem um cara deixou de te olhar. Isso me fez ficar um pouco nervoso.
Espero por uns vinte minutos, até ouvir duas vozes conhecidas e exaltadas. Olho para cima e o Sr. Breno e o Sr. Carter descem os degraus da escada, discutindo super alto.— Não tem a porra do direito de tomar essa decisão, Carter!— Ela é a minha mãe também! Precisamos tirá-la desse país, fechar aquela droga de empresa e viver as nossas vidas!— Essa é a SUA vontade! E a da nossa mãe? Ela deu a vida pela ELW. Sabe o quanto aquela empresa é importante e se não soubesse, não teria atendido o seu pedido de voltar para o Brasil e tomar a frente do cargo executivo!— Eu vim e atendi o pedido pelo bem da saúde dela! E pra quê? Para no final vê-la se afundando em uma depressão por causa do nosso pai?— Ela não vai morar à força nos EUA! Não insista! Eu não vou deixar!Eles se encaram, com os punhos fechados.Ergo-me, chocada com a situação que me meti, e com os meus dois chefes!— Vou convencê-la em três meses a desistir e vir comigo, será a decisão da nossa mãe, assim não terá como question
— Já está tudo bem com a sua mãe? — pergunto.— Ela está de repouso, foi apenas uma queda de pressão. A cuidadora achou que era outro ataque cardíaco, pois ano passado aconteceu uma situação parecida — explica, enquanto dirige.— Sinto muito, espero que fique tudo bem com ela, de verdade. — Vai ficar. Vou aguentar tudo isso enquanto posso.Fico alguns minutos quieta, mas não aguento.— E se em três meses der tudo certo?— Eu nomeio outro chefe executivo e vou embora com a mente totalmente limpa, mas se não der, fecho aquela empresa e levo a minha mãe comigo para os Estados Unidos, ela querendo isso ou não, será para o seu próprio bem.Abaixo a cabeça, apertando os meus dedos.— Eu cheguei “ontem” e já me meti na vida pessoal do meu chefe, peço desculpas por qualquer coisa.— Realmente, se a minha conselheira não tivesse tentado se envolver com o meu irmão, não teria se metido em toda essa situação e eu não estaria levando-a para a sua casa.Sério que esse homem foi tão grosso desse j
Abaixo a cabeça, apertando os meus dedos.— Eu cheguei “ontem” e já me meti na vida pessoal do meu chefe, peço desculpas por qualquer coisa.— Realmente, se a minha conselheira não tivesse tentado se envolver com o meu irmão, não teria se metido em toda essa situação e eu não estaria levando-a para a sua casa.Sério que esse homem foi tão grosso desse jeito?Quer saber, nesse momento, ele não está sendo o meu chefe, pois não estou no trabalho.— Incrível como é um ser delicado.— Eu não fui?— É claro que não foi, não o obriguei a me levar embora, afinal, eu estava com o seu irmão, e estava tudo ótimo. Ele é sempre muito bem-educado e um cavalheiro.Olho de canto e noto-o segurando-se para não revirar os olhos— Ainda vai me agradecer por essa noite, pode anotar na sua agenda.— Não me arrependi de nada até agora, está enganado.— Eu não disse que seria um arrependimento imediato.— Não vai ser.— Quer apostar?— Não.— Disse não, é porque está começando a perceber a verdade.— Sr. Ca