A Canção da Espada e da Adaga
A Canção da Espada e da Adaga
Por: Danilo Lima
Introdução e Prólogo

Introdução

As terras de Arqueham eram divididas entre três grandes reinos, cada qual governado com mão de ferro por uma de suas três famílias mais poderosas. O reino Aldebaran era regido pelos Sonne, originários de Amabel. Razalon por sua vez, se ajoelhava sob o comando da família Mesiac, cujas raízes vêm de muito tempo atrás, na cidade de Idalon. Por fim, da cidade de Ponta Estelar vinham os monarcas da família Axel, que governavam as terras do reino de Atalar. 

Por muitos anos os Sonne e os Mesiac guerrearam entre si. Por mais anos que eles mesmos sabem, as famílias batalharam e batalharam, acumulando muitas vitórias, assim como muitas derrotas. Mas nada, entretanto, se equiparava às mortes. Milhares de soldados, cegos por promessas de ouro e honra infinitas se lutassem por quem lhes comandava, perderam suas vidas no campo de batalha. Uma das famílias precisava dar um basta, embora nenhuma se arriscasse. Afinal, haviam muitas questões por trás disso: dinheiro, terras e, principalmente, honra. 

Contudo, todos viam a razão e, embora a maioria a ignorassem, alguns ainda tentavam, com o poder que lhes foi dado, seja por posição ou pelo sangue que lhes corria nas veias, apaziguar a situação. Um homem, porém, conseguiu o que, no fundo, todos almejavam. Garen Mesiac, o rei de Razalon — hoje uma lenda viva, um herói do povo — resolveu estabelecer um tratado de paz com o reino de Aldebaran assim que assumiu o trono e o rei Maegor Sonne, por mais incrível que possa parecer — ou por algum motivo obscuro — aceitou. Assim, entre esses dois reinos, um novo reino surgiu. Um reino de paz. 

Como uma maneira de manter esse tratado de paz vivo, ambas as famílias concordaram em se encontrar, a cada três anos, em uma de suas capitais, como um ato de boa fé. Esses encontros reais, que vêm acontecendo há quase doze anos, aconteceram pela primeira vez na cidade de Idalon, a capital de Razalon. Amabel seguiu logo atrás e, três anos depois, o terceiro encontro voltou às terras dos Mesiac. O quarto encontro volta a ser na capital de Aldebaran. E é aqui, em meio a um mundo pacífico, mas ainda dominado por corrupção e a busca por glória, poder e influência, que tem início uma lenda. A lenda de Daenor e Ladros. 

Prólogo

Sete anos atrás 

Já era noite em Amabel e a Ala Comercial estava quase que completamente escura, salvo por uma ou outra tocha presa à parede que iluminava fracamente e empurrava a escuridão para longe, enquanto o fogo consumia o piche na madeira. Ladros, um menino das ruas por assim dizer, cabelos lisos e castanhos, roupas velhas e sujas, pôs a cabeça para fora do beco e olhou de um lado ao outro da rua. Ninguém. 

A Lua estava alta no céu e não havia ninguém acordado a essa hora na Ala Comercial exceto os taberneiros e os guardas, que patrulhavam pelas ruas em busca de ladrões ou arruaceiros que certamente estariam causando problemas em alguma taberna ou hospedaria. Cauteloso, Ladros atravessou a rua correndo, até outro beco escuro. Ele tinha a vantagem de não fazer barulhos com pés descalços no calçamento. 

Naquela rua havia apenas uma loja que ainda jorrava luz na escuridão da noite, uma pequena padaria cujo dono de rosto gordo e simpático sentava numa cadeira do lado de fora, contando os lucros do dia. Ladros o observou por um instante e depois dirigiu o olhar para suas mãos. Ali estava uma pequena bolsa de couro onde ele agora colocava as moedas que estava contando. 

O padeiro finalmente se levantou e adentrou sua padaria, a bolsa com as moedas tintilando estava em sua mão. Ladros se aproximou correndo novamente, até chegar a outro beco, onde mais uma vez esperou. Lá dentro da padaria, Ladros podia ver, o padeiro esvaziou o conteúdo da pequena bolsa de couro em uma bolsa maior e fez o mesmo mais algumas vezes, com outras bolsinhas, e então saiu novamente, carregou a cadeira para dentro da padaria, pegou um lampião da bancada e saiu mais uma vez com um molho de chaves em uma mão e a bolsa maior de dinheiro na outra. Fechou a porta atrás de si, colocou a bolsa no chão ao lado de seus pés e se virou para trancar a padaria. Ladros viu a chance e se aproveitou. 

Correndo sorrateira e silenciosamente, sentido o chão gelado em seus pés, Ladros se aproximou do padeiro. Há uns quinze passos, o garoto se abaixou e, em silêncio, chegou mais perto, sacou de sua cintura uma pequena adaga feia, com um corte ruim, mas que foi o suficiente para fazer um corte na bolsa e retirar algumas moedas. Porém nesse momento uma moeda escapou, caiu no chão fazendo barulho, assim chamando a atenção do padeiro que olhou para baixo e viu o menino com algumas de suas moedas na mão. O homem até tentou segurar Ladros, mas ele se esquivou, rolando para o lado com a bolsa na mão e depois saiu correndo. 

