Introdução
As terras de Arqueham eram divididas entre três grandes reinos, cada qual governado com mão de ferro por uma de suas três famílias mais poderosas. O reino Aldebaran era regido pelos Sonne, originários de Amabel. Razalon por sua vez, se ajoelhava sob o comando da família Mesiac, cujas raízes vêm de muito tempo atrás, na cidade de Idalon. Por fim, da cidade de Ponta Estelar vinham os monarcas da família Axel, que governavam as terras do reino de Atalar.
Por muitos anos os Sonne e os Mesiac guerrearam entre si. Por mais anos que eles mesmos sabem, as famílias batalharam e batalharam, acumulando muitas vitórias, assim como muitas derrotas. Mas nada, entretanto, se equiparava às mortes. Milhares de soldados, cegos por promessas de ouro e honra infinitas se lutassem por quem lhes comandava, perderam suas vidas no campo de batalha. Uma das famílias precisava dar um basta, embora nenhuma se arriscasse. Afinal, haviam muitas questões por trás disso: dinheiro, terras e, principalmente, honra.
Contudo, todos viam a razão e, embora a maioria a ignorassem, alguns ainda tentavam, com o poder que lhes foi dado, seja por posição ou pelo sangue que lhes corria nas veias, apaziguar a situação. Um homem, porém, conseguiu o que, no fundo, todos almejavam. Garen Mesiac, o rei de Razalon — hoje uma lenda viva, um herói do povo — resolveu estabelecer um tratado de paz com o reino de Aldebaran assim que assumiu o trono e o rei Maegor Sonne, por mais incrível que possa parecer — ou por algum motivo obscuro — aceitou. Assim, entre esses dois reinos, um novo reino surgiu. Um reino de paz.
Como uma maneira de manter esse tratado de paz vivo, ambas as famílias concordaram em se encontrar, a cada três anos, em uma de suas capitais, como um ato de boa fé. Esses encontros reais, que vêm acontecendo há quase doze anos, aconteceram pela primeira vez na cidade de Idalon, a capital de Razalon. Amabel seguiu logo atrás e, três anos depois, o terceiro encontro voltou às terras dos Mesiac. O quarto encontro volta a ser na capital de Aldebaran. E é aqui, em meio a um mundo pacífico, mas ainda dominado por corrupção e a busca por glória, poder e influência, que tem início uma lenda. A lenda de Daenor e Ladros.
Prólogo
Sete anos atrás
Já era noite em Amabel e a Ala Comercial estava quase que completamente escura, salvo por uma ou outra tocha presa à parede que iluminava fracamente e empurrava a escuridão para longe, enquanto o fogo consumia o piche na madeira. Ladros, um menino das ruas por assim dizer, cabelos lisos e castanhos, roupas velhas e sujas, pôs a cabeça para fora do beco e olhou de um lado ao outro da rua. Ninguém.
A Lua estava alta no céu e não havia ninguém acordado a essa hora na Ala Comercial exceto os taberneiros e os guardas, que patrulhavam pelas ruas em busca de ladrões ou arruaceiros que certamente estariam causando problemas em alguma taberna ou hospedaria. Cauteloso, Ladros atravessou a rua correndo, até outro beco escuro. Ele tinha a vantagem de não fazer barulhos com pés descalços no calçamento.
Naquela rua havia apenas uma loja que ainda jorrava luz na escuridão da noite, uma pequena padaria cujo dono de rosto gordo e simpático sentava numa cadeira do lado de fora, contando os lucros do dia. Ladros o observou por um instante e depois dirigiu o olhar para suas mãos. Ali estava uma pequena bolsa de couro onde ele agora colocava as moedas que estava contando.
O padeiro finalmente se levantou e adentrou sua padaria, a bolsa com as moedas tintilando estava em sua mão. Ladros se aproximou correndo novamente, até chegar a outro beco, onde mais uma vez esperou. Lá dentro da padaria, Ladros podia ver, o padeiro esvaziou o conteúdo da pequena bolsa de couro em uma bolsa maior e fez o mesmo mais algumas vezes, com outras bolsinhas, e então saiu novamente, carregou a cadeira para dentro da padaria, pegou um lampião da bancada e saiu mais uma vez com um molho de chaves em uma mão e a bolsa maior de dinheiro na outra. Fechou a porta atrás de si, colocou a bolsa no chão ao lado de seus pés e se virou para trancar a padaria. Ladros viu a chance e se aproveitou.
