O ar ao meu redor parece sufocante, como se cada respiração que eu tentasse tomar fosse interrompida pelo medo, que nesse momento parece estar materializada como uma pedra no meu peito.
Kai me guia pelo corredor estreito, suas mãos firmes segurando meu braço, mas não apertado. Há algo estranhamente reconfortante em seu toque, e eu não sei dizer o porquê.
Ele está calado, o que pode deixar tudo ainda mais perturbador, no ponto de vista de uma vítima.
Talvez ele só esteja pensando em coisas triviais, Amélie…
Tento me acalmar, evitando lembrar da forma brusca em que ela arrancou o colar do meu pescoço.
Quando chegamos ao banheiro, ele abre a porta com cuidado, mas não me solta imediatamente, olhando dentro do cômodo com um olhar aguçado. Então seu olhar parece pesar sobre mim quando me solta, avaliando cada movimento meu, como se pudesse prever o que eu faria.
— Entre. — Ele diz, sua voz baixa, quase um sussurro.
Eu entra, porém meus pés criam raízes no chão quando percebo a situação. Ele não pretende fechar a porta. Eu o encaro, esperando que ele faça alguma coisa, mas ele apenas aponta rm direção a privada.
Okay… zero privacidade…
Tremendo e sentindo meu estômago dar várias voltas, eu me ajoelho diante da privada. Meu corpo cede muito rapidamente. Todo o pânico, o medo e a ansiedade acumulados desabam de uma só voz. Vomito, sentindo minha garganta arder e as lágrimas escorreram dos meus olhos.
A sensação é horrível…
Me surpreendo com o toque suave de Kai segurando meu cabelo, afastando mechas do meu rosto com uma delicadeza surpreendente. Ele fica ali, em silêncio, esperando que eu termine com a minha própria tortura, quase como se não fosse a mesma pessoa que faz parte do pesadelo que me envolve.
Quando meu estômago para de forçar a pouca comida de hoje para fora e eu me afasto da privada com um gemido frustrado, ele me estende um lenço. Suas mãos enluvadas são grandes. As minhas provavelmente ocupariam apenas a palma das suas. Porém o mais surpreendentemente é o quão gentis elas agem comigo.
— Obrigada… — Murmuro, minha voz fraca e rouca.
Ele me segura pelo cotovelo e eu levanto-me devagar, tentando encontrar algum resquício de dignidade em meio a humilhação. Mas não consigo olhar em seus olhos, minhas bochechas coradas demais pela vergonha para eu conseguir.
Meus olhos fixam-se no chão, nas rachaduras do azulejo branco.
— Preciso… preciso fazer xixi… — Sussurro, mal reconhecendo a minha própria voz.
Me sinto fraca e vulnerável diante dessa situação. Não é nada legal.
Kai inclina ligeiramente a cabeça ao me analisar, mas assente, finalmente me devolvendo um pouco da minha dignidade ao dizer:
— Vou te esperar do lado de fora. — A porta se fecha atrás dele quando me deixa sozinha.
Um suspiro de alívio escapa pelos meus lábios e minhas mãos tremem mais do que o normal. Por alguns segundos eu apenas fico ouvindo seus passos lentos do lado de fora. Meu coração b**e tão forta que parece ensurdecedor.
Essa é a chance perfeita para eu conseguir algo para fugir.
Mas e se ele estiver me testando? Quer dizer, ele deve ter visto a janela acima da privada… ele está esperando que eu suja? Ele quer ver se eu terei coragem apenas para me pegar no ato e então me castigar?
O banheiro está gelado, o ar pesado com o cheiro da neve. Meu corpo treme — não apenas pelo frio, mas pelo medo que se enraiza em mim.
Eu tentei olhar disfarçadamente para a janela acima do tanque da privada, mas agora posso olhar melhor. Uma onda de esperança invade o meu peito. Talvez, apenas talvez, eu possa escapar.
As engrenagens trabalham constantemente na minha cabeça enquanto tento lutar contra o meu medo. Em um impulso de adrenalina, subo na privada e me apoio no tanque acima dela, tentando não fazer barulho. A janela é pequena, mas eu sou uma bailarina magra e eu cuido do meu corpo desde os meus doze anos.
Eu consigo passar!
Apoio minhas mãos nas laterais, minha respiração curta e ofegante com o esforço.
Consigo colocar metade do meu corpo para fora do prédio, sentindo o vento gélido do lado de fora em envolver. Os sussurros da noite, que normalmente costumam me amedrontar, dessa vez parece uma promessa de liberdade. Estico-me o máximo que posso, tentando fazer meu quadril deslizar pelo pequeno espaço da janela, mas se meus seios passaram, os quadris não deveria estar sendo um problema tão grande.
