Capítulo 4 - Tentação

O palco, que antes significava o lugar em que eu realizava meus sonhos, agora vem se transformando em um espaço sombrio e opressor. O som de murmúrios e suspiros abafados se mistura com os passos apressados dos terroristas. 

Kai me colocou em seu casaco na floresta e me trouxe de volta para dentro. Ele deu desculpas para a nossa demora. Os outros me olharam estranho, mas não ousaram questionar Kai.

Ele me colocou de volta no meu lugar, encostada na pilastra. Alguns minutos depois, trouxeram uma Noemie muito machucada e a jogaram junto dos outros. Eu não ousei olhar muito tempo em sua direção, não querendo imaginar o quanto a machucaram e muito menor deixar a culpa me corroer. 

Voltaram a negociar normalmente com o governo através de celulares descartáveis depois que perceberam que não há ninguém de grande valor entre nós. O que é um verdadeiro alívio para mim. 

A atmosfera permanece densa enquanto o relógio avança, levando-nos para o coração da madrugada. Eu estou aqui, amarrada novamente no pilar, vestindo o casaco quente de Kai como um mantra de que estou sob sua proteção. Ele vem se mantendo em silêncio a maior parte do tempo, seus olhos constantemente se voltando para mim com uma mistura de indiferença e algo mais que eu não consigo definir. 

Talvez esteja verificando que eu esteja bem? 

Não sei, não entendo Kai. Ele é como um enigma, difícil demais de resolver. Sem dicas, sem ajuda, sem conselho. Um enigma no modo mais difícil. 

Percebi alguns olhares de Noemie na minha direção. Algumas outras meninas também pareciam irritadas comigo, claramente me culpando pelo o que aconteceu, mas amedrontadas demais para falar como Noémie falou. 

Encolho-me, mais uma vez, sem saber o que fazer. O medo se espalha em meu peito como uma onda fria, e a sensação de estar completamente vulnerável me engole.

Os terroristas, no entanto, começam a relaxar um pouco. Alguns deles trazem garrafas de água para os reféns, tentando suavizar a tensão de alguma maneira. Um silêncio pesado cai sobre o palco, interrompido apenas pelos sussurros baixíssimos de algumas pessoas que tentam se aconchegar e dormir. Mas eu não consigo. Eu sei que a qualquer momento, a situação pode se agravar ainda mais. O medo me impede de descansar, de tentar fechar os olhos e escapar por um segundo da realidade.

É então que Kai aparece novamente. Ele se aproxima de mim sem dizer uma palavra, os passos silenciosos como de um predador que se aproxima de sua presa. Quando ele começa a desamarrar as cordas que me prendem ao pilar, o simples gesto me deixa tensa. Ele não está usando suas luvas e nossas mãos se tocam por alguns momentos. Ele tem tatuagem. 

Me pergunto quantas. 

O encaro enquanto ele me desamarra. Não sei se posso confiar nele. Kai me olha por um instante, como se tentasse entender o que se passa dentro de mim, e depois, em um movimento quase gentil, segura a minha mão, me erguendo e me guiando para um espaço mais isolado. 

— Vamos… — Ele sussurra e minha mente se enche de perguntas que não sei como responder.

Para onde está me levando e para quê? Eu deveria ficar com medo? Deveria lutar? 

— Você está muito tensa. Precisa de um pouco fe alívio. 

Olho para ele, percebendo que é a primeira vez que está brincando comigo. Kai me dá um aperto suave na mão e me leva até um cantinho escondido, o depósito daqui. 

Percebo que ele arrumou minimamente, fazendo uma mesa baixa improvisada e duas almofadas de assento. Eu fico surpresa ao perceber pizzas e salgadinhos sobre a mesa improvisada de madeira. Há também garrafas de refrigerantes. 

A visão da comida, depois de tantas horas de incerteza e pavor, é reconfortante, mas também traz um misto de sentimentos. 