Correndo sorrateira e silenciosamente, sentido o chão gelado em seus pés, Ladros se aproximou do padeiro. Há uns quinze passos, o garoto se abaixou e, em silêncio, chegou mais perto, sacou de sua cintura uma pequena adaga feia, com um corte ruim, mas que foi o suficiente para fazer um corte na bolsa e retirar algumas moedas. Porém nesse momento uma moeda escapou, caiu no chão fazendo barulho, assim chamando a atenção do padeiro que olhou para baixo e viu o menino com algumas de suas moedas na mão. O homem até tentou segurar Ladros, mas ele se esquivou, rolando para o lado com a bolsa na mão e depois saiu correndo.
— Guardas! Há um ladrão aqui! Guardas! — o padeiro começou a berrar enquanto sua garganta tencionava abaixo de seu rosto rechonchudo, não tão simpático agora, e ele sacudia os punhos no ar — Volte aqui, seu moleque imundo!
Ladros não estava muito longe da esquina da rua quando viu uma luz iluminando a curva. Dois guardas vieram correndo, um trazendo um lampião nas mãos e um alfanje na bainha da cintura enquanto o outro carregava uma lança. Ladros parou bruscamente sua corrida enquanto se virava para um beco à sua esquerda.
— Ali! — avisou o primeiro guarda, apontando com o dedo da mão que segurava o lampião,
— Ei, moleque! Pare já ai! É uma ordem! — o outro berrou.
Ladros correu descalço para o beco escuro enquanto colocava a bolsa nos ombros. Desesperadamente, empurrou com uma das mãos um barril cheio de tomates afim de atrapalhar a passagem dos guardas enquanto se pendurava em um suporte de madeira e se erguia para o telhado de uma loja — os trapos que usava não o protegiam do frio, mas lhe davam mobilidade mais do que necessária para subir nos telhados de Amabel. Correndo, Ladros pulou para outro telhado de cimento e seguiu em frente enquanto deixava os gritos dos guardas para trás.
Na escuridão da noite, ele parou de correr, em um telhado de uma casa já bem distante de onde os guardas ficaram, provavelmente já estava na parte mais pobre da capital e em breve estaria seguro. Olhou em volta, arfando em busca de ar, e não avistou nenhum perseguidor.
Ainda ofegando, Ladros desceu cuidadosamente do telhado em uma rua, ainda mais escuras do que as da Ala Comercial, quando seus pés encostaram ao chão conseguiu sentir a areia e seus pequenos grãos. Olhou de um lado para o outro procurando algum guarda e viu uma luz se aproximando de uma esquina ao longe, dois guardas surgiram e o observaram por um tempo antes de começarem a correr em sua direção. Ladros disparou para o outro lado da rua e dobrou uma esquina, apenas para dar de cara com mais dois guardas. Sem muitas alternativas, correu para um beco à direita e parou. Tentou subir para um telhado, mas não encontrou nenhum apoio para as mãos nem para os pés. Engoliu a seco enquanto ouvia um guarda rindo atrás de si e, ofegante, virou-se para a rua novamente enquanto mais guardas o seguiam para dentro do beco.
Um deles Ladros reconheceu. Era o guarda que estava segurando o lampião quando lhe encontrou na Ala Comercial, um homem de rosto fino e uma expressão maldosa debaixo do capacete de metal. O seu companheiro portador da lança estava logo atrás, ladeado por mais dois outros guardas desconhecidos. Com o alfanje desembainhado, o de expressão maldosa se adiantou, algo na sua postura indicava que ele era o líder daquele “bando”.
— Você correu e correu para dar nisso, moleque? — perguntou. Seus lábios lentamente formavam um sorriso enquanto ele falava — Você só quis me cansar? — seu sorriso se completou, largo, mostrando os dentes amarelados — Pois saiba que eu odeio correr. Odeio muito mais correr atrás de ladrõezinhos imundos como você.
O homem que segurava a lança deu uma risada de escárnio.
— Faz ele pagar por isso, Sev!
— Ah, mas eu vou. Não se preocupe, soldado. — falou o homem chamado de Sev, que possuía um rosto fino. A luz do luar reluziu no aço de seu alfanje.
Num movimento rápido que Ladros nem mesmo conseguiu antecipar, o homem bateu com a lateral do alfanje no rosto do garoto e o jogou no chão. O toque frio com o aço duro só contribuiu para a pancada doer mais. Ladros caiu no chão e cuspiu um troço de sangue para o lado. Sev gargalhou e embainhou a arma novamente.
