Tempo depois, após um banho e um lanche rápido, Jheniffer chegou ao hospital Redenção. Preferiu ir num carro de aplicativo, pra não ter que deixar o seu veículo na rua. Estava de tênis, calça jeans e camiseta. Tinha uma sacola com cobertor e toalha de rosto. Levou um livro, maçãs, uma caixa de bombons e duas tupperwares. Numa delas, torradas com geléia de mirtilo. Noutra, frango grelhado com batata doce e quinoa.
- Marcela. Cheguei.
Ela abraçou a esposa de Nascimento, na recepção do hospital.
- Que bom que veio, Jheniffer. Fred, meu sobrinho, ficou com ele um pouco. Nascimento ainda está dormindo. Já está no quarto, o que é ótimo. Eu entrei pra vê-lo, rapidinho.
- Está bem. Que boa notícia. Ele vai se recuperar. Vim de máscara contra o Covid19, ainda que as medidas de proteção tenham diminuído, estamos num hospital. Trouxe até meu álcool gel. Eu assumo o turno da noite. Precisarei de carona, amanhã cedo.
- Sem problemas. Eu virei, às seis da manhã, na troca de turno. Eu a levarei, com todo prazer. Aí vem o Fred.
O rapaz se aproximou. Ele as cumprimentou.
- Boas notícias, tia Marcela. O médico passou há pouco, disse que o tio não precisará passar por cirurgia. Ele ainda não abriu os olhos pois está fraco e sob efeito dos medicamentos. Disse ser normal. Percebi que o tio mexeu a mão direita.
- Que ótima notícia, Fred. Muito obrigada por sua ajuda.
- Disse que ele mexeu a mão? Nesse caso, vou esconder a caixa de chocolates que eu trouxe. Conheço o Nascimento, é capaz de se levantar e devorar toda a caixa. Vou me identificar na recepção.
Jheniffer se despediu deles. Ela entrou no elevador, após receber o crachá de acompanhante. O vai e vem de médicos e enfermeiros era intenso. O silêncio era cortado pelo som das ambulâncias ou pelo sistema de som, chamando pelos médicos. Ela encontrou o quarto onde Nascimento estava. Ele dormia profundamente, ligado ao soro. Uma máquina media os batimentos cardíacos. A outra cama do quarto estava vazia. Uma poltrona estava no canto.
- Coragem, Jheniffer. Uma noite passa rápido. Aquela poltrona deve ser para os acompanhantes.
Ela passou a mão na testa dele.
- Que susto grande nos deu, amigo. Trate de ficar bom logo, temos muito trabalho no escritório. Ah, vamos comemorar a vitória contra a HDM. Eu tomarei champanhe, você tem que tomar suco. Agora que receberemos uma bolada, você apronta uma dessas? Velho, acho que você fez isso pra testar a gente, só pode. A gente te ama muito. Deus vai ajudar e trazer você de volta. Amém. Acho que isso foi mais uma bronca que uma oração mas você entendeu.
Ela guardou seus alimentos no frigobar.
- Seria perfeito pra gelar umas cervejas aqui.
Após conhecer o banheiro, ela se debruçou na janela do quarto, observando o trânsito lá embaixo.
- Caraca. Os carros parecem formiguinhas daqui do alto. Que vista da selva de pedra. Que silêncio aqui. Acho que a vida nos fornece esses perrengues pra gente parar e refletir.
A noite caiu. Ela mexia no celular. Passeou pelas redes sociais durante um bom tempo. Às dezenove horas, entrou um médico, acompanhado de duas enfermeiras.
- Boa noite. Sou o doutor Ronald. É parente do paciente? Deixa eu ver a ficha. Alfredo Nascimento.
- Boa noite, doutor. Não sou parente mas é meu sócio e melhor amigo. Sou Jheniffer Stuart, advogada.
O médico ergueu as sobrancelhas.
- Mesmo? Queria eu ter amigas tão lindas assim. O quadro do senhor Alfredo é estável, está evoluindo bem. Teve princípio de infarto. Isso é um aviso que não deve ser negligenciado. A pressão arterial baixou, não precisará passar por um cateterismo. Os medicamentos foram suficientes para estabilizar o coração. Diminuí a medicação e logo mais ele vai acordar. Por favor, avise a enfermaria quando isso ocorrer.