Eu encaro Kai. Ele inclina a cabeça ligeiramente, apontando para a mesa. Ele quer que eu sente. 

Ergo uma sobrancelha. A bailarina dentro de mim grita, lembrando da dieta rigorosa que sigo, mas o que importa agora? Eu nem sei se vou sobreviver a isso.

Sorrio, mesmo de forma amarga, e pego uma fatia de pizza, sentando-me em uma das almofadas. 

— Que se dane a minha dieta de bailarina. — Murmuro para mim mesma, mordendo um pedaço da pizza. — Não podem me culpar por ficar gorda depois de ser mantida como refém, certo? 

Kai parece sorrir e se senta a minha frente, observando-me enquanto abre uma pequena garrafa de refrigerante, me entregando logo em seguida. 

— Você não vai ficar gorda por causa disso. Relaxe. 

Dou de ombros, sem vontade de argumentar. 

Há uma tensão no ar, algo que me faz sentir sua presença mais forte do que nunca. Seus olhos não saem dos meus, e por um momento, o medo dá lugar a algo mais… desconfortável. Não sei o que é, mas me sinto vulnerável diante dele de um jeito que nunca imaginei que fosse possível.

— Então, doce bailarina. — A forma como ele suave desliza pelos seus lábios de uma forma quase pertencente, sua voz grave e suave ao mesmo tempo. — Algum namorado? 

Eu me vejo surpresa pela pergunta, mastigando e engolindo antes de responder. 

— Não. — Respondo rapidamente. — Quer dizer, eu tinha um até algumas semanas atrás. Mas descobri que ele estava me traindo. — Dou de ombros. 

Vejo a expressão de Kai se retesar sob a máscara. Eu o observo com mais atenção. Ele solta uma risada baixa, mas não zombadora. 

— Que vacilão. — Ele nega com a cabeça. — Me deixa adivinhar, um garoto popular da sua escola?

Franzo o cenho. 

— Como você sabe? 

— Imagino que esse seja o tipo de garoto que garotas como você namorem.

Eu não gosto de como isso parece. 

— E com que tipo de garota, caras como você gostam? 

Ele me olha de maneira enigmática. Mas não responde. Eu continuo o sondando, querendo alguma coisa, qualquer coisa, sobre ele. 

— Kai é seu nome verdadeiro? 

— Você pode me chamar assim, então é meu nome. — Ele responde de forma simples, contornando a minha pergunta. 

Eu o encaro por um momento. A sua figura a minha frente deveria ser assustadora, não é? Um homem muito maior do que eu, sentado no chão à minha frente, cheio de músculos e com uma balaclava, com uma arma do tamanho do seu braço apoiada na parede ao seu lado. Eu nem faço ideia de como é o seu rosto. 

É uma visão perturbadora… 

— Quantos anos você tem?

Ele parece franzir o cenho, e por um instante, parece que a pergunta o pegou de surpresa. 

— Sou mais velho que você. 

— Isso eu sei. — Tento controlar a minha irritação, mas parece diverti-lo. — Mas… quanto? Você não parece ter trinta anos ou mais. 

Seus olhos brilham com um sorriso quase desafiador.

— Você é boa em deduzir, vou deixar para sua imaginação. 

Eu não sei se ele está brincando comigo ou se está sendo sério, mas algo em seu tom me deixa com um calafrio na espinha. Ele é enigmático, sempre jogando com o desconhecido, e isso me faz querer saber mais. Ao mesmo tempo, tenho medo do que ele pode me esconder.

— Está com medo que eu o entregue? — A pergunta sai da minha boca antes que eu consiga controlá-la, e imediatamente me arrependo.

Ele arqueia uma sobrancelha, sua expressão mudando ligeiramente, mas não é de raiva. Em vez disso, há um certo brilho de diversão em seus olhos. 

— Gosto de me manter no anonimato. — Ele diz com um tom baixo e quase sedutor. — Além do mais… não é mais excitante assim?

