Capítulo 3 - Perseguição

O ar ao meu redor parece sufocante, como se cada respiração que eu tentasse tomar fosse interrompida pelo medo, que nesse momento parece estar materializada como uma pedra no meu peito. 

Kai me guia pelo corredor estreito, suas mãos firmes segurando meu braço, mas não apertado. Há algo estranhamente reconfortante em seu toque, e eu não sei dizer o porquê. 

Ele está calado, o que pode deixar tudo ainda mais perturbador, no ponto de vista de uma vítima. 

Talvez ele só esteja pensando em coisas triviais, Amélie…

Tento me acalmar, evitando lembrar da forma brusca em que ela arrancou o colar do meu pescoço. 

Quando chegamos ao banheiro, ele abre a porta com cuidado, mas não me solta imediatamente, olhando dentro do cômodo com um olhar aguçado. Então seu olhar parece pesar sobre mim quando me solta, avaliando cada movimento meu, como se pudesse prever o que eu faria. 

— Entre. — Ele diz, sua voz baixa, quase um sussurro. 

Eu entra, porém meus pés criam raízes no chão quando percebo a situação. Ele não pretende fechar a porta. Eu o encaro, esperando que ele faça alguma coisa, mas ele apenas aponta rm direção a privada. 

Okay… zero privacidade…

Tremendo e sentindo meu estômago dar várias voltas, eu me ajoelho diante da privada. Meu corpo cede muito rapidamente. Todo o pânico, o medo e a ansiedade acumulados desabam de uma só voz. Vomito, sentindo minha garganta arder e as lágrimas escorreram dos meus olhos. 

A sensação é horrível… 

Me surpreendo com o toque suave de Kai segurando meu cabelo, afastando mechas do meu rosto com uma delicadeza surpreendente. Ele fica ali, em silêncio, esperando que eu termine com a minha própria tortura, quase como se não fosse a mesma pessoa que faz parte do pesadelo que me envolve. 

Quando meu estômago para de forçar a pouca comida de hoje para fora e eu me afasto da privada com um gemido frustrado, ele me estende um lenço. Suas mãos enluvadas são grandes. As minhas provavelmente ocupariam apenas a palma das suas. Porém o mais surpreendentemente é o quão gentis elas agem comigo. 

— Obrigada… — Murmuro, minha voz fraca e rouca. 

Ele me segura pelo cotovelo e eu levanto-me devagar, tentando encontrar algum resquício de dignidade em meio a humilhação. Mas não consigo olhar em seus olhos, minhas bochechas coradas demais pela vergonha para eu conseguir. 

Meus olhos fixam-se no chão, nas rachaduras do azulejo branco. 

— Preciso… preciso fazer xixi… — Sussurro, mal reconhecendo a minha própria voz. 

Me sinto fraca e vulnerável diante dessa situação. Não é nada legal. 

Kai inclina ligeiramente a cabeça ao me analisar, mas assente, finalmente me devolvendo um pouco da minha dignidade ao dizer: 

— Vou te esperar do lado de fora. — A porta se fecha atrás dele quando me deixa sozinha. 

Um suspiro de alívio escapa pelos meus lábios e minhas mãos tremem mais do que o normal. Por alguns segundos eu apenas fico ouvindo seus passos lentos do lado de fora. Meu coração b**e tão forta que parece ensurdecedor.

Essa é a chance perfeita para eu conseguir algo para fugir. 

Mas e se ele estiver me testando? Quer dizer, ele deve ter visto a janela acima da privada… ele está esperando que eu suja? Ele quer ver se eu terei coragem apenas para me pegar no ato e então me castigar? 

O banheiro está gelado, o ar pesado com o cheiro da neve. Meu corpo treme — não apenas pelo frio, mas pelo medo que se enraiza em mim. 

Eu tentei olhar disfarçadamente para a janela acima do tanque da privada, mas agora posso olhar melhor. Uma onda de esperança invade o meu peito. Talvez, apenas talvez, eu possa escapar. 

As engrenagens trabalham constantemente na minha cabeça enquanto tento lutar contra o meu medo. Em um impulso de adrenalina, subo na privada e me apoio no tanque acima dela, tentando não fazer barulho. A janela é pequena, mas eu sou uma bailarina magra e eu cuido do meu corpo desde os meus doze anos. 

Eu consigo passar! 

Apoio minhas mãos nas laterais, minha respiração curta e ofegante com o esforço. 

Consigo colocar metade do meu corpo para fora do prédio, sentindo o vento gélido do lado de fora em envolver. Os sussurros da noite, que normalmente costumam me amedrontar, dessa vez parece uma promessa de liberdade. Estico-me o máximo que posso, tentando fazer meu quadril deslizar pelo pequeno espaço da janela, mas se meus seios passaram, os quadris não deveria estar sendo um problema tão grande. 

— Amélie. — A voz de Kai chama, baixa, mas clara. 

Meu coração dispara. Não respondo. 

— Amélie! — Ele chama novamente, dessa vez mais firme.

Eu o ignoro com lágrimas nos olhos, forçando meu corpo para deslizar pela janela. O material de ferro machuca a minha pele, mas não me importo. Meu quadril está quase livre, mas a pressão contra a moldura da janela é quase insuportável. 

Só mais um pouco…

De repente, ouço a porta do banheiro se abrir com força.

