Daenor reparou na música enchendo o salão. Possuía um ritmo acelerado e festivo, a banda utilizava todos os tipos de instrumentos, desde pífaros, saltérios, tambores e no embalo da canção o príncipe Mesiac se aproximou de Naina. Ela estava trajada de um vestido alaranjado, fazendo um belo contraste com seus cabelos pretos, sua pele cor de mel e seus olhos escuros, brilhantes e profundos, era realmente uma princesa de Aldebaran.
— Você está linda princesa — não era apenas um gracejo, Daenor realmente a achava linda e não era por menos — Que tal fugir desta festa? Se importaria de me acompanhar pela cidade? — ele perguntou sorrindo enquanto fazia uma mesura lhe oferecendo o braço.
Naina o olhou por um segundo, até um sorriso despontar em seus lábios. E então concordou:
— Claro, por que não?
E assim eles foram. Percorreram mais corredores do castelo até o portão principal. E também percorreram a Zona Nobre. Enquanto caminhavam conversavam sobre lendas antigas, acontecimentos dos últimos que não se viram, também falavam sobre a cidade, para cada prédio avistado Naina apontava para ele e explicava orgulhosamente sua história. De vez em quando Daenor fazia algum gracejo arrancando sorrisos tímidos de Naina. Também havia momentos de silêncio no qual apenas aproveitavam a presença um do outro, e assim caminharam até a Ala Comercial perto da divisa com a Zona Baixa.
— Como você se sente sabendo que vai sair de sua cidade? — perguntou Daenor.
Um sorriso curvou os lábios de Naina, e Daenor não pôde dizer se era de alegria ou disfarçando uma tristeza.
— Não é tão ruim quanto você pensa, mas Amabel vêm se tornando bastante diferente desde que Vladimir se tornou conselheiro do meu pai, talvez eu realmente esteja precisando de uma mudança.
Ele quis entrar no assunto.
— Diferente? Como?
Ela apertou os lábios abatida e apontou para a muralha entre a Ala Comercial e a Zona Baixa. — Pelo o que ouvi, a muralha tinha sido construída durante as guerras antigas como algo temporário para proteger o comércio, mas desde então decidiram não derrubar mais.
— Separando a população por “classes”...
Aquilo a atingiu. Naina pareceu desanimada.
— Vladimir diz que a compaixão é a corrupção da humanidade, pois os mais fracos devem cair para mais fortes crescerem. Então… muralhas, leis proibindo de pessoas entrarem no castelo ou comercializar são meios para esse fim — ela deixou sua voz morrer.
Daenor a observou, sem saber o que dizer tampouco quais palavras utilizar. Ela claramente abominava as leis de seu o pai e Vladimir. Estranho, pensou, como é possível um rei se deixe levar tão facilmente pelas ideias de outro homem? Mesmo que seja seu conselheiro?” Aquilo lhe pareceu absurdo e perturbador ao mesmo tempo.
— Também não gostei nada disso. — Ele disse finalmente com um suspiro — Mas, pelo menos, em Idalon não pensamos assim! Lá você vai poder, um dia, governar comigo fazer as coisas de forma diferente daqui.
Naina sorriu de novo e Daenor soube que dessa vez era alegria genuína.
— Sim, um dia.
Eles andavam pela Zona Baixa quando Daenor pegou um pouco de areia do chão e sentiu os grãos passando por sua mão e voltando ao solo e perguntou curioso mudando o rumo da conversa:
— De onde vem tanto disso? Areia? — O som da última palavra soou estranho em sua voz. — Em Razalon não existe isso… pelo menos não em tão grande quantidade.
— Vem do céu. — Naina respondeu com simplicidade.
Os olhos do garoto arregalaram-se — Chove areia?!
— Eu não sei explicar direito… Nós chamamos de tempestade de areias, ocorre de vez em quando. São ventos fortíssimos que trazem areia, não é muito agradável para ser sincera e geralmente traz muitos problemas.
— Acho que Ladros comentou sobre essas tempestades. Uma vez ele disse aparecer uma nuvem de areia tão imensa, tornando impossível sequer ver quem estava à sua frente. — Ele olhou para o céu intrigado — O céu de casa não traz areia, traz apenas água e gelo no inverno.
