Em uma noite qualquer...
— Vamos mano! Último round!
— Precisamos evitar mais uma derrota!
— Não seja medroso! Protege a bomba! É você contra ele!
Auro soltou o controle, deixando-o cair sobre o tapete da sala. Jogou seu corpo para trás no sofá e desabafou:
— Foi mal, cara! Você sabe que não consigo me concentrar sob pressão. Ainda encarava seu personagem morto na tela do pc enquanto o time inimigo desarmava a bomba.
— Torcer para estar sem kit!.
Bebeu as últimas gotas de refrigerante dentro da latinha.
A bomba foi desarmada e era mais uma derrota para a equipe.
Do outro lado do fone, um suspiro foi dado.
— Mais uma vez perdemos porque jogamos na defensiva! — disse Mia, deslogando do jogo.
— Obrigado Auro e Ruben! Vocês jogam muito! — sarcasticamente, Odisseu se despediu da equipe.
— Meninos! Não liguem para eles. Estão nervosos pela 5ª partida seguida que perdemos. Ainda amo vocês! Até a próxima! — Gloria partiu, ficando offline.
Na sala de espera da partida ficaram apenas Ruben e Auro, que agora olhava para o teto da sala e sentia uma leve brisa que entrava pela janela misturando-se com a luz do luar.
— Auro, ainda está aí, maninho?
— Sim, meu parça. O que manda? — esperou ouvir mais conselhos sobre como deveria se comportar durante as partidas, mas seu amigo virtual caçoou:
— Preciso ir dormir. Não aguento mais te carregar nas costas! Você é muito pesado!
O garoto olhou para a janela que lhe oferecia um céu estrelado.
— Só porque sou gordo, fica de piadinha, né?
Ruben riu: — Estou apenas te sacaneando, “Bruce”!
Quando ouviu isso, Auro se lembrou do que acontecera com os pais. Há 13 anos, após saírem do cinema, se envolveram em um acidente de trânsito e não resistiram aos ferimentos.
Naquele dia, deixaram o bebê aos cuidados do avô materno. Um sentimento de tristeza atingiu seu peito, deitou-se no sofá e disse:
— Ruben, vai dormir. Já tá passando dos limites e vou ser obrigado a ir aí te pegar de porrada, “Weasley”!
— Essa foi boa, maninho! Não vejo a hora de te conhecer amanhã na convenção! Te amo, cara! Até mais — ficou offline.
Desde pequeno, Auro se sentia incapaz de encarar a vida. Tímido, inocente, triste, envergonhado e medroso eram alguns adjetivos que escutava das pessoas.
Apesar de sempre estar sendo motivado pelo avô, tinha dificuldade em se socializar com as outras crianças e, através dos jogos online, encontrou um refúgio contra aquela realidade.
Desde a infância, seu reflexo no espelho deixava-o mais refém de seus pensamentos, ganhou peso por não suportar a ausência dos pais, sentia-se diferente pela cor de sua pele e o medo da interação social era um prato cheio para alimentar a imaginação das crianças mais maldosas que lhe deixavam de lado no recreio e durante as brincadeiras, por isso, era no mundo virtual que se sentia incluso.
Não precisava ter um rosto, personalidade, carisma, medo dos olhares e dos julgamentos maldosos.
Pouco a pouco encontrou o seu próprio “Clube dos Cinco”: Mia, Auro, Ruben, Gloria e Odisseu que se conheceram durante uma partida.
A partir daquele dia, trocavam conversas pelo b**e papo da sala e, apesar de viverem na mesma cidade, nunca se conheceram pessoalmente.
Falavam de tudo, tiravam sarro um do outro e não guardavam rancor porque tudo ali, ao seu modo de ver, era apenas um lugar para se distrair. A única pessoa em que confiava era o avô, Jonas.
Sem perceber, pegou no sono e acordou com a luz da manhã em seu rosto e com seu avô em frente ao sofá.
— Você é bobo mesmo hein, garoto! Uma cama quentinha pra dormir e dorme ai neste sofá velho...hahaha— Vô, que horas são? — espreguiçou-se e se pôs em pé.