— Amélie. — A voz de Kai chama, baixa, mas clara.
Meu coração dispara. Não respondo.
— Amélie! — Ele chama novamente, dessa vez mais firme.
Eu o ignoro com lágrimas nos olhos, forçando meu corpo para deslizar pela janela. O material de ferro machuca a minha pele, mas não me importo. Meu quadril está quase livre, mas a pressão contra a moldura da janela é quase insuportável.
Só mais um pouco…
De repente, ouço a porta do banheiro se abrir com força.
— Porra! — Ele xinga, a voz cheia de frustração.
Pelo pequeno espaço da janela, percebo ele tentar alcançar as minhas pernas, porém me empurro para fora com tanta força que consigo deslizar para fora.
Meu corpo cai com força no chão gelado do lado de fora, e um baque doloroso percorre minhas costas. Solto um gemido, lágrimas de dor escorrendo pelos meus olhos.
Sinto vontade de me encolher e chorar, mas nesse instante Kai já deve estar dando a volta para me alcançar.
Vamos, seja forte, Amélie. Não pare por conta de uma dor tão pequena… você é maior do que ela.
Ignorando o latejar no meu corpo, me apoio nas minhas próprias mãos e me ergo, forçando minhas pernas a correr. A neve fria cobre o chão, dificultando meus passos, mas eu continuo. A floresta adiante é a minha única chance.
Minha respiração sai em nuvens brancas, e meu coração parece prestes a explodir no peito. O silêncio da floresta é interrompido apenas pelos meus passos apressados e mancos e pelo som do vento soprando entre as árvores.
Então, ouço.
Passos.
Pesados e rápidos, vindo atrás de mim.
Meu coração para e o pânico toma conta. Corro mais rápido, mas meus pés escorregam na neve, meu corpo já cansado pela dor e pelo medo.
Por favor, vá mais rápido…
— Não, por favor, não… — Sussurro no desespero, minha voz quase se perdendo no vazio da floresta.
Antes que eu possa ir mais longe, sinto um peso enorme me derrubar, arrancando o ar dos meus pulmões. Caio no chão, a neve fria queimando minha pele.
— NÃO! — Grito, me debatendo com todas as minhas forças.
Mas é inútil.
Kai está em cima de mim, suas mãos segurando meus pulsos acima da minha cabeça. De alguma forma, ele conseguiu me virar para encará-lo. Sua balaclava negra parece muito mais assustadora nesse cenário sombrio.
— Amélie… — Ele sopra, sua voz firme, mas não agressiva.
— Por favor… — Choramingo, sentindo o desespero escorrer pela minha voz, minha voz quebrada por soluços. — Por favor, me deixa ir. Eu faço qualquer coisa. Entrego todo o meu dinheiro, apenas me deixa ir. Eles vão me machucar.
Ele inclina-se para mais perto, seus olhos azuis perfurando os meus.
— Olhe para mim. — Ele diz, sua voz mais suave agora. — Eles não vão te machucar. Eu prometo. Olhe para mim.
Eu tento desviar o olhar, mas algo em seus olhos me impede. Eles estão cheios de uma intensidade que eu não consigo decifrar, mas que me faz congelar.
Não de medo…
— Não vou deixar que te machuquem. — Repete, sua voz baixa, quase um sussurro.
As lágrimas continuam a escorrer pelo meu rosto, e é quando sinto seus dedos cobertos pela luva tocarem a minha pele, limpando-as com uma delicadeza que não faz sentido vindo de alguém como ele. Ele está sentado em meu quadril, sem realmente colocar força.
Estou paralisada, o encarando.
— Por quê? — Pergunto, minha voz falhando enquanto tento entender suas motivações. — Por que você faria isso por mim, se Noemie foi espancada na sua frente e você não fez nada? Por que eu confiaria em você?
Ele hesita por um momento, seus olhos cravados nos meus, então, para a minha surpresa, seus lábios se movem sob sua balaclava. Seus lábios formam um sorriso.
Um pensamento idiota me ocorre: eu gostaria de ver.
— Eu vi a sua apresentação… — Kai responde como se fosse algo óbvio.
Eu pisco, surpresa.
— Você viu?
Ele estava na plateia? Ou me vendo de fora?
Ele assente, ainda sorrindo.
— Estava incrível. Parecia que você nasceu para dançar.
Minhas lágrimas cessam por um momento enquanto eu o encaro. É difícil entender o que ele está dizendo. Como alguém que faz parte de um grupo de terroristas pode ter assistido a minha apresentação e usar isso como motivo para não me machucar?
Quer dizer, ele apreciou a minha apresentação?
— Você usou uma referência no final. — Continua. — A coreografia foi inspirada em Le Jeune Homme et la Mort, certo?