— Você está falando de neve? — Seus olhos se iluminaram.
— Sim! Você já viu?
— Nunca! Sempre ouço falar, mas nunca vi com meus olhos — disse com certo desânimo — Eu pensava que fosse uma lenda… Essa areia tão branca e gelada. Aqui é tudo tão quente.
— Não é uma lenda. Quando for inverno em Razalon, você vai poder ver com seus próprios olhos! — Daenor a encorajou animado.
— Neve… — deixou a voz morrer, mostrando-se sonhadora para esse encontro.
Daenor avistou um homem distante, trajando a armadura dourada da família Sonne. O Guerreiro treinava um pequeno batalhão de soldados através de comandos e instruções. Um capitão, Daenor pensou. Ele não gostou daquilo.
— Isso é apenas um treinamento diário ou... — ele deixou a pergunta morrer no ar, quando escutou uma voz conhecida e olhou perplexo para Ladros em um beco, falando com dois guardas.
— Qual de vocês quer ser o primeiro? — Ladros perguntou.
E então sorriu.
...
Logo após Ladros ter sua entrada barrada no Castelo de Gelo, ele se dirigiu para a hospedaria onde estavam os soldados e serviçais dos Mesiac. Era uma estalagem modesta, mas grande o suficiente para abarcar todos viajantes de Razalon. Foi servido uma refeição com uma variedade de opções e sabores, apesar de não ter tanta fartura quanto o banquete real, ninguém poderia reclamar da comida, tudo foi feito com muita excelência. Comido, o garoto deixou algum de seus pertences no aposento que lhe fora separado — exceto suas adagas. Dessas duas armas ele nunca se separaria. Exatamente como Gared lhe ensinou — e saiu para a Zona Baixa. Havia algo que precisava encontrar.
Ele chegou à muralha divisória da Ala Comercial e a Zona Baixa. Dois guardas de cada lado do portão protegiam e verificavam a entrada e saída das pessoas, certificando-se de que nenhum dos “menos afortunados” invadisse a Ala Comercial sem qualquer autorização e, pelo que Ladros se lembrava, eles usariam até mesmo a força caso fosse necessário. E caso não fosse também.
Ladros analisou os quatro guardas da cabeça aos pés e atravessou, naturalmente por fora e atento por dentro, os portões. Nenhum dos guardas fez qualquer menção de impedi-lo. Provavelmente se lembravam dele quando passou mais cedo pelos mesmos local acompanhando os Mesiac.
Já na Zona Baixa, ele andou sem rumo por algum tempo, admirando as lamparinas roxas que já decorava a maioria das ruas, percebeu também algumas pessoas fantasiadas para o festival. A Festa de Syluvar era um dos momentos mais esperados em Aldebaran e mesmo os mais pobres aguardavam ansiosamente por esta data. Isso acontecia essencialmente por causa dos jogos. A cidade era tomada de luzes púrpuras e ocorria um grande caça tesouro na cidade. Diversos enigmas eram espalhados pelas ruas de Amabel que quando desvendados até o fim levavam para um tesouro, geralmente envolvia ouro e pedras preciosas, fazendo este momento ser a chance de virada de vida para muitos plebeus. Claro, os nobres não ficavam de fora também, pois ser o vencedor dos jogos de Syluvar era uma grande honra.
Além dos enigmas havia outros empecilhos para os jogadores, os Bruxos como eram conhecidos, soldados mascarados e vestidos de negros, estes guardas representavam os Magos Negros que lutaram contra Syluvar na Batalha pelo Mundo, quando um Bruxo pegava um dos jogadores tomava todas pistas que ele tinha encontrado.
