Cap.2 - Auro

   Em uma noite qualquer...

   — Vamos mano! Último round!

   — Precisamos evitar mais uma derrota!

   — Não seja medroso! Protege a bomba! É você contra ele!

   Auro soltou o controle, deixando-o cair sobre o tapete da sala. Jogou seu corpo para trás no sofá e desabafou:

   — Foi mal, cara! Você sabe que não consigo me concentrar sob pressão. Ainda encarava seu personagem morto na tela do pc enquanto o time inimigo desarmava a bomba.

     — Torcer para estar sem kit!.

      Bebeu as últimas gotas de refrigerante dentro da latinha.

      A bomba foi desarmada e era mais uma derrota para a equipe.

      Do outro lado do fone, um suspiro foi dado.

      — Mais uma vez perdemos porque jogamos na defensiva! — disse Mia, deslogando do jogo.

      — Obrigado Auro e Ruben! Vocês jogam muito! — sarcasticamente, Odisseu se despediu da equipe.

      — Meninos! Não liguem para eles. Estão nervosos pela 5ª partida seguida que perdemos. Ainda amo vocês! Até a próxima! — Gloria partiu, ficando offline.

   Na sala de espera da partida ficaram apenas Ruben e Auro, que agora olhava para o teto da sala e sentia uma leve brisa que entrava pela janela misturando-se com a luz do luar.

   — Auro, ainda está aí, maninho?

   — Sim, meu parça. O que manda? — esperou ouvir mais conselhos sobre como deveria se comportar durante as partidas, mas seu amigo virtual caçoou:

   — Preciso ir dormir. Não aguento mais te carregar nas costas! Você é muito pesado!

   O garoto olhou para a janela que lhe oferecia um céu estrelado.

   — Só porque sou gordo, fica de piadinha, né?

   Ruben riu: — Estou apenas te sacaneando, “Bruce”!

   Quando ouviu isso, Auro se lembrou do que acontecera com os pais. Há 13 anos, após saírem do cinema, se envolveram em um acidente de trânsito e não resistiram aos ferimentos.

   Naquele dia, deixaram o bebê aos cuidados do avô materno. Um sentimento de tristeza atingiu seu peito, deitou-se no sofá e disse:

   — Ruben, vai dormir. Já tá passando dos limites e vou ser obrigado a ir aí te pegar de porrada, “Weasley”!

   — Essa foi boa, maninho! Não vejo a hora de te conhecer amanhã na convenção! Te amo, cara! Até mais — ficou offline.

   Desde pequeno, Auro se sentia incapaz de encarar a vida. Tímido, inocente, triste, envergonhado e medroso eram alguns adjetivos que escutava das pessoas.

   Apesar de sempre estar sendo motivado pelo avô, tinha dificuldade em se socializar com as outras crianças e, através dos jogos online, encontrou um refúgio contra aquela realidade.

   Desde a infância, seu reflexo no espelho deixava-o mais refém de seus pensamentos, ganhou peso por não suportar a ausência dos pais, sentia-se diferente pela cor de sua pele e o medo da interação social era um prato cheio para alimentar a imaginação das crianças mais maldosas que lhe deixavam de lado no recreio e durante as brincadeiras, por isso, era no mundo virtual que se sentia incluso. 

   Não precisava ter um rosto, personalidade, carisma, medo dos olhares e dos julgamentos maldosos.

   Pouco a pouco encontrou o seu próprio “Clube dos Cinco”: Mia, Auro, Ruben, Gloria e Odisseu que se conheceram durante uma partida.

A partir daquele dia, trocavam conversas pelo b**e papo da sala e, apesar de viverem na mesma cidade, nunca se conheceram pessoalmente.

   Falavam de tudo, tiravam sarro um do outro e não guardavam rancor porque tudo ali, ao seu modo de ver, era apenas um lugar para se distrair. A única pessoa em que confiava era o avô, Jonas.

   Sem perceber, pegou no sono e acordou com a luz da manhã em seu rosto e com seu avô em frente ao sofá.