— É hora de você acordar, tomar um banho, café da manhã e pegar suas coisas para irmos para a tal convenção junto com seus amigos.
Auro olhou o relógio pendurado na parede, marcava 08:30hs. Saiu correndo pela casa:
— Estou atrasado! Jonas se divertia com aquela situação. Ver o neto naquela euforia fez-lhe lembrar da sua filha e uma lágrima correu do seu olho.
Rapidamente, Auro estava preparado para a convenção da Amizade. Banho tomado, vestiu sua camiseta verde de gola “V”, uma bermuda jeans e seu tênis surrado.
Pegou sua shoulder bag ou bolsinha, como diria o avô, seu relógio “maneiro” e se olhou no espelho: — Espero que nada saia do controle!
Correu para tomar o café da manhã e, quando menos, seu avô estacionava em frente ao Centro de Convenção Tocantins.
Auro, apesar de ter seus 15 anos, não vivera aquele tipo de experiência se deleitando ao ver os mais diversos cosplayers com as fantasias de jogos, animes e tudo que se possa imaginar.
As luzes brilhantes e a batida da música faziam seu interior se encher de energia, queria logo encontrar a galera do seu clube e, por onde caminhava, a alegria estampada no rosto das pessoas era o que mais lhe agradava.
Andaram por vários corredores passando por estandes de livros, pintura, jogos, entre, até ver ao longe a atração principal: “The Black Zodiac”.
O novo jogo que seria lançado no próximo fim de semana que estava sendo divulgado pelos organizadores do evento.
Percebeu que ao lado de uma cabine, havia um garoto ruivo, com roupas de bruxo e segurando uma varinha que olhava fixamente para a cortina que cobria a entrada da cabine com a estampa de “Virgie”, a personagem principal de The Black Zodiac.
— Olha vô, aquele deve ser o Ruben!
Jonas deu um sorriso para o neto, se despediu dizendo que voltaria ao meio dia para almoçarem. Assim que partiu, Auro saiu correndo em direção ao amigo e falou:
— Fecha a boca, otário! — colocando a mão no queixo do jovem que deu um pulo guardando o objeto por dentro da capa.
— Que susto, doidão! Vem cá, você deve ser o Auro, né?
Antes que respondesse, Ruben abraçou-o.
— Você veio mesmo. Hahaha
Apesar de ser a primeira vez que se encontravam, uma boa vibração vinha daquele abraço sincero.
— Hey, cara. Teve coragem mesmo de vir fantasiado?!?!— Segurou a capa do amigo que deu um pulo e deixou cair um cartão verde.
Ligeiramente, “Weasley” se abaixou e pegou o cartão fingindo que nada aconteceu.
— Ruben, o que é isso?
O jovem ruivo mudou de fisionomia, tentando mudar de assunto, apontou o dedo em direção a um rapaz alto de cabelo preto e curto, que discutia com uma atendente em frente a um estande.
Com uma roupa medieval, capa vermelha e segurando um escudo debatia o porquê de não poder entrar com seu escudo.
— Esse Odisseu é uma figura mesmo! — exclamou dando risada do amigo.
— Esse cosplay de Eric tá um sarro!...haha!..., mas Auro permanecia ao seu lado curioso.
— Vai me contar ou não sobre este cartão, Ruben? Pensei que fossemos amigos.
Ruben suspirou forte, olhou para Auro, balançou a cabeça enquanto cerrava os lábios e saiu andando em direção a Odisseu.
Sem entender aquela situação, Auro, deu dois passos para trás, cruzou os braços, encostou a cabeça na lateral de uma cabine e começou a refletir enquanto assistia Ruben consolando Odisseu por não conseguir adentrar ao local do jogo de tiro:
“— O que será que fiz de errado?”
“— Será que devo ir até eles?”
“— Então, realmente não consigo ter amigos no mundo real?”
“— Todos esses anos jogando juntos não valeram nada no final das contas?”