Enquanto vagava entre as casas e as pessoas, que andavam apressadas de um lado para o outro. A maioria delas, Ladros percebeu, se vestiam de um modo parecido. Trajavam trapos sujos, nada mais além do necessário para cobrir seus corpos e que, dificilmente, seria o bastante para protegê-los do frio durante a noite. No chão, idosos e crianças pediam esmolas e disputavam com os ratos grãos de comida caídos de carroças, geralmente de comerciantes à caminho da Ala Comercial . Os mais inteligentes matavam os ratos para comê-los junto com os grãos. A Zona Baixa de Amabel era bem simples de se entender. A maioria da população da cidade se encontrava reunida ali e, enquanto alguns tinham dinheiro o suficiente para se abrigar debaixo de um teto, comprar comida ou até mesmo para tecer fantasias simples para os jogos, vivendo uma vida simples, alguns inclusive trabalhavam na Ala Comercial por exemplo, mas não conseguiam manter uma residência na mesma região. Outros não eram tão afortunados e se protegiam do frio e da chuva — raríssima por aqui — debaixo de qualquer caixote ou entulho que estivesse jogado no chão, essas pessoas infelizmente disputavam a comida com animais, como gatos raquíticos que pulavam pelos telhados e espreitavam pelas ruas em busca de uma presa.
Ladros sentia pena de cada uma daquelas pessoas, pois ele em sua infância passou exatamente pelo mesmo que eles estavam passando agora. Lembrou de sua lição, sobreviver.
Ele desviou o olhar dos moradores jogados pela rua e seguiu em frente, desviando daqueles que andavam apressados. As ruas da Zona Baixa eram estreitas para tanta gente. Eram apenas trilhas na areia, na verdade — apenas a Ala Comercial e a Zona Nobre tinham a privilégio de terem ruas pavimentadas —, rodeadas por casas erguidas pelos próprios moradores do local. A maioria fora erguida com tijolos de adobe com linhas retas e perfeitas, algumas eram cobertas por telhas, embora houvesse uma ou outra parecida com tendas. Também havia alguns vendedores ambulantes que tornavam as ruas mais espremidas.
Não conseguindo encontrar o que procurava, resolveu subir em um dos telhados para ter uma visão melhor. Enfiou-se em um beco e, habilmente, com um pé pulou em um caixote de madeira jogado no chão, com o outro subiu em um barril e saltou em direção à parede da casa, se prendendo nos vãos que se formaram com o tempo entre os tijolos e o cimento, e então jogou todo o peso de seu corpo para cima e agarrou uma telha, e assim subiu no telhado. E então parou.
...
Todas as partes do seu corpo doíam, devia ter quebrado pelo menos uns cincos ossos, a cabeça latejava, olhou para si, seu braço direito estava enfaixado, a perna esquerda também. Não sentia nada além de tontura e dor, apareceu um homem, mas não conseguia ver seu rosto.
— Você acordou cedo, tome isso, quando acordar você se sentirá melhor.
“Não quero, não quero dormir de novo, me mantenha acordado”, porém nenhuma palavra se tornava som em sua boca, não conseguia dizer nada. Colocaram um líquido que desceu por seus lábios, tentou não beber, mas não tinha força para isso, engoliu em um gole apenas. Tudo ficou escuro.
Acordou novamente, sentia-se melhor conseguiu até se sentar na cama. Cama? Ele nunca teve uma cama sempre dormiu na rua, o máximo de luxo que possuía era as raras vezes no qual entrava escondido em algum estábulo para dormir na palha. Isso lhe trouxe muitas perguntas e nenhuma resposta. Onde estava? Quem o trouxe ali? Por que estava ferido? Quem cuidou de seus ferimentos? Por que cuidaram de seus ferimentos, por que alguém se importou com um garoto de rua, um ladrão?
Ele começou a lembrar de algumas coisas. Lembrava-se de ter tentado pegar algumas moedas, porém alguns guardas o pegaram. “Me bateram, socaram, chutaram, é por isso que estou ferido, mas o guarda tinha um nome, qual era o nome dele? Sev! É isso o nome dele, é Sev”. Abriram a porta do quarto, cortando a linha de pensamentos dele.
— Vejo que está melhor, mas não tente fazer muito esforço.
— Por quê?
O homem que acabou de entrar no quarto aparentava ter por volta de uns 40 anos, sem barba, cabelo escuro, seus olhos e rostos estampavam uma expressão de cansado. Apesar de ter sido uma pergunta vaga, ele entendeu.
— Por que não?
— Ninguém simplesmente ajuda alguém só por ajudar. — Afirmou desconfiando
— Bem, parece que eu fiz. — Havia um sorriso estampado no rosto — Qual seu nome?
Ladros permaneceu em silêncio.