- Eu avisarei, doutor.
- Passarei aqui pra ver o paciente, durante a noite. Umas duas vezes, talvez três. Tenha uma boa noite.
- Pra vocês também. Bom trabalho.
Eles deixaram o quarto.
- Estou enganada ou esse tiozão me cantou, na frente das enfermeiras? Eu, einh.
O estômago dela roncou. Jheniffer pegou um tupperware e talheres, envoltos em papel toalha.
- Nascimento, isso aqui está uma delícia. Sei que é mais chegado num churrasco mas esse frango está ótimo. Aceita um pedaço?
- Não, obrigada.
Ela assustou ao ver a enfermeira entrar, empurrando um carrinho.
- Sabia que é proibido trazer alimentos ao hospital? Eu poderia confiscar isso aí.
- Me desculpe. Odeio comida de hospital. Comi uma única vez e foi o suficiente pra não me apetecer.
- Entendo. Vou fingir que não vi. Dessa vez passa. Os acompanhantes têm direito a refeição. Hoje nossa janta é sopa de macarrão com mandioquinha. Se tiver sorte, encontrará pedaços de cenoura e chuchu na sopa . A sobremesa é gelatina de abacaxi. Vai querer?
- Não vou. Obrigada.
- Deixarei uma garrafa com chá e bolachas pra você.
Jheniffer sorriu.
- Muito obrigada. É muito gentil. Trouxe uma caixa de bombons para a equipe.
- Que bênção. Esses gestos aquecem nossos corações. Temos uma aniversariante na equipe. Não temos bolo mas cantaremos parabéns com essa caixa de chocolates. Sou Marianne.
- Prazer. Sou Jheniffer.
Outro médico passou no quarto, às vinte e uma horas. Perto de meia noite, Jheniffer foi ao banheiro pra lavar o rosto. Ao voltar, Nascimento olhava para ela.
- Nascimento? Que bom que acordou. Deus é maravilhoso.
Ela o abraçou, puxando a mangueirinha do soro.
- Perdão. Sou desastrada. Como está? Tudo bem?
- Vivo, pelo jeito.
A voz dele saiu baixinha, quase inaudível.
- Cara. O susto foi grande. Você teve um apagão. Um princípio de infarto. Graças a Deus, foi socorrido a tempo. Marcela esteve aqui, enquanto você dormia. Fred ficou com você, durante um tempão. Aquele garoto te ama.
Ela apertou o botão verde, ao lado da cama, chamando a enfermagem. Pegou o celular e mandou mensagem para Marcela.
- Ela está dormindo, certamente. Marcela virá daqui a pouco, às seis da manhã. João Carlos e Simone vieram. Até foram a capela, sabia? Isso é incrível pois vivem falando negativamente da religião, que atrapalha a ciência e outras coisas. Nessas horas, nossas mãos se juntam em oração. É nosso refúgio.
Ela segurou a mão dele.
- Mexeram no meu coração. Espero que não tenham tirado você de dentro dele.
- Se fizerem isso quem morre sou eu, meu amigo.
Jheniffer adorava o senso de humor dele.
O médico retornou, ao lado de duas enfermeiras. Doutor Ronald explicou tudo ao paciente.
- Vida nova, daqui pra frente. Terá que adotar uma rotina saudável. Vamos nos ver, regularmente. Aproveita e descansa bem, senhor Alfredo.
Após a equipe médica sair, Nascimento adormeceu. Jheniffer pegou o livro.