Ele se aproxima mais de mim, a distância entre nós diminuindo a cada segundo, seu joelho esbarrando no meu. Antes que eu tenha tempo de reagir, ele coloca a mão em minha cintura, me puxando de forma inesperada. Eu fico paralisada por um instante, sentindo meu coração bater mais rápido. Ele me puxa mais para perto, de forma possessiva, e posso sentir a pressão de seu corpo contra o meu. O calor de sua pele contrasta com a frieza do ambiente ao nosso redor.

A tensão é palpável. Eu sinto algo em meu corpo que nunca senti antes, e embora minha mente esteja gritando para me afastar, meu corpo não obedece. Tudo ao meu redor se dissolve, e a única coisa que eu posso sentir é a proximidade dele, a maneira como ele me observa, como se estivesse esperando por algo.

— Sabe, você realmente é… interessante. — Ele murmura, sua voz carregada de uma intensidade que me faz tremer. — Mas não posso deixar você fugir assim, não sem antes… 

Ele não termina a frase, mas a sugestão paira no ar como uma ameaça e uma promessa ao mesmo tempo.

Eu tento me afastar, mas ele não me solta. 

— Kai… — Murmuro, minha voz falhando um pouco. — Isso é… errado. 

Você está me mantendo refém! — É o que eu quero dizer. Quão doente eu seria por deixar um terrorista que me mantém como refém fazer qualquer coisa íntima comigo?

Ele sorri, um sorriso suave, mas cheio de algo que eu não consigo identificar. Ele move um pouco a balaclava, revelando seus lábios, e por um momento, tudo o que eu consigo ver são eles.

Seus olhos parecem uma combinação perfeita. Azuis. Profundos. Hipnotizantes.

— Não é errado se você quiser. — Ele responde com uma tranquilidade assustadora. — E você quer, Amélie.

Eu sinto minha respiração falhar, meu coração batendo rápido demais em meu peito. 

Isso é… estúpido. Eu não posso querer alguma coisa. Não com ele. Não tão rápido.

Quer dizer, levou duas semanas de flerte para eu beijar o garoto que eu gostava. Mais um mês para deixar ele passar a mão na minha bunda. Três meses para deitarmos na mesma cama enquanto nos beijamos. E nunca fiz nada além disso. 

Quanto tempo desde que nos conhecemos? Algumas horas? E as circunstâncias são ridículas! 

Eu definitivamente não quero! 

Mas por que ele está me olhando como se soubesse exatamente como minha alma funciona? 

Ele não diz mais nada. As palavras caem no vazio, e o espaço entre nós se torna insuportável, cheio de uma tensão que me faz questionar tudo o que sei sobre mim mesma. Eu sou uma bailarina. Eu sou forte. Mas neste momento, diante dele, sinto-me pequena e vulnerável, não de uma forma ruim, como uma garota fraca, mas sim… necessitada. Quebrada de uma maneira que eu não consigo explicar. 

As palavras que ele diz a seguir são suaves, quase como um suspiro: 

— Não vou te machucar. Eu prometo. 

— Isso é loucura… — Sussurro, mas não consigo me afastar quando seu rosto se aproxima do meu.

Seus lábios roçam o meu maxilar com uma delicadeza impressionante, mas o suficiente para enviar arrepios por todo o meu corpo. A sensação da sua pele na minha é eletrizante. Eu sinto a aspereza do seu maxilar contra o meu, como além de duro e forte, há também indícios de uma barba raspada. 

— Sim, e daí? Você quer ou não, Amélie? Me peça para parar agora se quiser que eu pare.

Ele olha intensamente em meus olhos. Um arrepio percorre a minha espinha, e eu sei o que deveria dizer: Pare, isso é errado. Mas eu gaguejo, as palavras não querendo sair dos meus lábios

como se até mesmo elas me acusassem de ser uma mentirosa.

Ele puxa ainda mais meu quadril, de forma que eu me encontre sentada sobre suas coxas.

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