   — Você é bobo mesmo hein, garoto! Uma cama quentinha pra dormir e dorme ai neste sofá velho...hahaha— Vô, que horas são? — espreguiçou-se e se pôs em pé.

   — É hora de você acordar, tomar um banho, café da manhã e pegar suas coisas para irmos para a tal convenção junto com seus amigos.

   Auro olhou o relógio pendurado na parede, marcava 08:30hs. Saiu correndo pela casa:

   — Estou atrasado! Jonas se divertia com aquela situação. Ver o neto naquela euforia fez-lhe lembrar da sua filha e uma lágrima correu do seu olho.

   Rapidamente, Auro estava preparado para a convenção da Amizade. Banho tomado, vestiu sua camiseta verde de gola “V”, uma bermuda jeans e seu tênis surrado.

   Pegou sua shoulder bag ou bolsinha, como diria o avô, seu relógio “maneiro” e se olhou no espelho: — Espero que nada saia do controle!

   Correu para tomar o café da manhã e, quando menos, seu avô estacionava em frente ao Centro de Convenção Tocantins.

   Auro, apesar de ter seus 15 anos, não vivera aquele tipo de experiência se deleitando ao ver os mais diversos cosplayers com as fantasias de jogos, animes e tudo que se possa imaginar.

   As luzes brilhantes e a batida da música faziam seu interior se encher de energia, queria logo encontrar a galera do seu clube e, por onde caminhava, a alegria estampada no rosto das pessoas era o que mais lhe agradava.

   Andaram por vários corredores passando por estandes de livros, pintura, jogos, entre, até ver ao longe a atração principal: “The Black Zodiac”.

   O novo jogo que seria lançado no próximo fim de semana que estava sendo divulgado pelos organizadores do evento.

   Percebeu que ao lado de uma cabine, havia um garoto ruivo, com roupas de bruxo e segurando uma varinha que olhava fixamente para a cortina que cobria a entrada da cabine com a estampa de “Virgie”, a personagem principal de The Black Zodiac.

   — Olha vô, aquele deve ser o Ruben!

   Jonas deu um sorriso para o neto, se despediu dizendo que voltaria ao meio dia para almoçarem. Assim que partiu, Auro saiu correndo em direção ao amigo e falou:

   — Fecha a boca, otário! — colocando a mão no queixo do jovem que deu um pulo guardando o objeto por dentro da capa.

   — Que susto, doidão! Vem cá, você deve ser o Auro, né?

   Antes que respondesse, Ruben abraçou-o.

   — Você veio mesmo. Hahaha

   Apesar de ser a primeira vez que se encontravam, uma boa vibração vinha daquele abraço sincero.

   — Hey, cara. Teve coragem mesmo de vir fantasiado?!?!— Segurou a capa do amigo que deu um pulo e deixou cair um cartão verde.

   Ligeiramente, “Weasley” se abaixou e pegou o cartão fingindo que nada aconteceu.

   — Ruben, o que é isso?

   O jovem ruivo mudou de fisionomia, tentando mudar de assunto, apontou o dedo em direção a um rapaz alto de cabelo preto e curto, que discutia com uma atendente em frente a um estande.

   Com uma roupa medieval, capa vermelha e segurando um escudo debatia o porquê de não poder entrar com seu escudo.

   — Esse Odisseu é uma figura mesmo! — exclamou dando risada do amigo.

   — Esse cosplay de Eric tá um sarro!...haha!..., mas Auro permanecia ao seu lado curioso.

   — Vai me contar ou não sobre este cartão, Ruben? Pensei que fossemos amigos.

   Ruben suspirou forte, olhou para Auro, balançou a cabeça enquanto cerrava os lábios e saiu andando em direção a Odisseu.

   Sem entender aquela situação, Auro, deu dois passos para trás, cruzou os braços, encostou a cabeça na lateral de uma cabine e começou a refletir enquanto assistia Ruben consolando Odisseu por não conseguir adentrar ao local do jogo de tiro:

   “— O que será que fiz de errado?”

   “— Será que devo ir até eles?”

   “— Então, realmente não consigo ter amigos no mundo real?”

   “— Todos esses anos jogando juntos não valeram nada no final das contas?”

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