— Hunf. Você é um garoto desconfiado, não é mesmo? — Sentou-se em uma cadeira próxima — Não posso te culpar, não fui uma criança muito diferente. Mas vamos tentar de novo. Meu nome é Stevan e eu sou o cara que te salvou por motivo nenhum — Voltou a sorrir calorosamente — Posso ter a honra de saber seu nome?
— É Ladros — Franziu o cenho — Onde estou?
— Na casa de um amigo.
Eu não tenho amigos pensou Ladros, mas acabou optando por ficar em silêncio.
Entrou outro homem no quarto, esse era bem mais velho que Stevan, tanto seu cabelo quanto sua barba eram totalmente brancas, lhe dando uma aparência engraçada.
— Falando nele, esse é o médico que estava cuidando de você, ele me devias alguns favores então aceitou cuidar do seu tratamento.
— Olá, você melhorou pelo visto — saudou de maneira fria enquanto o examinava — Do jeito que você colocou, soa como se eu não quisesse ter ajudado.
— E queria? – Stevan levantou uma sobrancelha.
— O importante é que ajudei — sorriu sarcasticamente.
Ladros apenas observava sem saber como portar. O homem de barba branca pegou algumas ervas em cima da mesa e começou a misturá-la com um pouco de água. Dessa combinação começou a exalar uma fragrância estranha, o garoto de rua não conseguia identificar pelo cheiro que tipo de erva era aquela. Na realidade ele sabia distinguir poucos aromas, um dos mais marcantes era do pão fresco da Padaria dos Sabores na Ala Comercial, esse sempre fazia sua barriga tremer de necessidade. Outra fragrância que Ladros reconheceria de qualquer lugar era o cheiro da morte, cheiro de cadáveres que muitas vezes se amontoavam nas ruas. Esse cheiro ele sabia identificar mesmo mesmo a distância.
— Pronto tome isso, acredito que será sua última dose.
Ladros estreitou os olhos — Você primeiro.
— Há! Esse muleke é desconfiado mesmo! — Caçoou Stevan — Mas isso é bom… muito bom… o primeiro passo para sobreviver é desconfiar de tudo — Levantou-se e pegou da mão do médico o copo, tomando um gole — Viu, nada a temer? Exceto esse gosto horrível — Mostrou a língua.
Ladros bebeu relutantemente, tinha um gosto ruim. Por um momento pensou que não iria descer pela garganta, mas com um esforço conseguiu engolir tudo em apenas um gole. O médico sorriu.
— Meu nome é Roucan. Me diz Ladros, esse é seu nome, não? O que você pretende fazer agora?
Ladros não tinha pensado nisso. A verdade que até o momento não havia nem sequer entendido bem a situação na qual estava colocado. Futuro? Parecia apenas uma palavra sem significado nenhum. No fundo, sabia o que o esperava, mas agora a única certeza é que não poderia ficar para sempre nesta casa.
— Não tenho nada planejado, senhor.
— Senhor? Não, não. Não me de títulos, não sou dono de terras, ou chefe de uma casa, apenas mais um velho homem perdido na vida. Então imagino que você pretenda voltar para sua vida de ladrão, não?
— Acredito que seja minha única opção, afinal de contas, como dizem: sou apenas mais uma criança perdida na vida. – Respondeu tentando mostrar-se confiante.
— Voltar para as ruas? Certo. Mas antes você será treinado. — Stevan se desencostou da parede, pegou a adaga de Ladros sob a mesa mesa, aquela mesmo que ele usou na tentativa de roubo, a jogou para cima em rodopio pegando-a pelo cabo novamente. — Bem... Primeiro, precisamos de uma arma de verdade.
— Me treinar? — voltou a franzir o cenho — Me treinar para o que? Ser soldado? Eu não sou nada disso.
— Não. Eu vou te ensinar a ser um ladrão de verdade.
...
Ladros e Stevan estavam na Zona Baixa, por todo lado que pudessem olhar havia pessoas e mais pessoas, a mesma imundice de sempre, pessoas e animais famintos disputando a mesma comida.
— Me siga — Fez um gesto com a mão reafirmando o que disse.