— Me dê sua lança, soldado. — ele disse enquanto o seu companheiro lhe entregava a lança, com um sorriso de divertimento psicótico estampado no rosto — Obrigado.
Com o cabo da lança, Sev acertou Ladros na barriga quando ele tentou se levantar. O garoto foi ao chão mais uma vez, arquejando.
— Você. Nunca. Mais. Vai. Roubar. Nessa. Cidade! — ele falou em pausas. A cada pausa, uma pancada com o cabo da lança.
— Os outros guardas gargalharam atrás de seu líder e ele entregou a lança de volta para o companheiro.
— Você vai aprender a nunca mais roubar, seu lixo! — Sev chutou Ladros com sua bota de couro.
O chute pegou em cheio em suas costelas e Ladros teve certeza que ouviu uma delas quebrando enquanto gritava de dor.
— Fale! — berrou Sev — Fale que nunca mais vai roubar nada nessa cidade! — e chutou de novo. Ladros gemeu em agonia.
— Eu... Eu nunca mais vou roubar! Nunca... Mais! — Ladros conseguiu murmurar, por fim.
— Bom. — Sev se agachou e segurou o rosto do garoto em suas mãos calejadas — E não quero ver sua cara nunca mais. Se ao menos sentir o seu cheiro, você vai desejar nunca ter nascido.
Ele soltou o rosto do garoto, se levantou e chutou de novo. Ladros nem ao menos se incomodou em gritar novamente. Não conseguia gritar. Então Sev e seus três guardas foram embora.
E Ladros ficou ali, jogado no chão, ferido e com frio.
Seus olhos castanhos e brilhantes, como um incêndio numa noite dominada pela escuridão, observavam maravilhados a alta muralha de pedra que se erguia majestosa em sua frente. Ladros estava, finalmente, de volta à cidade de Amabel, capital do reino de Aldebaran. Sentia dentro si uma certa nostalgia, tinha vivido a maior parte de sua vida nessa cidade. Foi onde sofreu e aprendeu suas maiores lições. Em sua cabeça ainda soava a maior delas, sobreviver.Lição esta que aprendeu a um duro custo. Ele voltara onde, há seis anos, fora pego roubando da nobreza local, roubar era a memória mais próxima que tinha relacionada a diversão e brincadeiras em sua infância. Apesar que isso muitas vezes não acabava bem, porém não tinha como evitar, sobreviver sempre foi a prioridade.Na época ele era pouco mais que uma criança, um pequeno garoto esfarrapado que crescera nas ruas, mas agora já se tornara um homem, tinha seus 17 anos, seu cabelo castanho já p
Após a separação do grupo, as famílias reais seguiram adentro do Palácio de Neve, este sem dúvida tão magnífico por dentro como era por fora. Enquanto, caminhavam pelos corredores, amplos e espaçosos, Daenor não conseguia deixar de reparar na majestade do local, as paredes eram tão altas que tornava difícil enxergar os detalhes do teto. As colunas que sustentavam o lugar eram ornamentadas em ouro. Algumas pinturas e relíquias estavam dispostos no local, formando uma espécie de museu particular da família Sonne.A atenção dos olhos cinzentos de Daenor foram levadas para uma cimitarra feita toda em ouro, ele conhecia as lendas por trás dessa arma. Diziam que foi uma poderosa arma na Guerra pelo Sol, o próprio Alafar, o Gigante, a carregava, derrubando mais de 100 homens com seus golpes dourados. Para o garoto Mesiac parecia difícil acreditar nesta história, uma arma feita em ouro parecia pesada demais em combate, mesmo para um gigante. Apesar de nunca ter visto um gigante.
