São Paulo, inverno brasileiro.
- Hora de voltar a realidade, bebê.
Jheniffer saiu da cama, dando as costas para Bruno, o rapaz de ombros largos e abdômen trincado, esparramado na cama. Ele admirou o corpo dela. Uma perfeição. Uma grande tatuagem se destacava nas costas da moça.
- Linda essa tattoo. O que significa?
Ela se virou.
- É um nó celta, um amuleto. Significa trindade, unidade e eternidade.
- Que profundo.
Ele abraçou o travesseiro.
- Quero fazer um mantra no braço direito, Bruninho.
Jheniffer esvaziou a taça de champanhe. Em seguida, vestiu a lingerie preta.
-Seria capaz de ficar a vida inteira aqui, Jheniffer.
Ela sorriu.
- A vida não é só prazer e glamour.
- Seus treinos têm dado resultado. Você está com um corpo incrível.
- Sei disso. Você não é o único que repara. Tenho que voltar ao trabalho. Vou passar no fórum pra recolher uns documentos.
Ela sentou-se na cama pra calçar as sandálias. Bruno a abraçou.
- Foi mara. Teremos um replay?
Ela colocou o relógio, a pulseira e os brincos.
- Eu decido isso. Proibido se apaixonar ou querer compromisso. Data vênia, nem pense em namoro. Se contente em ser meu crush.
O brilho dos olhos dele sumiu.
- Foi tão ruim assim?
Ela o beijou.
- Foi ótimo.
Ela se levantou e pegou a bolsa, que estava ao lado da roupa e da arma dele, sobre o aparador do quarto de motel. Bruno estava há sete anos na polícia militar.
-Vai mesmo prestar o concurso pra delegado?
- Certamente, doutora Jheniffer. Que acha de me dar algumas aulas?
-Minhas aulas são caras. Quinhentos reais por hora.
- Caraca, mulher. Muito caro. Melhor pagar um cursinho ou baixar algumas provas de editais anteriores, pela internet.
- Está bem, futuro delegado Bruno Alcântara.
- Esse momento já está gravado no meu coração, Jheniffer. Foi mágico.
Ela o encarou. Bruno era esbelto, lindo. Os cabelos encaracolados como a estátua de Davi, de Michelangelo.
- A gente se vê na academia. Beijos.
Ela saiu. Retocou o batom no retrovisor do seu carro e ligou o rádio.
- Que homem gostoso, meu Deus. Um macho alfa em extinção. Bom de pegada mas um pouco pegajoso. Já quer namoro depois do primeiro encontro? Ninguém é perfeito.
Em meio ao trânsito, ela aumentou o volume do rádio quando começou a tocar Girls Like You, do Maroon 5. O celular vibrou.
- Stefany, sua louca. Sim, estarei às dezoito na FitnessUp. Passo pra lhe pegar. Beijos.
O veículo entrou na garagem do luxuoso edifício, no bairro do Morumbi. Jheniffer saiu do carro, tirando os óculos escuros. A bolsa Prada, a maleta com documentos a tiracolo. Ela caminhou até o elevador. Já no seu apartamento, as mensagens chegavam, uma após a outra. Ela jogou o aparelho sobre o sofá, assustando seu gato.
- Desculpa, Théo. Vem aqui abraçar a mamãe. Preciso de um banho.
Jheniffer Stuart era uma jovem advogada que primava pela beleza, inteligência e independência. Uma linda morena, de olhos azuis e corpo escultural. Tinha um rosto simétrico, um nariz empinado, a boca carnuda e bem delineada. No queixo, uma charmosa covinha. Após o banho, ela se jogou no sofá.
- Vamos ver as mensagens. Grupo de família brigando por política. Grupo dos advogados. William chamando pra uma pizza. Não, estou fitness. Se fosse um convite pra um açaí, talvez. Túlio mandou emojis e escreveu saudades. Só se for de tudo que a gente não viveu. Como essa galera consegue meu celular?
Ela lembrou que havia fixado o cartão de visitas, do escritório de advocacia, no mural da academia. No cartão tinha seu telefone de contato.