— Guardas! Há um ladrão aqui! Guardas! — o padeiro começou a berrar enquanto sua garganta tencionava abaixo de seu rosto rechonchudo, não tão simpático agora, e ele sacudia os punhos no ar — Volte aqui, seu moleque imundo! 

Ladros não estava muito longe da esquina da rua quando viu uma luz iluminando a curva. Dois guardas vieram correndo, um trazendo um lampião nas mãos e um alfanje na bainha da cintura enquanto o outro carregava uma lança. Ladros parou bruscamente sua corrida enquanto se virava para um beco à sua esquerda. 

— Ali! — avisou o primeiro guarda, apontando com o dedo da mão que segurava o lampião, 

— Ei, moleque! Pare já ai! É uma ordem! — o outro berrou. 

Ladros correu descalço para o beco escuro enquanto colocava a bolsa nos ombros. Desesperadamente, empurrou com uma das mãos um barril cheio de tomates afim de atrapalhar a passagem dos guardas enquanto se pendurava em um suporte de madeira e se erguia para o telhado de uma loja — os trapos que usava não o protegiam do frio, mas lhe davam mobilidade mais do que necessária para subir nos telhados de Amabel. Correndo, Ladros pulou para outro telhado de cimento e seguiu em frente enquanto deixava os gritos dos guardas para trás. 

Na escuridão da noite, ele parou de correr, em um telhado de uma casa já bem distante de onde os guardas ficaram, provavelmente já estava na parte mais pobre da capital e em breve estaria seguro. Olhou em volta, arfando em busca de ar, e não avistou nenhum perseguidor. 

Ainda ofegando, Ladros desceu cuidadosamente do telhado em uma rua, ainda mais escuras do que as da Ala Comercial, quando seus pés encostaram ao chão conseguiu sentir a areia e seus pequenos grãos. Olhou de um lado para o outro procurando algum guarda e viu uma luz se aproximando de uma esquina ao longe, dois guardas surgiram e o observaram por um tempo antes de começarem a correr em sua direção. Ladros disparou para o outro lado da rua e dobrou uma esquina, apenas para dar de cara com mais dois guardas. Sem muitas alternativas, correu para um beco à direita e parou. Tentou subir para um telhado, mas não encontrou nenhum apoio para as mãos nem para os pés. Engoliu a seco enquanto ouvia um guarda rindo atrás de si e, ofegante, virou-se para a rua novamente enquanto mais guardas o seguiam para dentro do beco. 

Um deles Ladros reconheceu. Era o guarda que estava segurando o lampião quando lhe encontrou na Ala Comercial, um homem de rosto fino e uma expressão maldosa debaixo do capacete de metal. O seu companheiro portador da lança estava logo atrás, ladeado por mais dois outros guardas desconhecidos. Com o alfanje desembainhado, o de expressão maldosa se adiantou, algo na sua postura indicava que ele era o líder daquele “bando”. 

— Você correu e correu para dar nisso, moleque? — perguntou. Seus lábios lentamente formavam um sorriso enquanto ele falava — Você só quis me cansar? — seu sorriso se completou, largo, mostrando os dentes amarelados — Pois saiba que eu odeio correr. Odeio muito mais correr atrás de ladrõezinhos imundos como você. 

O homem que segurava a lança deu uma risada de escárnio. 

— Faz ele pagar por isso, Sev! 

— Ah, mas eu vou. Não se preocupe, soldado.  — falou o homem chamado de Sev, que possuía um rosto fino. A luz do luar reluziu no aço de seu alfanje. 

Num movimento rápido que Ladros nem mesmo conseguiu antecipar, o homem bateu com a lateral do alfanje no rosto do garoto e o jogou no chão. O toque frio com o aço duro só contribuiu para a pancada doer mais. Ladros caiu no chão e cuspiu um troço de sangue para o lado. Sev gargalhou e embainhou a arma novamente. 

— Me dê sua lança, soldado. — ele disse enquanto o seu companheiro lhe entregava a lança, com um sorriso de divertimento psicótico estampado no rosto — Obrigado. 

Com o cabo da lança, Sev acertou Ladros na barriga quando ele tentou se levantar. O garoto foi ao chão mais uma vez, arquejando. 

— Você. Nunca. Mais. Vai. Roubar. Nessa. Cidade! — ele falou em pausas. A cada pausa, uma pancada com o cabo da lança. 

— Os outros guardas gargalharam atrás de seu líder e ele entregou a lança de volta para o companheiro. 

— Você vai aprender a nunca mais roubar, seu lixo! — Sev chutou Ladros com sua bota de couro. 

O chute pegou em cheio em suas costelas e Ladros teve certeza que ouviu uma delas quebrando enquanto gritava de dor. 

— Fale! — berrou Sev — Fale que nunca mais vai roubar nada nessa cidade! — e chutou de novo. Ladros gemeu em agonia. 

— Eu... Eu nunca mais vou roubar! Nunca... Mais! — Ladros conseguiu murmurar, por fim. 

— Bom. — Sev se agachou e segurou o rosto do garoto em suas mãos calejadas — E não quero ver sua cara nunca mais. Se ao menos sentir o seu cheiro, você vai desejar nunca ter nascido. 

Ele soltou o rosto do garoto, se levantou e chutou de novo. Ladros nem ao menos se incomodou em gritar novamente. Não conseguia gritar. Então Sev e seus três guardas foram embora. 

E Ladros ficou ali, jogado no chão, ferido e com frio. 

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