Daenor reparou na música enchendo o salão. Possuía um ritmo acelerado e festivo, a banda utilizava todos os tipos de instrumentos, desde pífaros, saltérios, tambores e no embalo da canção o príncipe Mesiac se aproximou de Naina. Ela estava trajada de um vestido alaranjado, fazendo um belo contraste com seus cabelos pretos, sua pele cor de mel e seus olhos escuros, brilhantes e profundos, era realmente uma princesa de Aldebaran. — Você está linda princesa — não era apenas um gracejo, Daenor realmente a achava linda e não era por menos — Que tal fugir desta festa? Se importaria de me acompan
O golpe veio de cima como um relâmpago furioso, Arthur conseguiu se defender colocando seu escudo entre o martelo e seu corpo. O instrumento, no entanto, não resistiu ao ataque de Gared, sendo totalmente amassado ao contato com martelo de batalha. O irmão do Rei estava trajado com sua armadura preta e, estampado em seu peito, o emblema da família Mesiac — a grande lua minguante prateada. Seu elmo era da mesma cor, negro, porém tinha chifres de touro entalhado. Já o capitão da guarda dos Sonnes vestia uma armadura vermelha completa com vários detalhes de ouro formando um sol no peito. Carregava na mão direita um alfanje e na esquerda um escudo, que ao ser atingido por Gared, caiu no chão.Apesar do calor da região ningu
— Então amanhã é o grande dia! Nós realmente vamos roubar a coroa do rei! — Seus olhos brilhavam de entusiasmo.— Sim nós vamos. Foram meses de treinamento e planejamento, mas finalmente chegou a hora, lembra o plano? — Perguntou Stevan arqueando uma sobrancelha.— Durante a tarde farão um desfile para apresentar a nova coroa. A noite será levado ao salão de entrada do castelo para exposição durante três dias. Durante a madrugada nós atacaremos. — Repetiu como uma máquina programada.— Ótimo! Esse é meu garoto! Então vamos.“Meu garoto” essa frase soou estranha e um pouco desconfortável na cabeça desconfiada do menino, mas aos poucos ele começava a gostar da ideia e sentia-se mais aberto a pensar assim.As ruas estavam cheias de pessoas, para
Ele se levantou, estava cedo ainda. Suas costas incomodavam um pouco da noite mal dormida. Examinou à sua volta, conseguia enxergar o de sempre, areia, pedras, solos terrosos e o Sol. Tudo aos seus olhos parecia tão cinza, a luz solar não possuía mais o mesmo brilho de antes e aquele mar amarelo não parecia tão vívido. Apenas de olhar para aquele astro sentia algo se contorcendo dentro de si. Não conseguia ver aquilo sem lembrar-se de um símbolo, um maldito símbolo, o símbolo da família Sonne.— Daenor, não temos tempo para admirar a paisagem, vamos mexendo-se.— Já faz dias que estamos cavalgando e dois dias sem comer, logo vai começar uma disputa... Quem morre antes, nós ou os cavalos?— Não Ladros, nós iremos sobreviver, nós precisamos sobreviver. — Havia uma chama de fúria
— Toda vez esse lugar me dá arrepios — Praguejou Gared — Não importa quantas vezes passamos aqui, ainda não consigo me acostumar. Os três olhavam para a paisagem a frente, com um olhar de admiração e curiosidade, mas uma ansiedade crescente pela sensação de estar diante de um mistério e ser envolvido por medo por não saber o que vem adiante. Perplexidade e arrepio assomam as sensações que percorriam os três, estavam diante de um dos cenários mais magníficos existentes em Arqueham, nem mesmo os melhores pintores e artistas conseguiram transpassar em sua arte a verdadeira beleza e mistério ali encontrado, estavam diante da Divisa. Este é o nome dado não ao lugar no qual estava localizada a fronteira entre as terras de Razalon e Aldebaran, mas de onde o deserto seco e árido se encerrava misteriosamente e começava aparecer vegetações. Era como se uma linha atravessasse de norte a sul, separando misteriosamente a areia da grama, todo aquele amarelo
Depois de uma longa discussão devido ao ferimento nas costas decidiram deixar Daenor na casa do velho Sid no coração da floresta de Gündil. O eremita deu sua palavra que o trataria bem, não que isso significasse muita coisa para Gared. Ladros e seu tio voltaram até Solprata rapidamente sendo carregados pelos ombros de pedra de Bombu, o troll da floresta. Para a surpresa deles, chegaram na cidade antes do anoitecer. A jornada de dois dias em caminhos desconhecidos foi reduzidas há apenas algumas horas na lombar do troll.Gared estava com o rosto liso, tinha raspado a barba para evitar ser reconhecido, fazia anos da última vez em que passou uma navalha no rosto. Foi uma sensação estranha, até seus sobrinhos tiveram dificuldade de reconhecê-lo sem sua barba escura. Verdade seja dita ele mesmo não conseguia se reconhecer. Ladros também alterou o visual, deixando o cabelo curto, al&eacut