- Hércules, do Tinder. Não quero outro encontro, fofinho. Tenho que ligar para meus pais em Ribeirão Preto.
Ela foi até a geladeira, onde pegou uma garrafa de isotônico. Já estava de agasalho e tênis. Prendeu os cabelos e ajeitou a viseira rosa. Saiu, levando a toalhinha e a garrafinha de água. A carteira , o celular e as chaves na pochete. O fone de ouvido moderno.
- Estou indo malhar, Théo. Cuida da casa.
O elevador veio até o décimo terceiro andar. Jheniffer entrou e apertou o botão da garagem. O seu perfume francês tomou conta do ambiente. Duas mulheres entraram no elevador, quando esse parou no oitavo andar. Três rapazes entraram no quarto andar. Eles riam e se cutucavam. Jheniffer os ignorou mas escutou quando um deles disse.
- Não sabia que no seu prédio tinha gente tão linda, Pedrinho. Vou visitá-lo mais vezes.
O celular dela tocou. O elevador chegou ao térreo, onde as demais pessoas saíram.
- Juíza Marcela? Não acredito. É sério? Como ele está? O Nascimento saiu às três, estava bem. Puxa vida. No Hospital Redenção, ala sete, quarto cento e dois. Não anotei mas tenho ótima memória. Sei, aquele prédio verde. Vou sim. Fique com Deus.
Ela enxugou as lágrimas. O elevador a deixou na garagem.
- Isso é hora pra ter um princípio de infarto, Nascimento? Você vai ficar bem, meu amigo.
Alfredo do Nascimento era o sócio e melhor amigo de Jheniffer. Mais que isso, era como se fosse um pai. Um experiente advogado. Eles se conheceram na lanchonete da USP, a Universidade de São Paulo, durante uma prova do concurso do INSS, o Instituto Nacional de Seguro Social. Jheniffer, estudante de Direito, estava no balcão da lanchonete quando o advogado e fiscal do concurso chegou. Ele pediu um lanche, um refrigerante e quatro brigadeiros.
- Meu Deus, estou sem dinheiro. Vou pagar no cartão, moça.
Nascimento abriu a carteira e entregou um cartão para a atendente. A maquininha recusou o cartão.
- Não lembro a senha desse cartão novo. Deve ser a data de nosso casamento. Marcela sempre faz isso.
-Qual a data, senhor?
- Data? Ah, não me lembro. Será que ela o desbloqueou? Poderia ligar pra minha esposa se a bateria do meu celular não tivesse arriado.
Jheniffer colocou uma nota de cinquenta reais sobre o balcão.
- Pode cobrar, moça. O meu lanche e o dele.
Nascimento se surpreendeu.
- Não se incomode, garota.
- Eu insisto. Vejo pelo seu crachá que é fiscal. Falta uma hora pra começar a prova, não vou deixar um amigo esse tempo todo com fome.
Nascimento sorriu.
- Você merece um brigadeiro. Muito obrigado.