— Está tudo bem, garotinho? — uma voz doce veio de encontro ao seu ouvido esquerdo. Em um choque de realidade, corrigiu a postura ajeitando sua camiseta que já transparecia a sua barriga por cima da bermuda. — Sim, moça! — respondeu abaixando a cabeça. Lentamente, olhou para o lado e viu uma mulher fantasiada de Virgie, a personagem do novo jogo que tanto aguardara. Não sabendo que atitude tomar, começou a andar, mas foi segurado por ela. — Calma, não precisa se envergonhar! Olha pra mim! Um longo vestido preto com um uma faixa verde na cintura lhe cobria o corpo deixando apenas os braços nus. Em seu pulso, um bracelete de serpente e nas orelhas, dois brincos com diamantes verdes. — Quer ver uma coisa bacana? — indagou enquanto passava a mão sobre a cortina da cabine que até pouco tempo estivera Ruben. Quando a moça puxou a cortina, uma luz intensa brilhou. Virgie entrou na cabine, se virou e... — Venha Auro! — fez um gesto com a mão para o garoto que estava boquia
O professor anunciou: — Enfim, chegou o grande dia. Após um mês de longas partidas conheceremos os grandes campeões do 60°Torneio do Tempo do Colégio “General Câmara”. — Senhoras e senhores! Dois competidores, com estilos diferentes, estão prestes a se enfrentar em apenas uma partida pelo título de novo campeão do 5°Torneio de xadrez do nosso colégio. “— Precisa de tanta algazarra? É só mais uma partida.” Renan refletia encarando sua oponente do outro lado do tabuleiro enquanto o professor Orpheu se deliciava apresentando os jovens enxadristas à plateia. O Torneio do Tempo acontecia a cada quatro anos e contemplava vários estilos de jogos: xadrez, dama, ludo, entre outros. Neste dia, entre tantos alunos, pais e professores, estava Thereza apreensiva vendo seu filho sentado na cadeira no centro do ginásio. Apesar de não entender de xadrez, observava atentamente o painel suspenso acima dos jogadores. “— É hoje que vou tirar esse sorrisinho esnobe da cara dela!” — pe
Renan aproximou-se mantendo a postura ereta e com ar superior, falou: — Damas?!? —Sim! Damas. Não sabe jogar? — o senhor questionou-o colocando as mãos sobre a lateral do tabuleiro construído sobre a mesa. — Sei jogar, mas é uma perda de tempo! — Desdenhou e virou-se. — O que você sabe sobre o tempo? Pelo que pude observar foi ele que te fez perder o torneio do colégio, não é mesmo?! Renan virou-se e perguntou: — Quem é você? Prontamente, o senhor respondeu: — Eu?? Sou apenas alguém querendo jogar damas! Renan analisou aquele homem petulante. Aparentava ter uns 50 anos, branco, baixinho, gordinho de bochechas rosadas, olhos verdes e um cavanhaque grisalho que cobria toda sua boca, além do cabelo curto e grisalho abaixo de uma boina cinza. Vestia uma camiseta branca com um sobretudo preto, uma calça social preta e um sapato cinza.Notou ainda, que havia uma pequena corrente prateada presa entre a calça e algum objeto dentro do sobretudo. — Não fique ai me encarand
Era chegada a tão esperada noite de sexta-feira. Em seu quarto, Giulia se preparava para curtir. Fazendo os últimos retoques em sua maquiagem escutava sua música favorita no notebook, Fear of The Dark do Iron Maiden. Embalada pelo ritmo, a jovem garota terminara de passar seu batom preto e se jogou sobre a cama pensando em como terminaria aquela noite. Observou, vários objetos espalhados entre a estante e as prateleiras fixadas na parede. Segundo ela, era uma forma de proteção contra as forças ocultas do além e, por isso, gerava muita discussão com o avô, Carlos. Quadros, esculturas de gesso, pôster de bandas de rock, medalhões, cartas de tarô, bichos de pelúcia, revistas de maquiagem, pentagrama e incenso se misturavam ali, sinal de uma adolescente que ainda procurava se descobrir internamente. E, claro, encarava a foto de Adam que estava entre cartas e bonequinhos de vodu. — Ai Adam! — suspirou. O quarto sombrio era iluminado pela tela do notebook, velas vermelhas e br