— Porra! — Ele xinga, a voz cheia de frustração. 

Pelo pequeno espaço da janela, percebo ele tentar alcançar as minhas pernas, porém me empurro para fora com tanta força que consigo deslizar para fora.

Meu corpo cai com força no chão gelado do lado de fora, e um baque doloroso percorre minhas costas. Solto um gemido, lágrimas de dor escorrendo pelos meus olhos. 

Sinto vontade de me encolher e chorar, mas nesse instante Kai já deve estar dando a volta para me alcançar. 

Vamos, seja forte, Amélie. Não pare por conta de uma dor tão pequena… você é maior do que ela. 

Ignorando o latejar no meu corpo, me apoio nas minhas próprias mãos e me ergo, forçando minhas pernas a correr. A neve fria cobre o chão, dificultando meus passos, mas eu continuo. A floresta adiante é a minha única chance. 

Minha respiração sai em nuvens brancas, e meu coração parece prestes a explodir no peito. O silêncio da floresta é interrompido apenas pelos meus passos apressados e mancos e pelo som do vento soprando entre as árvores. 

Então, ouço. 

Passos. 

Pesados e rápidos, vindo atrás de mim. 

Meu coração para e o pânico toma conta. Corro mais rápido, mas meus pés escorregam na neve, meu corpo já cansado pela dor e pelo medo. 

Por favor, vá mais rápido…

— Não, por favor, não… — Sussurro no desespero, minha voz quase se perdendo no vazio da floresta. 

Antes que eu possa ir mais longe, sinto um peso enorme me derrubar, arrancando o ar dos meus pulmões. Caio no chão, a neve fria queimando minha pele. 

— NÃO! — Grito, me debatendo com todas as minhas forças. 

Mas é inútil. 

Kai está em cima de mim, suas mãos segurando meus pulsos acima da minha cabeça. De alguma forma, ele conseguiu me virar para encará-lo. Sua balaclava negra parece muito mais assustadora nesse cenário sombrio. 

— Amélie… — Ele sopra, sua voz firme, mas não agressiva. 

— Por favor… — Choramingo, sentindo o desespero escorrer pela minha voz, minha voz quebrada por soluços. — Por favor, me deixa ir. Eu faço qualquer coisa. Entrego todo o meu dinheiro, apenas me deixa ir. Eles vão me machucar. 

Ele inclina-se para mais perto, seus olhos azuis perfurando os meus. 

— Olhe para mim. — Ele diz, sua voz mais suave agora. — Eles não vão te machucar. Eu prometo. Olhe para mim. 

Eu tento desviar o olhar, mas algo em seus olhos me impede. Eles estão cheios de uma intensidade que eu não consigo decifrar, mas que me faz congelar. 

Não de medo… 

— Não vou deixar que te machuquem. — Repete, sua voz baixa, quase um sussurro. 

As lágrimas continuam a escorrer pelo meu rosto, e é quando sinto seus dedos cobertos pela luva tocarem a minha pele, limpando-as com uma delicadeza que não faz sentido vindo de alguém como ele. Ele está sentado em meu quadril, sem realmente colocar força. 

Estou paralisada, o encarando. 

— Por quê? — Pergunto, minha voz falhando enquanto tento entender suas motivações. — Por que você faria isso por mim, se Noemie foi espancada na sua frente e você não fez nada? Por que eu confiaria em você? 

Ele hesita por um momento, seus olhos cravados nos meus, então, para a minha surpresa, seus lábios se movem sob sua balaclava. Seus lábios formam um sorriso. 

Um pensamento idiota me ocorre: eu gostaria de ver. 

— Eu vi a sua apresentação… — Kai responde como se fosse algo óbvio. 

Eu pisco, surpresa. 

— Você viu? 

Ele estava na plateia? Ou me vendo de fora?

Ele assente, ainda sorrindo. 

— Estava incrível. Parecia que você nasceu para dançar. 

Minhas lágrimas cessam por um momento enquanto eu o encaro. É difícil entender o que ele está dizendo. Como alguém que faz parte de um grupo de terroristas pode ter assistido a minha apresentação e usar isso como motivo para não me machucar? 

Quer dizer, ele apreciou a minha apresentação? 

— Você usou uma referência no final. — Continua. — A coreografia foi inspirada em Le Jeune Homme et la Mort, certo? 

Meus olhos se arregalam. Ele sabe. Ele sabe exatamente a referência que eu usei, que nem mesmo meu professor de dança notou. 

— Quer saber o motivo? — Kai pergunta, inclinando-se para mais perto, seu rosto muito perto do meu agora, nossas respirações se misturando. — Quero ver você dançar outra vez. — Ele sussurra. 

Eu sinto meu rosto esquentar. Ele me olha por um momento, seus olhos nunca deixando os meus. 

— Então, minha doce bailarina… — Algo em meu estômago se contorce com o tom da sua voz. — Eu não posso deixar você fugir…

Seus dedos traçam a minha clavícula, deslizando pelo decote da minha roupa, um toque leve, mas que faz minha pele arrepiar. 

— Mas prometo que ninguém vai te machucar. — Ele completa, ainda me olhando. 

Algo dentro de mim muda nesse momento. Não é medo, mas algo mais profundo, algo que eu não quero admitir. 

Eu não sei se confio nele. 

Mas, nesse momento, eu escolho acreditar. 

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