Stevan desatou a correr e Ladros foi atrás tentando o acompanhar, Stevan foi passando pelo meio das pessoas de uma forma incrível, apesar de haver várias e várias pessoas na área, ele passava por cada uma, sem tocar. Parecia uma folha levada pelo vento, Ladros permanecia logo atrás esbarrando em algumas pessoas e objetos, pedindo desculpas. Ao chegar em uma área mais aberta percebeu que já tinha perdido de vista seu professor há algum tempo.
Para cada lado que olhava via gente e mais gente, ele rodava procurando por todos os lados, mas não conseguia encontrá-lo. Sentiu uma lâmina na garganta, que veio pelas costas.
— Primeira lição, não tente desaparecer, apenas seja mais um. — inverteu a adaga mostrando a empunhadura — Fique com ela.
— Essa é usada pela patrulha da cidade, onde você a pegou?
Ele apontou para um guarda que estava de costas à eles, vigiando a entrada da cidade e deu um sorriso de orgulho próprio.
As semanas seguintes a sua recuperação foram muita parecidas. Durante a manhã se exercitavam, com o objetivo de fortalecer os músculos de Ladros. Nos momentos em que havia mais concentração de pessoas começava as aulas favoritas de Ladros. O roubo. Stevan ensinava dedicadamente várias maneiras diferentes de dar golpe, desde furtos silenciosos e precisos, até truques de lábias.
Às vezes eram descobertos, o que trazia outros tipos de lições, como se esconder ou desaparecer por completo. Não eram seus momentos favoritos, todavia entendia a necessidade disso.
Apesar de estar sendo acompanhado por Stevan, Ladros não recebia comida ou moradia, então ainda precisava conquistar as coisas que necessitava para sobreviver. Sua vida depois de Stevan não mudou drasticamente, ele ainda permanecia um garoto de rua. A diferença é que agora as pancadas e surras eram menos frequentes e os saques maiores.
Certo dia Ladros foi convidado por Stevan para ir à uma estalagem dentro da Ala Comercial.
— Aí está você! Como se sente?
— Faminto.
— Há! Ótimo! Então vamos entrando, eu tenho muito o que conversar com você.
Ao entrarem se alojaram em uma cadeira de frente ao bar, Stevan pediu uma carne salgada para os dois, um copo de cerveja para si e água gelada para o menino.
— Mais uma lição, nem sempre é necessário roubar — E sorriu para o garoto.
— O que você queria falar? — Perguntou curioso.
— Direto ao ponto,não? Eu gosto disso! Não posso dizer que você é um bom menino, mas com certeza é um garoto divertido — gargalhou sozinho, Ladros pareceu não se importar.
A garçonete chegou interrompendo a conversa para entregar o pedido.
Ladros começou a comer, apesar de ser uma carne dura e difícil de mastigar, não podia reclamar. Perto de algumas coisas que comeu era uma verdadeira refeição.
O garoto examinou seu professor — Por que você está me treinando? Já faz semanas que estamos fazendo isso… Não consigo acreditar que seja apenas para me ajudar sobreviver.
Stevan tomou um gole da cerveja e o olhou para o nada, sua mente parecia estar distante com a pergunta, olhou para seu aprendiz.
— Para nós entrarmos na história do maior roubo que essa cidade já viu! – E tomou mais um gole de cerveja.
...
Ladros voltou de seus devaneios e olhou em volta, apesar de ser um lugar triste e sofredor ele gostava de lembrar que essas eram suas raízes, hoje poderia até ser um príncipe, porém sua verdadeira essência era de um sobrevivente e sentia orgulho disso. Ainda estava em cima do telhado na Zona Baixa. Então retornou à sua busca, pulando de um telhado para o outro. Ladros gostava de fazer isso. Estar no alto lhe fazia se sentir bem. E ele aprendera quando criança, das piores maneiras, que ficar nos telhados era muito mais seguro.
Finalmente, depois de vagar por alguns telhados, ele não só encontrou o que buscava como encontrou no momento perfeito. Ele viu John
O menino estava cercado por dois guardas. Mandados por Arthur para ensinar as “leis” para o garoto, Ladros pensou. Ele se aproximou mais da beirada do telhado para ouvir melhor.