- Sou Alfredo Nascimento, advogado e fiscal do concurso. Que Deus lhe dê em dobro o que fez por mim.Jheniffer estendeu a mão.- Amém. Prazer, sou Jheniffer Stuart, estudante de Direito e, se passar nessa prova, talvez uma funcionária do INSS.Nascimento riu. Ela bateu no ombro dele com a palma da mão, uma de suas manias.- Pode rir. Sei que meu nome remete a personagens de livros de romance americano ou daquelas séries policiais. Acho que foi de onde meus pais tiraram meu nome.- É um nome forte, diferente. Você se expressa muito bem. Já comprovei que é uma pessoa gentil e bondosa. Trabalha onde?-Era garçonete mas fiz um acordo. Forneci o traseiro, a empresa forneceu o pé. Fui despedida por me atrasar. Estou desempregada. Preciso de um emprego pra ajudar meus pais a pagarem minha facul.Nascimento tirou um cartão do bolso.- Nascimento e Gomes Advocacia. Passe lá, na segunda feira. Temos uma vaga de secretária, se quiser. Poderá também me auxiliar nos processos. Ela tremia ao pegar
- Terminei minha rotina, Stefany. Faria uma aula de pilates, se não tivesse que pousar no hospital, como acompanhante do Nascimento.Como de praxe, o movimento da academia aumentou no fim da tarde. Jheniffer e Stefany foram até a área das bicicletas ergométricas.- Vamos pedalar um pouco. Apreciar o movimento e a música.- Você quer dizer paquerar.- Isso, Stefany. Ver se tem carne nova no açougue. Um boy magia ou um novinho.- Esse é o horário dos bombados. Disfarça, Stefany. Tem três deles nos secando, na prancha abdominal. Melhor olhar para a recepção. O próximo que entrar, é seu. Se for um gato, é meu.Stefany lidava bem com o fato dos rapazes terem mais olhos pra Jheniffer, que realmente era linda e chamava muito a atenção.- Jheniffer, você é terrível. Passa o rodo geral. Tirando os instrutores, que são gays por imposição do Michel, todos pagam pau pra você.- Esqueceu das mulheres. Não é minha praia mas respeito. Por enquanto, não.- Olha. Novidade isso. Ficaria com outra mul
Tempo depois, após um banho e um lanche rápido, Jheniffer chegou ao hospital Redenção. Preferiu ir num carro de aplicativo, pra não ter que deixar o seu veículo na rua. Estava de tênis, calça jeans e camiseta. Tinha uma sacola com cobertor e toalha de rosto. Levou um livro, maçãs, uma caixa de bombons e duas tupperwares. Numa delas, torradas com geléia de mirtilo. Noutra, frango grelhado com batata doce e quinoa.- Marcela. Cheguei.Ela abraçou a esposa de Nascimento, na recepção do hospital.- Que bom que veio, Jheniffer. Fred, meu sobrinho, ficou com ele um pouco. Nascimento ainda está dormindo. Já está no quarto, o que é ótimo. Eu entrei pra vê-lo, rapidinho.- Está bem. Que boa notícia. Ele vai se recuperar. Vim de máscara contra o Covid19, ainda que as medidas de proteção tenham diminuído, estamos num hospital. Trouxe até meu álcool gel. Eu assumo o turno da noite. Precisarei de carona, amanhã cedo.- Sem problemas. Eu virei, às seis da manhã, na troca de turno. Eu a levarei, c
Jheniffer devolvia os halteres aos seus lugares quando Apollo se aproximou.- Boa tarde. Vou ajudá-la.Ela sorriu.- Enfim um cavaleiro. Muito obrigada. Sou Jheniffer.- Prazer. Sou Apollo Hermann. O instrutor Maurício me mandou para o Full Body.Jheniffer o mediu da cabeça aos pés. - Full Body é para iniciantes. Você tem um corpo perfeito. Com todo respeito.- Acha mesmo? Deve ser porquê sou novato aqui, que me colocaram na iniciação. Estava afastado dos treinos.Ela mordiscou o lábio inferior. Apollo tinha dois olhos verdes, incrustados como jóias naquele rosto másculo. A barba por fazer. Ele guardou o último peso, erguendo os braços e evidenciando as veias saltadas deles. O olhar dela passeou, das coxas grossas e torneadas ao peitoral, sua parte preferida na anatomia masculina. - Terei que dobrar minha carga de exercícios para que meu coração suporte sua beleza.- Essa cantada de academia é velha, Apollo. Vou encarar como elogio.- Me desculpa. Sua beleza é desconcertante. Ele e