— Está sim! Encontro vocês lá daqui a pouco. — confirmou Ramon saindo para atender outro cliente. Giulia olhou no relógio fixado na parede do bar, faltava meia hora para dar meia noite e um arrepio percorreu o seu corpo. — Vamos Giu. Termina de beber que precisamos ir. Giulia bebeu encarando Ramon, um rapaz branco, baixinho de cabelo preto e curtinho. Olhos castanhos e, quem olhava atentamente, repararia os dentes desalinhados. Sem questionar aquela conversa, partiram em direção a saída, foram em silêncio até o estacionamento e entraram no carro. — E aí? O que está rolando? — Giu fitou a amiga. — Você já ouviu falar sobre o mito dos 15 anos de Joaquim Ledô? Giulia deu risada. Já escutara sobre, mas seus conhecimentos sobre o ocultismo faziam-na achar graça naquela velha história para assustar crianças. Cruzou os braços entre o ventre e falou: — Sim, já me falaram, mas gostaria de ouvir a sua versão. — Então! Muito bem. Dizem que Joaquim Ledô era um senhor
Os quatro se entreolharam e Adam disse: — Quinhentos Vans?! Achei o que o pai dele tivesse mais dinheiro. hahaha— e saiu à procura da pirâmide. Os demais se dispersaram com as suas lanternas. Giulia foi em direção ao centro e refletia: “— Não sabia que Adam era assim. Perda de tempo.” — E o que eu estou fazendo aqui? Acham que andar no cemitério neste horário me assusta? — falou entre os túmulos. Um clarão apareceu no céu e um trovão foi ouvido. — Que estranho! Olhou para o céu enquanto uma chuva fina caia manchando sua maquiagem. — Parece que o mundo está acabando lá fora e aqui dentro, temos esta chuva fina. A garota permaneceu estática, foi quando o barulho de um gato foi ouvido o que a fez virar a lanterna um gato preto a fixava com os olhos verdes. Avistou um pequeno objeto triangular na coleira do animal e, ao apontar a lanterna, viu que era o tal cristal. O gato saiu em disparada, Giulia correu atrás dele parando em um dos corredores e avistou o
Flutuando pelo museu Paulo Marzola, Otavius indagava-se: “— O que estou fazendo aqui?” “— Quem são essas pessoas?” De repente, fitava a cena que acontecia numa das salas. Um garoto ruivo aparentava estar chorando enquanto uma mulher de cabelo ruivo e curto entregava-lhe um quadro. Otavius se aproximou visualizando um borrão de uma pintura que parecia ser peixes com alguns tons de azul. — O que você está fazendo aqui? — ela indagou-o.— Não tens permissão para estar aqui. Em instantes, estava a sós com o garoto que segurava um pequeno cartão e que parecia estar escrito “Pisces”. Num piscar de olhos, Otavius caminhava pelo zoológico da cidade até ver-se em frente à jaula de um leão que logo, transfigurou-se em um homem de meia idade, corpulento com seu longo cabelo loiro que estava preso por uma fita verde. Viu o homem retirar a fita verde entregando-a para uma bela garota loira que segurava um cartão branco, virando-se para ele gritou: — Toma seu rumo! Não tem
Otavius riu e falou: — Que exagero. Quem viria até aqui para fazer isso? — desdenhou. Num piscar de olhos, um estampido percorreu o ambiente e Otacilia caiu aos pés do marido. Toni abaixou-se, desesperado sobre o corpo da esposa. Otavius entreviu um homem se aproximando apontando um revólver e disparando contra seu pai. O jovem rapaz acompanhava toda a cena em câmera lenta como se fosse um filme de terror, deixando o livro cair sobre o chão, e nada daquilo fazia sentido. “— Estou sonhando? Não! Nem meu pior pesadelo seria tão cruel.” — refletia e balbuciava. O coração bombeava sangue para seus membros. Sua razão e suas pernas mostravam-lhe o caminho para fugir, mas sua emoção e seus braços diziam-lhe para lutar. Sentia um frio intenso na barriga e um aperto no peito que se transformaram em lágrimas. — O que foi garoto? Por que choras? — o atirador perguntou-lhe. — Quem é você? O que te dá o direito de tirar a vida deles? — respondeu colocando as mãos sobre a face.