— Aqui na nossa cidade nós temos algumas regras que devem ser seguidas, caso você não saiba. — Um dos guardas falou — Uma delas é não poder vender nada na Ala Comercial sem comprar uma autorização. — Falou em tom de deboche como se estivesse recitando uma lei decorada — E, como você bem sabe, você desobedeceu a essa regra. E agora vai ter que pagar por isso. — Um sorriso despontou lentamente em seu rosto — Prometo que vai doer bastante.
O guarda empurrou John contra a parede com uma mão enquanto pegava um pedaço de caixa quebrado com a outra, o menino caiu no chão. O soldado já ia bater no garoto quando, em um salto perfeito, Ladros caiu entre ele e os guardas.
— Espero não estar atrapalhando nada. — Falou enquanto estendia a mão para ajudar o garoto a se levantar, então olhou para os guardas. Ladros conhecia aquela cena muito bem. Estava decidido a não deixar repeti-la.
— Boa tarde, querida patrulha. — Falou enquanto abria os braços numa reverência exagerada e um tanto ofensiva. — Dia bonito, não? Adoro como a previsão do tempo aqui altera entre muito calor para calor infernal. É realmente muito interessante.
— Quem você pensa que é? — O guarda mais atrás quem falou — É bom você nos deixar fazer nosso trabalho antes peguemos você também! — Ele levou a mão ao cabo da espada.
Ladros apontou para o guarda que falou e fez um sinal de negação, balançando o dedo de um lado para o outro.
— Acho que fizeram a pergunta errada. — Sorriu — Quem vocês pensam que são para falarem assim com um príncipe? — Apesar de tantos anos a palavra príncipe ainda soava estranho em sua boca. Ladros detestava ser apresentado desta maneira, mas no momento acreditou ser um caminho melhor, às vezes podia assustar a patrulha.
O guarda jogou a cabeça para trás gargalhando intensamente.
— Príncipe? — sua gargalhada virou uma risada repleta de escárnio — Que tipo de príncipe anda em cima de telhados? — o sorriso sumiu de seu rosto — Você está brincando de ser príncipe, menino?
— Que tipo de príncipe anda em cima de telhados? Bom, essa é muito fácil! Um príncipe criado na Zona Baixa. Qual é a próxima pergunta?
— Moleque estúpido — o guarda cuspiu no chão e se aproximou de Ladros.
— Se afasta menino — sussurrou para John.
Em um movimento rápido o guarda puxou Ladros pela roupa e, em um raciocínio ainda mais rápido, Ladros aproveitou o impulso para acertar com a cabeça no nariz do guarda, que jorrou sangue com um crec sonoro.
Deu um passo para trás e sacou suas adagas penduradas na cintura.
— Qual de vocês quer ser o primeiro?
E então sorriu.
O guarda que sofreu o golpe amaldiçoou Ladros num resmungo, desembainhou sua cimitarra e tentou um ataque diagonal, da direita, em cima para baixo e Ladros se esquivou facilmente se abaixando. Num contra-ataque rápido, desferiu um corte na coxa do guarda fazendo ele cambalear para trás. Quando se levantou, Ladros se deparou com uma cena inesperada: Daenor já havia rendido com a espada o segundo patrulheiro e o enfrentava com os olhos.
O olhar de Daenor pareceu ter sido um golpe muito mais profundo do que o corte de Ladros na coxa do outro guarda. O patrulheiro não pôde fazer nada além de se ajoelhar e pedir desculpas. O outro, ferido por Ladros, apenas olhou, estático.
Daenor abaixou a espada.
— Acho que tudo não passou de um mal entendido, não é mesmo? — perguntou, friamente — Essa história nunca vai sair daqui. Podem ir embora.
Apesar de não terem de obedecer ordens de um príncipe de outro reino distante, os guardas simplesmente o fizeram e foram embora, eles realmente temeram aquele olhar.
Daenor abriu um sorriso caloroso.
— Você não muda nunca, não é? Em uma dessas você pode acabar morto.
— Morto? Os únicos que estavam correndo risco de vida era os dois bestas, dos patrulheiros. — Ladros rebateu, e riu, Daenor riu junto.
— É deve ter sido mesmo…
— Vocês sempre brincam de bater nos guardas assim? — foi Naina quem perguntou, num belo sorriso.