Meus olhos se arregalam. Ele sabe. Ele sabe exatamente a referência que eu usei, que nem mesmo meu professor de dança notou.
— Quer saber o motivo? — Kai pergunta, inclinando-se para mais perto, seu rosto muito perto do meu agora, nossas respirações se misturando. — Quero ver você dançar outra vez. — Ele sussurra.
Eu sinto meu rosto esquentar. Ele me olha por um momento, seus olhos nunca deixando os meus.
— Então, minha doce bailarina… — Algo em meu estômago se contorce com o tom da sua voz. — Eu não posso deixar você fugir…
Seus dedos traçam a minha clavícula, deslizando pelo decote da minha roupa, um toque leve, mas que faz minha pele arrepiar.
— Mas prometo que ninguém vai te machucar. — Ele completa, ainda me olhando.
Algo dentro de mim muda nesse momento. Não é medo, mas algo mais profundo, algo que eu não quero admitir.
Eu não sei se confio nele.
Mas, nesse momento, eu escolho acreditar.
O palco, que antes significava o lugar em que eu realizava meus sonhos, agora vem se transformando em um espaço sombrio e opressor. O som de murmúrios e suspiros abafados se mistura com os passos apressados dos terroristas. Kai me colocou em seu casaco na floresta e me trouxe de volta para dentro. Ele deu desculpas para a nossa demora. Os outros me olharam estranho, mas não ousaram questionar Kai.Ele me colocou de volta no meu lugar, encostada na pilastra. Alguns minutos depois, trouxeram uma Noemie muito machucada e a jogaram junto dos outros. Eu não ousei olhar muito tempo em sua direção, não querendo imaginar o quanto a machucaram e muito menor deixar a culpa me corroer. Voltaram a negociar normalmente com o governo através de celulares descartáveis depois que perceberam que não há ninguém de grande valor entre nós. O que é um verdadeiro alívio para mim. A atmosfera permanece densa enquanto o relógio avança, levando-nos para o coração da madrugada. Eu estou aqui, amarrada novame
Capítulo 5Ele beija o meu pescoço. E eu arfo. — Você… — Minha voz soa um sussurro perdido no momento, enquanto as sensações estranhas tomam conta do meu corpo.Sensações que eu não deveria sentir. Pelo menos não por um criminoso. — O que tem eu?Eu suspiro, lutando com as borboletas idiotas que se agitam no meu estômago.— Você cheira a dias chuvosos… — É tudo o que eu consigo dizer quando a minha mente se fragmenta.A parte sensata está escondida, apenas observando de longe, mas há uma fita em seus lábios que a impedem de gritar para que eu ouça. Ela sempre esteve dominando e agora sente o quão ruim é ser dominada pela outra parte da minha consciência. Ele sorri contra a minha pele. Sinto sua mão deslizar pelas minhas costas, me pressionando ainda mais fortemente contra seu corpo duro e quente.Nunca senti um homem tão forte pressionado contra mim. É como se seus músculos fossem de pedras.Isso me diz mais sobre ele do que ele gostaria que eu soubesse. A tensão entre nós cresce
Capítulo 6O corpo de Kai é quente enquanto me carrega até o banheiro. Eu não tenho forças para andar sozinha. E eu sou uma dançarina… não consigo deixar de pensar no quão ferrada eu estou. Ele me deixa dentro de uma das pequenas cabines do chuveiro, fechando a porta para me dar privacidade. Em poucos segundos a água quente escorre pelo meu corpo, lavando as marcas do que acabara de acontecer. Observo, em silêncio, os vestígios do seu toque e de tudo o que havíamos feito desaparecer na água, seu esperma misturado com o meu próprio sangue. A dor ainda está presente, mas a sensação de estranheza domina minha mente. Não sou mais virgem. E apesar de nunca ter me apegado demais a esse termo, eu me sinto nua agora que ele foi tirado de mim. Por mais que eu queira me afastar de tudo isso, algo dentro de mim está confuso, atraído. Eu sei o que aconteceu, mas não sei o que eu realmente sinto sobre isso. Lá fora, Kai está se limpando. Eu posso ouvir seus movimentos, sua respiração, enquan
Capítulo 7Acordo com um choque. Não um susto comum, mas algo brutal e violento. Minhas roupas são agarradas com força, minha gola quase estrangulando meu pescoço enquanto sou erguida sem cerimônia dos assentos.Um grito escapa da minha garganta quando percebo um dos terroristas me agarrando, seus olhos brilhando com raiva.— Você devia ter nos contado! — Ele rosna na minha cara, e mesmo que esteja usando a máscara, eu me sinto aterrorizada.Meus músculos estão completamente tensionados, eu tento me afastar dele, me questionando o que diabos aconteceu enquanto eu dormia.— Temos que nos livrar dessa puta! — Ele grita para os outros, sua voz carregada de ódio e impaciência.Ele me segura como se eu fosse um lixo e estivesse prestes a me descartar. Um arrepio percorre a minha espinha, como se cada célula do meu corpo percebesse o perigo iminente.Um empurrão violento me joga contra a parede. Minha cabeça bate no concreto, e a dor lateja instantaneamente, mas meu pânico é maior do que qu