Jheniffer devolvia os halteres aos seus lugares quando Apollo se aproximou.- Boa tarde. Vou ajudá-la.Ela sorriu.- Enfim um cavaleiro. Muito obrigada. Sou Jheniffer.- Prazer. Sou Apollo Hermann. O instrutor Maurício me mandou para o Full Body.Jheniffer o mediu da cabeça aos pés. - Full Body é para iniciantes. Você tem um corpo perfeito. Com todo respeito.- Acha mesmo? Deve ser porquê sou novato aqui, que me colocaram na iniciação. Estava afastado dos treinos.Ela mordiscou o lábio inferior. Apollo tinha dois olhos verdes, incrustados como jóias naquele rosto másculo. A barba por fazer. Ele guardou o último peso, erguendo os braços e evidenciando as veias saltadas deles. O olhar dela passeou, das coxas grossas e torneadas ao peitoral, sua parte preferida na anatomia masculina. - Terei que dobrar minha carga de exercícios para que meu coração suporte sua beleza.- Essa cantada de academia é velha, Apollo. Vou encarar como elogio.- Me desculpa. Sua beleza é desconcertante. Ele e
Jheniffer foi até o banheiro do quarto do hospital. - Que sonho. Não acredito, sonhei com aquele novato da academia. Estou ficando louca mesmo. Preciso lavar o rosto. Ela sentou-se na beirada da cama de Nascimento e acariciou a mão dele. O paciente acordou. - Jheniffer? Que horas são?- Cinco e dez da matina. O médico disse que ficará uns dias em observação. - Só ouviu isso?- Não. Vou contar o que escutei. Cochicharam que, se você não largasse o cigarro, o uísque e o churrasco, teria mais dois anos de vida apenas.- Sério? Está mentindo.Ela o encarou, segurando o riso.- Verdade. Cochicharam que as veias do seu coração estavam entupidas. Quando passaram a mangueira, pra desentupir as veias do seu coração, o cheiro de uísque e picanha inundou a UTI. Teve enfermeira que desmaiou.- Meu Deus. Então a coisa foi séria? Não, está mentindo pra mim.- Não minto, mas há conserto. Você terá que parar com os vícios, praticar exercícios moderados, ter uma dieta balanceada, não se estres
Jheniffer atirou o celular no chão, quando o despertador tocou. - Estou um bagaço. Queria dormir mais um pouquinho. Hoje é a festa do Nascimento. Ele vai ter alta. Tenho que pegar o bolo e ajudar a Marcela. Prometi ajudar, agora tenho que aguentar e manter a palavra. Ela deixou a cama desarrumada. Foi pra cozinha, ainda de pijamas. - Deveria ser proibido levantar às seis. Baile funk é tudo de bom mas, pra acordar no outro dia, é um sacrifício. Preciso de um banho gelado e um café forte pra acordar. Preguiça, esse corpo não te pertence. Já na casa de Marcela, ela comemorou quando Fred chegou com uma máquina de encher bexigas. - Graças a Deus. Ninguém merece encher balões com a boca. Temos que terminar a decoração antes das oito horas. Os amigos e familiares de Nascimento chegaram. Stefany chegou com sua mãe, Celeste. O advogado desceu do carro, abraçado a esposa. Nascimento foi aplaudido, ao passar pelo portão. Jheniffer o abraçou. - Bem vindo de volta, amigo. Vida que segue
- Intervalo, pessoal. Vamos esticar as pernas, alongar, tomar uma água. Temos mesas com café, bolachas e bolos. Tudo feito com carinho pelas senhoras do grupo de oração. Anunciou o mestre de cerimônias. Jheniffer se levantou e andou pela quadra. O padre Martelotti a interpelou.- Filha. Tem que experimentar o bolo de cenoura com chocolate. Está divino.- Certamente, padre. Amei sua palestra. Seu trabalho com as pessoas em situação vulnerável é maravilhoso. Aceita meu cartão? Sou Jheniffer Stuart, advogada. Quero ser voluntária.- Isso é uma bênção. Vou entrar em contato sim. Fique a vontade.O padre se misturou a multidão. Jheniffer se aproximou da moça ruiva, ainda sentada em seu lugar. Ela era linda.- Boa noite. Será um verdadeiro milagre se cumprimentar o padre Apollo.- Boa noite. De fato. É sempre assim, as pessoas o cercam , pedem autógrafos. Os padres Marcelo e Fábio de Melo têm mais sossego.- Sou Jheniffer Stuart, advogada. Aceita meu cartão de visitas?- Sim. Sou Estela,