Ladros não havia percebido sua presença. Então se aproximou dela com uma expressão séria e lhe deu um beijo na mão.
— Como vai, senhorita? — falou em tom de cordialidade — Só brincamos disso quando temos motivos. — e mais uma vez o sorriso despontou em seu rosto.
— Ah é? E qual foi o motivo? — perguntou curiosa.
Ladros apontou para John e tanto Daenor quanto Naina entenderam o que estava acontecendo.
De suas roupas, a princesa de Ambel tirou algumas moedas e as entregou ao garoto.
— Tome. — falou, com um sorriso bondoso nos lábios — Compre uma autorização para vender na Ala Comercial e eles nunca mais vão te perturbar.
John pegou as moedas, suspirou aliviado e agradeceu aos três.
Daenor olhou para o céu e deu de ombros.
— Vamos voltar. Já deve estar na hora dos combates.
— Pelo menos já estou aquecido. — Respondeu Ladros.
Oi! Espero que esteja gostando da leitura até aqui. Fico feliz de saber que está se aventurando em Amabel com Ladros e Daenor. Como você percebeu, sinalizei no texto as partes de flashback, infelizmente não há como mudar a fonte para diferenciar os tempos, ferramenta que utilizei na escrita original. Espero que não tenha quebrado o ritmo da leitura, e sim a facilitado. Não esqueça de comentar o que tem achado da história. Abraços!
O golpe veio de cima como um relâmpago furioso, Arthur conseguiu se defender colocando seu escudo entre o martelo e seu corpo. O instrumento, no entanto, não resistiu ao ataque de Gared, sendo totalmente amassado ao contato com martelo de batalha. O irmão do Rei estava trajado com sua armadura preta e, estampado em seu peito, o emblema da família Mesiac — a grande lua minguante prateada. Seu elmo era da mesma cor, negro, porém tinha chifres de touro entalhado. Já o capitão da guarda dos Sonnes vestia uma armadura vermelha completa com vários detalhes de ouro formando um sol no peito. Carregava na mão direita um alfanje e na esquerda um escudo, que ao ser atingido por Gared, caiu no chão.Apesar do calor da região ningu
— Então amanhã é o grande dia! Nós realmente vamos roubar a coroa do rei! — Seus olhos brilhavam de entusiasmo.— Sim nós vamos. Foram meses de treinamento e planejamento, mas finalmente chegou a hora, lembra o plano? — Perguntou Stevan arqueando uma sobrancelha.— Durante a tarde farão um desfile para apresentar a nova coroa. A noite será levado ao salão de entrada do castelo para exposição durante três dias. Durante a madrugada nós atacaremos. — Repetiu como uma máquina programada.— Ótimo! Esse é meu garoto! Então vamos.“Meu garoto” essa frase soou estranha e um pouco desconfortável na cabeça desconfiada do menino, mas aos poucos ele começava a gostar da ideia e sentia-se mais aberto a pensar assim.As ruas estavam cheias de pessoas, para
Ele se levantou, estava cedo ainda. Suas costas incomodavam um pouco da noite mal dormida. Examinou à sua volta, conseguia enxergar o de sempre, areia, pedras, solos terrosos e o Sol. Tudo aos seus olhos parecia tão cinza, a luz solar não possuía mais o mesmo brilho de antes e aquele mar amarelo não parecia tão vívido. Apenas de olhar para aquele astro sentia algo se contorcendo dentro de si. Não conseguia ver aquilo sem lembrar-se de um símbolo, um maldito símbolo, o símbolo da família Sonne.— Daenor, não temos tempo para admirar a paisagem, vamos mexendo-se.— Já faz dias que estamos cavalgando e dois dias sem comer, logo vai começar uma disputa... Quem morre antes, nós ou os cavalos?— Não Ladros, nós iremos sobreviver, nós precisamos sobreviver. — Havia uma chama de fúria