Jheniffer foi até o banheiro do quarto do hospital. - Que sonho. Não acredito, sonhei com aquele novato da academia. Estou ficando louca mesmo. Preciso lavar o rosto. Ela sentou-se na beirada da cama de Nascimento e acariciou a mão dele. O paciente acordou. - Jheniffer? Que horas são?- Cinco e dez da matina. O médico disse que ficará uns dias em observação. - Só ouviu isso?- Não. Vou contar o que escutei. Cochicharam que, se você não largasse o cigarro, o uísque e o churrasco, teria mais dois anos de vida apenas.- Sério? Está mentindo.Ela o encarou, segurando o riso.- Verdade. Cochicharam que as veias do seu coração estavam entupidas. Quando passaram a mangueira, pra desentupir as veias do seu coração, o cheiro de uísque e picanha inundou a UTI. Teve enfermeira que desmaiou.- Meu Deus. Então a coisa foi séria? Não, está mentindo pra mim.- Não minto, mas há conserto. Você terá que parar com os vícios, praticar exercícios moderados, ter uma dieta balanceada, não se estres
Jheniffer atirou o celular no chão, quando o despertador tocou. - Estou um bagaço. Queria dormir mais um pouquinho. Hoje é a festa do Nascimento. Ele vai ter alta. Tenho que pegar o bolo e ajudar a Marcela. Prometi ajudar, agora tenho que aguentar e manter a palavra. Ela deixou a cama desarrumada. Foi pra cozinha, ainda de pijamas. - Deveria ser proibido levantar às seis. Baile funk é tudo de bom mas, pra acordar no outro dia, é um sacrifício. Preciso de um banho gelado e um café forte pra acordar. Preguiça, esse corpo não te pertence. Já na casa de Marcela, ela comemorou quando Fred chegou com uma máquina de encher bexigas. - Graças a Deus. Ninguém merece encher balões com a boca. Temos que terminar a decoração antes das oito horas. Os amigos e familiares de Nascimento chegaram. Stefany chegou com sua mãe, Celeste. O advogado desceu do carro, abraçado a esposa. Nascimento foi aplaudido, ao passar pelo portão. Jheniffer o abraçou. - Bem vindo de volta, amigo. Vida que segue
- Intervalo, pessoal. Vamos esticar as pernas, alongar, tomar uma água. Temos mesas com café, bolachas e bolos. Tudo feito com carinho pelas senhoras do grupo de oração. Anunciou o mestre de cerimônias. Jheniffer se levantou e andou pela quadra. O padre Martelotti a interpelou.- Filha. Tem que experimentar o bolo de cenoura com chocolate. Está divino.- Certamente, padre. Amei sua palestra. Seu trabalho com as pessoas em situação vulnerável é maravilhoso. Aceita meu cartão? Sou Jheniffer Stuart, advogada. Quero ser voluntária.- Isso é uma bênção. Vou entrar em contato sim. Fique a vontade.O padre se misturou a multidão. Jheniffer se aproximou da moça ruiva, ainda sentada em seu lugar. Ela era linda.- Boa noite. Será um verdadeiro milagre se cumprimentar o padre Apollo.- Boa noite. De fato. É sempre assim, as pessoas o cercam , pedem autógrafos. Os padres Marcelo e Fábio de Melo têm mais sossego.- Sou Jheniffer Stuart, advogada. Aceita meu cartão de visitas?- Sim. Sou Estela,
Jheniffer entrou no botequim, atraindo os olhares dos homens ali presentes. Ela puxou a barra da saia pra baixo e ergueu a blusa, tentando esconder o decote generoso. - Doutora Jheniffer Stuart, dando um rasante pela periferia? Finalmente se lembrou dos velhos amigos. - Olá, Jaime. Marquei encontro aqui, com a Stefany. A advogada tirou os óculos escuros. - Ela já chegou. Está lá nos fundos, treinando na mesa de sinuca. Jheniffer estendeu a mão e cumprimentou o dono do local. O bar, situado na Moóca, era o principal ponto de encontro das duas amigas, na época de faculdade. - Nunca me esqueci desse lugar, amigo. Era aqui que a gente vinha, na época das vacas magras. Pindura aí, Jaiminho. Era minha frase preferida, lembra? Leve uma tábua de frios e uma gelada pra nós, por favor. Ela caminhou até os fundos do botequim, onde havia um amplo salão com seis mesas de sinuca, bem iluminado e com música ambiente. Os letreiros em neon, fotos de cartazes de filmes famosos nas paredes de t