Jheniffer entrou no botequim, atraindo os olhares dos homens ali presentes. Ela puxou a barra da saia pra baixo e ergueu a blusa, tentando esconder o decote generoso. - Doutora Jheniffer Stuart, dando um rasante pela periferia? Finalmente se lembrou dos velhos amigos. - Olá, Jaime. Marquei encontro aqui, com a Stefany. A advogada tirou os óculos escuros. - Ela já chegou. Está lá nos fundos, treinando na mesa de sinuca. Jheniffer estendeu a mão e cumprimentou o dono do local. O bar, situado na Moóca, era o principal ponto de encontro das duas amigas, na época de faculdade. - Nunca me esqueci desse lugar, amigo. Era aqui que a gente vinha, na época das vacas magras. Pindura aí, Jaiminho. Era minha frase preferida, lembra? Leve uma tábua de frios e uma gelada pra nós, por favor. Ela caminhou até os fundos do botequim, onde havia um amplo salão com seis mesas de sinuca, bem iluminado e com música ambiente. Os letreiros em neon, fotos de cartazes de filmes famosos nas paredes de t
Apollo e Jheniffer chegaram em Perdizes, bairro da zona oeste da capital.- Chegamos, Jheniffer. Aqui é a nossa casa número um, onde fica nosso escritório.Ele desceu e deu a volta, abrindo a porta do carro para a moça. Ele acionou o interfone. O portão do sobrado se abriu.- Temos vinte refugiados morando aqui. Nossas outras casas ficam situadas na Freguesia, em Pinheiros e em Carapicuíba. No momento, damos assistência a cerca de cento e trinta pessoas. - Esse número apenas na capital? - Isso. Não é um número exato pois a movimentação é intensa. Varia toda semana pois muitos arrumam moradia fixa e emprego, felizmente. Por outro lado, há mais gente chegando, de diversos países. A maioria são haitianos, venezuelanos, bolivianos e sírios.Eles entraram na residência.- Abrimos uma casa em Roraima, devido a crise na Venezuela. A capacidade era pra quarenta pessoas mas está superlotada. Veio a necessidade de abrir outra casa em Chapecó, em Santa Catarina, para onde eles preferem ir. O
Apollo atendeu uma ligação no celular, enquanto Jheniffer olhava o cardápio. - Desculpa, Jheniffer. Era o Tobias, da embaixada. Tudo resolvido. - Tudo bem, era importante pra você. Escolhi uma sobremesa pra nós. Espero que lhe agrade. Eu amo. - Se você ama é porquê é uma delícia. Confio em você. Ele fez um sinal ao garçom, que se aproximou. Jheniffer fez o pedido. - Por favor, dois tiramissus. Apollo arregalou os olhos. Jheniffer riu. - Que foi? Não gosta de tiramissu? - Bem, pra falar a verdade, é igual caviar. Nunca comi, eu só ouço falar. Sei que é um doce italiano. - Sério? Tudo tem sua primeira vez. Seja sincero, se não gostar. O garçom trouxe a sobremesa. - Uau. Isso é uma obra de arte, Jheniffer. Já estou salivando. Após comer a primeira porção, ele fechou os olhos. Jheniffer se divertia com a reação dele, degustando a sobremesa. Apollo estendeu as mãos sobre a mesa. Jheniffer pegou as mãos dele. - Eu amei. Muito obrigado por esse momento feliz, Jheniffer. A part
Jheniffer entrou no seu apartamento. Théo veio até ela, assim que a porta de vidro da sacada se abriu.- Oi, meu amor. Cansado de ficar preso? Vou lhe preparar uma deliciosa refeição.Ela foi até a cozinha. O gato fechou os olhos e parecia sorrir, devido aos carinhos dela em sua cabeça.- Você acredita que eu arrumei outro gato? Não me olha assim, Théo. Não é um bichano mas um gato no sentido figurado. Apollo. Nós vamos jantar, daqui a pouco. O gato miou, pulou de seu colo e foi para o sofá.- Você está com ciúmes? É bom se acostumar.Ela buscou o contato de um restaurante, na agenda do celular. Ligou e fez a reserva de uma mesa. Em seguida , ligou a tevê. Minutos depois, ela saiu do banho, vestida de roupão. O gatinho se assustou, com o celular tocando, entre as almofadas do sofá.- É a Stefany. Quer apostar que ela vai me chamar pra beber, Théo? Boa tarde, cachaceira.- Boa tarde. Sua mãe não lhe deu educação? Não sou cachaceira pois não fabrico cachaça, sou consumidora. Esto