Capítulo 8 A palma da minha mão está úmida quando Kai a segura. Ele me guia de volta ao centro do teatro, onde o restante dos terroristas e reféns aguardam.A tensão é quase palpável. Os reféns estão amontoados, alguns em lágrimas, outros encarando o vazio com olhos mortos. Um calafrio percorre a minha espinha. Sou como eles, e ao mesmo tempo não sou.Será que eles notam a minha relação com Kai? Será que me culpam por não estar amarrada como eles, sofrendo lentamente como eles? Eles não são apenas outros reféns como eu para mim. Meu professor de balé está entre eles. Minhas colegas de dança. Jurados que eu estudei a vida inteira para lhes causar uma boa impressão. É muito triste como agora todos foram rebaixados ao mesmo título. Reféns. Porque mesmo que eu seja isso também, é notável a mão de Kai na minha, a forma como seu corpo se coloca na frente do meu de forma protetora. Os outros terroristas nos encaram, seus olhos passando de nossas mãos unidas até nossos rostos. — Estamos
Capítulo 9 O cheiro de pólvora e suor misturam-se ao ar pesado, carregado pela tensão crescente. O colete falso aperta em meu peito, repleto de dispositivos que devem parecer com bombas, quase como se fosse real. E a arma pressionada contra a minha têmpora parece mais fria a cada segundo.Não importa se é apenas a mão de Kai a pressionando contra mim, nem que ele esteja fazendo movimentos circulares nas minhas costas para me manter calma. Ainda é aterrorizador.Cada passo para fora do teatro é um ato de resistência contra o pânico que ameaça me dominar.— Continue andando, Amélie. — Kai sussurra atrás de mim, sua voz baixa e firme. Estranhamente reconfortante. — Lembre-se, eles precisam pensar que você está correndo perigo, que está com medo de mim. Que eu posso te machucar e isso a aterroriza, está bem?Meu corpo inteiro treme. Estou com medo. Mas não dele. Oh, céus. Não de Kai, mesmo sabendo o quão cruel ele pode ser com suas outras vítimas. Saber que é ele quem está aqui comigo é
Capítulo 10Alguns dias depois— Na noite de 17 de Novembro um grupo de terroristas invadiu o Teatro Coliseum e fez cerca de 22 pessoas de reféns, dentre elas as bailarinas que se apresentavam, o diretor de dança Julien Armand, a filha do deputado Moreau e cinco jurados que avaliavam o desempenho das jovens naquele momento. Durante a madrugada eles tentaram acordos com a polícia para trocar os reféns por dinheiro. No dia seguinte conseguiram um acordo com o deputado Moreau para que conseguissem fugir em troca da filha do deputado. — O homem começa a apresentar a reportagem.É a mulher sentada ao seu lado quem continua:— Eles entraram em um acordo e colocaram coletes bombas em todos os reféns, inclusive na bailarina Amélie Moreau. O problema ocorreu quando ao fazer a troca e enquanto os terroristas fugiam, uma equipe de desarmamento de bombas constatou que o colete em Amélie era falso. Logo, todos presumiram que as bombas em coletes eram apenas um blefe dos criminosos.— Conseguiram de
Capítulo 11Meu coração quase para quando o vejo, sentado no banco do motorista ao meu lado, como uma sombra sólida em meio ao caos que é a minha mente. Por um instante, acho que estou sonhando, que minha saudade e desespero estão criando essa visão.— Kai… — O nome dele escapa dos meus lábios em um sussurro trêmulo, carregado de choque e incredulidade. Ele está vivo. Ele está mesmo aqui.— Bailarina… — A voz dele soa rouca, mas há algo nela que faz meu peito apertar ainda mais.Eu sinto a força que sempre o definiu, mas agora há uma suavidade que eu não esperava. Eu não consigo me mexer. Estou paralisada, presa entre a realidade e os fantasmas dos últimos dias. Minhas mãos começam a tremer quando tento formar palavras, mas minha garganta trava.— Eu pensei… pensei que você podia ter… — Minha voz falha junto com uma batida do meu coração. Eu não consigo dizer. Não consigo pronunciar as palavras, como se ao fazer isso eu pudesse atraí-las de volta para a realidade. Ele se vira comp