— Toda vez esse lugar me dá arrepios — Praguejou Gared — Não importa quantas vezes passamos aqui, ainda não consigo me acostumar. Os três olhavam para a paisagem a frente, com um olhar de admiração e curiosidade, mas uma ansiedade crescente pela sensação de estar diante de um mistério e ser envolvido por medo por não saber o que vem adiante. Perplexidade e arrepio assomam as sensações que percorriam os três, estavam diante de um dos cenários mais magníficos existentes em Arqueham, nem mesmo os melhores pintores e artistas conseguiram transpassar em sua arte a verdadeira beleza e mistério ali encontrado, estavam diante da Divisa. Este é o nome dado não ao lugar no qual estava localizada a fronteira entre as terras de Razalon e Aldebaran, mas de onde o deserto seco e árido se encerrava misteriosamente e começava aparecer vegetações. Era como se uma linha atravessasse de norte a sul, separando misteriosamente a areia da grama, todo aquele amarelo
Depois de uma longa discussão devido ao ferimento nas costas decidiram deixar Daenor na casa do velho Sid no coração da floresta de Gündil. O eremita deu sua palavra que o trataria bem, não que isso significasse muita coisa para Gared. Ladros e seu tio voltaram até Solprata rapidamente sendo carregados pelos ombros de pedra de Bombu, o troll da floresta. Para a surpresa deles, chegaram na cidade antes do anoitecer. A jornada de dois dias em caminhos desconhecidos foi reduzidas há apenas algumas horas na lombar do troll.Gared estava com o rosto liso, tinha raspado a barba para evitar ser reconhecido, fazia anos da última vez em que passou uma navalha no rosto. Foi uma sensação estranha, até seus sobrinhos tiveram dificuldade de reconhecê-lo sem sua barba escura. Verdade seja dita ele mesmo não conseguia se reconhecer. Ladros também alterou o visual, deixando o cabelo curto, al&eacut
Seus olhos se abriam com dificuldade, salvo uma tocha distante presa à parede, a sala estava totalmente escura. Os últimos dias vinham sendo assim, Lyliane já não sabia diferenciar o dia e a noite, pois sua cela estava sempre escura. Pelo menos era espaçosa, disso ela não podia reclamar. Além da comida é claro, eram servidos alimentos quatro vezes ao dia e em porções generosas, isso pelo menos estava claro para ela, apesar de presa ainda era essencial de alguma forma.Estimava já terem passado cinco dias que assistiu a morte de seu pai durante o jantar com Maegor. Maegor. Esse nome fazia seu estômago revirar. Não sabia direito os acontecimentos posteriores, tudo que descobriu era que o rei S
Já estava entardecendo e ele estava bem cansado de todo trabalho duro realizado durante o dia, buscou leite dos bezerros, colheu algumas das plantações mais maduras, consertou a hélice caída do moinho da família. Moinho este tão antigo quanto sua família, não o surpreendia ele ter quebrado, era uma questão de tempo para algo assim acontecer. Seu corpo suado e seu cabelo escuro não parava de pingar revelando o quanto de esforço ele teve de realizar, mas o sorriso no rosto estampava o quão satisfeito estava com seu trabalho. Cob então olhou para sua casa no horizonte, não estava muito longe, e já conseguia imaginar o cheiro do jantar ficando pronto. Sabia que hoje sua mãe faria o famoso ensopado de frango, já dava água na boca só de pensar. Ele era o filho mais velho de três, tinha duas pequenas irmãs. Seu pai há alguns anos atrás caiu de um cavalo, machucando seriamente suas costas, impedindo-o de pegar pesos e realizar algumas tarefas básicas da faz
Cob olhou curioso para os homens que se juntaram a Gared Mesiac, o que será que eles vêem de tão interessante em ir para a guerra?. Após Daenor e Ladros seguirem rumo a Idalon, Gared foi até Sinhetoria juntar alguns homens dispostos a defender Yhorn. Cob não podia negar que ficou impressionado, para não dizer entusiasmado com o discurso do irmão do último rei. Aquelas palavras sobre honra, promessas de glória e canções, somado ao sentimento patriótico eram realmente tentadores.Mas após alguns passos com os mais de 30 homens que apoiaram a causa, este sentimento passou como vento. As promessas começaram a se tornar perguntas, Por que eu devo lutar a batalha de outra família? São eles que estão em guerra, não meu moinho… Apesar disso, sabia não ser tão simples essa questão, se os Sonnes invadissem Raza